Estas semanas não andam a facilitar-me a vida. Escasseia-me o tempo e sobram-me os afazeres. Talvez pudesse ser melhor acomodável se fosse espremido, ou seja, se não tivesse que fazer tantos quilómetros por dia, grande parte deles em percursos sempre atrapalhados, desperdiçando anos de vida no trânsito. Consequentemente, nos últimos dias tenho adormecido aqui no sofá nem conseguindo responder a comentários ou a mails. Uma lástima.
Acontece que, a noite passada, o meu marido, que ia levantar-se muito de madrugada, conseguiu acordar ainda mais cedo do que o necessário e foi buscar o telemóvel para o pé da cama. Então, quando o despertador tocou, pegou nele, na cama, e, em vão, tentou desligá-lo. Por razões que me transcendem, não conseguiu à primeira tentativa, à segunda e por aí fora. Ou seja, precisada de sono como sempre ando, acordei a meio da noite com um despertador a tocar, sem parar, ao lado da minha cabeça. Claro que ele achou que isso não era nada de especial, que me virasse para o outro lado e voltasse a adormecer. Como se isso fosse possível, furiosa como estava. Ou seja, essas duas horas de sono sonegadas também não ajudaram nada. E daqui a nada tenho que estar a pé pois é a minha vez de ir passar o dia fora. Portanto, atalhando: é esta a história da minha vida.
Mas isto como intróito a despropósito pois o que que quero mesmo dizer é que, quando ia no carro, para almoçar, e tendo apanhado o enésimo incidente na estrada, num daqueles infernais pára-arranca que me roubam qualidade de vida, me pus a espreitar os blogs da galeria do lado. Note-se: isto nos momentos em que estava parada que eu sou muito respeitadora das regras (de trânsito). E um deles foi o do Eduardo Pitta. E, aí chegada, foi uma epifania. Um novo livro de John Williams, o Augustus. Quem não seja dado a emoções esfuziantes perante casos desta natureza talvez não compreenda o que digo, talvez ache que estou a exagerar. Não estou. Uma alegria, uma adrenalina, uma vontade de tê-lo já, de pegar nele, de o conhecer, de começar já a desfrutar. Já aqui o referi e não me canso de o repetir: o Stoner ou o Butcher's Crossing foram daqueles livros que me agarraram do princípio ao fim e que, em minha opinião, ilustram o que é literatura. Verdadeira literatura. Saber que, afinal, havia outro foi para mim uma superlativa alegria. Portanto, tomada por um entusiasmo trepidante, decidi que ia arranjar um bocado para ir buscá-lo. E assim foi.
Ao contrário das últimas vezes, em que entro na livraria de freio nos dentes, à rédea curta e praticamente com uma venda nos olhos, desta vez entrei com um espírito vitorioso. E, portanto, desencabrestada de alto a baixo, foi para a desgraça. Foi esse e outros que me saltaram para as mãos. Tanto livro bom, senhores, tanto livro bom, tão grande, tão incontornável a tentação.
Hoje não vou aqui enumerá-los pois, como qualquer viciado, até tenho vergonha de confessar uma tão grande recaída. Mas, de entre eles, vou falar em sete livros, da mesma colecção, a que não resisti. 'A casa de quem faz as casas'. Livrinhos sobre as casas de arquitectos. Carrilho da Graça, Gonçalo Byrne, Manuel Graça Dias, etc. Eu que gosto de casas, que gosto de livros de arquitectura, que gosto de ler entrevistas a arquitectos, que gosto de decoração, não podia resistir. Acresce que cada livro custa cinco euros. Um achado. Que vontade até tenho de dar um pontapé para o alto no blog e me pôr aqui a desfolhar estes livros. E isto já para não falar nos outros. O Augustus fica para o fim de semana porque os grandes prazeres têm que ser degustados com tempo, com entrega total.
Vim da livraria ajoujada sob um daqueles big sacos que lá vendem e que pus ao ombro, carregadinho como um tesouro pejado de preciosidades. E de tal forma estava pesado que temi que tamanha desconformidade me provocasse uma tendinite no ombro ou me desse cabo dos joelhos pois, quando ando com grandes carregos, os joelhos por vezes parece que ficam com vontade de dar de si.
Agora à noite, depois de termos ido fazer a nossa caminhada diária, fui ao carro e tentei passar despercebida, tirando de lá o saco como se fosse coisa ligeira. Mas não consegui. Então o cavalheiro foi-se a ele. E ficou passado. Recordou-me a minha determinação em não encher a casa de livros e mostrou a sua estupefacção com o peso do saco. Não tentei desculpar-me. Pequei e como boa pecadora devo assumir a minha culpa.
