Não que tenha grande coisa para dizer. Mas digo. Digo, por exemplo, que me limito a ir acompanhando o pouco que se vai sabendo e a constatar que não há nada de novo. Ou que acompanho também sem grande surpresa as reacções de jornalistas e comentadores a esse pouco que vai soando. E que os vejo a começarem a titubear, a vacilar nos alicerces. E que não me surpreendo. Até porque, salvo raras e honrosas excepções, têm quase todos umas cabeças de maria-vai-com-as-outras.
Mas eu, pela parte que me toca, estou como fiquei naquela noite em que a minha filha me ligou a dizer que visse a televisão, que Sócrates tinha sido preso: estupefacta. Tudo, naquela noite, me causou estupefacção.
Porquê? O que é que ele tinha feito? E como estavam já ali os jornalistas à espera dele, a seguirem o carro onde ia, detido? Que cegada era aquela?
E daí em diante ouvi de tudo, toda a espécie de acusações, de suspeições -- uma investigação e uma crucificação na praça pública de tipo arrastão. Meio mundo a ser envolvido, um processo megalómano, com vários suspeitos a surgirem de todo o lado, por vezes num registo que me pareceu delirante.
Teria Sócrates que ter estado a tramar esquemas durante vinte e quatro horas por dia em vez de estar a governar o País para conseguir engendrar tanta tramóia. E, note-se, não estou a fazer juízos de valor nem a tomar partido. Não: estou apenas a usar a lógica, disciplina mental que me é cara. Ou seja, não digo que não é culpado, porque não faço ideia, apenas estou a verbalizar um raciocínio.
É que a minha posição é a mesma de sempre: a Justiça avaliará as provas existentes, a Justiça avaliará a razão de ser da acusação, ajuizará se há matéria para julgamento e, se o houver, ajuizará se há matéria para condenação. Sou fiel aos meus princípios e tenho bem cravado na minha consciência aquela máxima vintage que reza que, haja o que houver, toda a gente é inocente até prova em contrário. E quem tem que fazer essa prova é a Justiça. Não os jornais, não os comentadores, não as redes sociais, não os bloggers, não o diz-que-diz-que, não as vizinhas, não as primas.
Agora uma coisa é certa: apesar da péssima opinião que tenho sobre o Super-Juíz Carlos Alexandre ou sobre o Procurador Rosário Teixeira, tenho que fazer o exercício mental de admitir que, para terem feito o que fizeram -- e não foi pouco -- incluindo manterem Sócrates preso, é porque devem ter provas ponderosas contra ele. Não suposições mas provas. E, note-se, já se falou no BES, na PT, na Venezuela, em Angola, em Vale de Lobo, no Grupo Lena e sei lá em quem mais. E tudo isto sem que os ministros responsáveis pelos assuntos dessem por nada. Portanto, estou curiosa para saber que provas são essas que enchem milhares e milhares de páginas porque, até ver, de provas, provas, não dei conta de nada.
Não faço ideia do que é que o Juíz Ivo Rosa vai concluir de tudo o que tem lido. Agora acho que temos todos que lhe tirar o chapéu: merece respeito. Quando vejo imagens daqueles caixotes e caixotes cheios de uma papelada infinita nem consigo imaginar como é que algum ser humano consegue digerir tal pesadelo. Eu entraria em burnout só de ver tanto caixote.
Decorreram vários anos desde essa noite em que Sócrates foi detido ao chegar ao aeroporto. Desde aí a sua vida tem estado como que suspensa, naquele limbo em que nem consigo imaginar como se consegue sobreviver mantendo a sanidade mental.
De tudo, jornalistas, comentadores e meio mundo já o acusaram e condenaram. Mas eu, nestas coisas, não consigo pular etapas. Coisa de DNA temperada por deformação académica acrescida de deformação profissional. Mas podem achar que não é nada disso, que sou é burra, teimosa que nem uma mula, besta quadrada da pior espécie. O que quiserem. Mas pular etapas, numa coisa destas, eu não pulo.