Agora tenho-os aqui ao meu lado: livros tão bons. Pecado mais bom de ver. E melhor será de saborear.
Entretanto, tenho estado a ler os comentários sobre mindfulness e lembrei-me que seria uma ideia engraçada sentarmo-nos confortavelmente, eu e os caríssimos comentadores, a conversar sobre o assunto. Penso que seria uma tertúlia animada.
Não podendo, vou dizer uma coisa aqui sobre isso: eu sou uma pessoa que quando se embrenha num assunto estou totalmente nele. Quando aqui estou a escrever, o meu marido volta e meia fala comigo e eu não respondo logo. Eu ouço-o mas é como se fosse uma voz de um outro filme, de um filme que me fosse externo. Ouço-o e sei que tenho que responder mas primeiro tenho que sair do mundo em que estou. O meu marido diz que estou em modo blog. Ou quando me ponho a ler ou a fazer tapetes de Arraiolos ou a pintar: toda eu estou naquilo. Ou quando ando, num comprimento de onda muito meu, a fotografar in heaven (e leia-se com um sotaque british para o Francisco não achar que também me baldeei para o lado dos amaricanos). Posso não ser capaz de explicar ou pode ser coisa tão inacreditável que ninguém me leve a sério mas o que sinto nessas ocasiões é que sou bicho, animal saído de dentro da terra, entregue ao prazer de descobrir flores, pedras, a luz através das folhas, a cor de tudo, os cheiros, os sons, e toda eu, inteira, estou ali, parte do todo (justamente, JV, e nem preciso de fazer Ooooonmmmm). E sinto-me tão tranquila, tão bem, tão em paz que acredito que é assim que se sentem as pessoas que fazem meditação. Agora uma coisa é certa: não ando a questionar-me nem procuro encontrar o sentido do que penso ou do que faço pelo que se o dito mindfulness passa por aí então isso não é comigo. Espero nunca chegar ao ponto de não ter outros motivos de interesse que não o que penso ou digo. Gosto de me desconhecer pelo não tenho qualquer curiosidade em interpretar os meus actos ou os meus pensamentos. E isto não que seja assumidamente anfibológica (thanks, bicho-mau, por mais uma palavra nova) mas a ambiguidade, a abstracção e a gradação de cores entre os extremos do espectro são-me atraentes (qual preto e branco, ó ~CC~? Toda eu jorro cores).
Quanto ao ioga, juro que gostava de saber fazer -- mas mais pelos alongamentos e pela elasticidade do corpo -- e o flutuário, bolas, deve ser fantástico -- mas desde que não me fechem dentro daquela cápsula. Se puder flutuar no azul, em silêncio, e sem estar fechada, juro que vou pedir de presente pelo Natal.
Quanto ao ioga, juro que gostava de saber fazer -- mas mais pelos alongamentos e pela elasticidade do corpo -- e o flutuário, bolas, deve ser fantástico -- mas desde que não me fechem dentro daquela cápsula. Se puder flutuar no azul, em silêncio, e sem estar fechada, juro que vou pedir de presente pelo Natal.
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E agora, pedindo desculpa por incluir um poema tão lindo no meio do salsifré que é este post, vou transcrever o que o anfibológico bicho mucho mau, a quem muito agradeço, me deixou num comentário lá mais abaixo. Para ler em silêncio.
Pena não poder ser lido de olhos fechados. Ou escutado como quem escuta um lento murmúrio.
Pena não poder ser lido de olhos fechados. Ou escutado como quem escuta um lento murmúrio.
Cicio de Amor
Aonde, oh aonde te apressas, tão célere assim?
O arbusto do deserto ao vento suplica.
Triste me sinto aqui.
Não anseias também tu por ir-te,
para longe desta poeira jornadear?
Pleno de desejo sim, mas ai de mim,
por estes pés sojugado.
Aonde, oh aonde, tão célere assim?
Aonde quer que fique meu lar,
longe, longe deste lugar.
Que Deus te guie e proteja,
mas peço-te, por amor de Deus,
cedo p'ra lá deste ermo estejas, a salvo deste grã temor,
segreda à chuva, ao jardim em flor, o meu cicio de amor.
Mohammad Reza Shafii Kadkani
(a partir da tradução inglesa por Pari Azarm Motamedi)
As fotografias referem-se à campanha Rodarte Outono/Inverno 2019 e só estão aqui porque gosto delas. O mesmo acontece com a música que escolhi, Kate Wolf a interpretar Green Eyes: estava a ouvir o Whisper of love e, quando chegou ao fim, passou sozinho para esta que não conhecia e que me soou bem.
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E a todos uma bela sexta-feira.
quando pesquisei os flutuários também me assustei com as cápsulas... não consigo imaginar qualquer prazer naquela coisa. Encontrei 2 diferentes:
ResponderEliminar* http://conventodoseixo.com
* http://www.naturena.pt
Experimentei o Convento do Seixo por uma questão de proximidade e adorei. A D. Sofia que acompanha os planos de Bem Estar é fantástica :-)
Não sei se da próxima vou a Barcelos... é que em equipa que ganha não se mexe, né...? :-)
O meu desvario foi bem pior. Além de uma catrefada de livros na Wook, pus-me a comprar malas na Farfetch. Menina má, má, má. Uns descontos de sonho. Uma malas lindas, lindas. Linhas clássicas desenhadas com irreverência. O que eu gosto de uma mala com personalidade. Toque de arrojo sem ostentação. Para que é que eu quero o dinheiro parado no banco? Mas não é qualquer mastronça que só porque é cara toca de assambarcar. Nada disso. O processo de escolha é minucioso, dá trabalho. O segredo é procurar nas marcas menos mainstream, nas marcas dos connaisseurs, naquelas cujo nome não é conhecido da maioria das pessoas, mas que estão sempre lá nas principais passerelles. Aquelas que as Channeis, as Givenchys, copiam. A minha irmã torceu o nariz às minhas explicações e acusou-me de shopaholismo. Eu que já não comprava uma boa duma mala há ano e meio! E logo ela que, há semanas, quando teve um jantar de cerimónia, foi a minha melhor mala parisiense que levou? Aí não se queixou: é vê-la nas fotos, jorrando confiança e elegância. Indecências. Pois bem, olhem, parece que o meu Natal já lá vai.
ResponderEliminarUm abraço,
JV
Olá Gata,
ResponderEliminarMas que belas dicas, essas. Tão bonitos esses lugares. O nosso país tem lugares ímpares. Acho que, numa próxima oportunidade, serei forçada a ir experimentar.
Gracias very much! Gostei.
Olá JV,
ResponderEliminarJá me pôs a espreitar a Farfetch. Acho sempre aquilo tão caro... Mas tem razão. Tem malinhas, carteirinhas e tanta coisa bonita. Sabe que tive uma fase em que me parecia que tinha que usar malas a condizer com a toilette. Lindas. Em cor de rosa velho, em azul pastel, em amarelo torrado, em ocre e laranja, em bordeaux, em branco. Mas deparava-me diariamente com uma tarefa horrível: fazer o transvase de toda a tralha de umas para outras. Depois arranjei uma big bolsa para pôr a tralha. Mas a bolsa ficava atafulhada e não cabia nas mais pequenas. Todos os dias uma perda de tempo nisto. Até que vi uma loja de chineses que vende pijamas, chinelos de quarto e robes, maquilhagem, meias, cuecas e soutiens e... malas e carteirinhas. Vi uma em dois tons de beige que me pareceu de um tamanho ideal. E vi uma carteirinha pequenina para cartões e com uma bolsinha lateral para moedas. A malinha custou 12 euros e a carteirinha talvez uns 3 ou 4. Pois nunca mais mudei. Não quero outra coisa. Estão como novas, dão com tudo, cabe lá tudo. Um achado.
Portanto, quanto a malas, comigo, agora é isto. Desforro-me nos livros, claro. E estes... Estou tão contente.
Mas compreendo-a muito, muito, muito bem. I've been there.
E agora é dar bom uso a tudo isso, malinhas e carteirinhas. Sabe que eu acho que não há mulheres que melhor se produzam do que as advogadas? Um luxo. Sempre umas estampas.
Um abraço, JV!
O transvase é uma chatice. Mas tenho uma ou duas que dão com tudo e diminuem essa atividade para só quando apetece ou não dá mesmo para não ser. Há malas baratas e não desengracadas mesmo sem ser no chinês, em lojas do calibre da zara ou até um pouco melhor. Porém, mesmo quando bonitinhas, é o cheiro, é o toque. Custa-me. É o meu lado dondoca.
ResponderEliminarAbraço
Jv