Pode ser que a Justiça venha a dar por provado tudo aquilo de que o acusam. Nessa altura eu saberei. Até lá não sei e, sem saber, não condeno. Bem pode o João Miguel Tavares sacramentar mil condenações com aqueles fracos argumentos que a sua fraca cabeça constrói, bem pode Ricardo Costa tecer as suas usuais frouxas considerações ou exibir os seus bons conhecimentos armando-se em bom, bem podem Felícia Cabrita ou Clara Ferreira Alves escreverem as suas inabaláveis certezas ou as suas doutésimas opiniões, bem pode o Dâmaso e outros que peroram no Correio da Manhã, na Sábado ou nem sei onde, denunciar, difundir 'segredos' ou lançar parangonas acusatórias -- que eu fico onde estava.
De tudo, jornalistas, comentadores e meio mundo já o acusaram e condenaram. Mas eu, nestas coisas, não consigo pular etapas. Coisa de DNA temperada por deformação académica acrescida de deformação profissional. Mas podem achar que não é nada disso, que sou é burra, teimosa que nem uma mula, besta quadrada da pior espécie. O que quiserem. Mas pular etapas, numa coisa destas, eu não pulo.
Pode ser que a Justiça venha a dar por provado tudo aquilo de que o acusam. Nessa altura eu saberei. Até lá não sei e, sem saber, não condeno. Bem pode o João Miguel Tavares sacramentar mil condenações com aqueles fracos argumentos que a sua fraca cabeça constrói, bem pode Ricardo Costa tecer as suas usuais frouxas considerações ou exibir os seus bons conhecimentos armando-se em bom, bem podem Felícia Cabrita ou Clara Ferreira Alves escreverem as suas inabaláveis certezas ou as suas doutésimas opiniões, bem pode o Dâmaso e outros que peroram no Correio da Manhã, na Sábado ou nem sei onde, denunciar, difundir 'segredos' ou lançar parangonas acusatórias -- que eu fico onde estava.
E, portanto, como acima disse, não é muito nem nada de novo o que tenho para dizer. É só isto: continuo estupefacta com tudo isto e sem perceber o que se passou e tem vindo a passar desde então. Ou seja, na mesma. À espera que a Justiça faça o seu trabalho.
(Poderia ainda acrescentar que estou também à espera que a Justiça seja justa e lesta -- mas isso já seria esperar de mais. Ou, dito de outra forma, seria lirismo e eu, como é sabido, é mais prosa. Poesia eu gosto mas é de ler, fazer não é para o meu bico)
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As pinturas que usei para dar alguma graça ao texto são, respectivamente, de Francisca Vogel, a primeira, Shawn Ashman, as três seguintes, e Pierre Subleyras, a última. Tudo ao som de Falling na voz de Julee Cruise.
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E uma história para crianças para terminar: Os homens cegos e o elefante
"The Blind Men and the Elephant" de John G. Saxe (lido por Tom O'Bedlam)
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Registo de imprensa:
ResponderEliminar«em março de 2013, em entrevista a Vítor Gonçalves e Paulo Ferreira na RTP, limitou-se a dizer que só tinha uma conta bancária, a mesma há 25 anos, e que ao deixar o cargo de primeiro-ministro tinha solicitado um empréstimo bancário à CGD para poder custear um ano em Paris sem trabalhar»
Evidentemente, em nada os apoios financeiros de um amigo, podem configurar qualquer tipo de crime, ou até ser considerados censuráveis.
Curioso, em ver como dos contratos do governo com as empresas das grandes obras públicas, os intrépidos magistrados ou procuradores, ali vão descobrir uma 'assinatura' do PM.
Olhe Bmonteiro,
ResponderEliminarÉ como naquela história dos cegos a falarem de um elefante que nunca viram. Não sabemos. Podemos supor a partir do que sabemos. Mas só sabemos uma parte. Supostamente o Juíz Ivo Rosa estará a tentar ver todas as partes, perceber cada uma das pontas soltas. E avaliará se há matéria para a coisa seguir para julgamento.
Agora lhe digo: quem, em Portugal, tenha a pouca sorte de se ver envolvido nas teias da justiça vê automaticamente a vida a andar para trás. Anos de vida desgraçada.
Um bom feriado, Bmonteiro