segunda-feira, setembro 09, 2019

Avante Camarada?




Recebi por mail uma fotografia -- a que encabeça este post. Sem qualquer texto ou legenda na fotografia, o mail tem apenas como título 'contribuição para o blog'.

É como receber um título e a gente que se desengome a parir uma redacção. Ou, quando frequentei um curso de uma certa língua que agora não vem ao caso, e a professora nos dava uma fotografia e a gente que escrevesse em não sei quantos caracteres o que ali via.  

Portanto, bem mandada como sou, aqui estou a divulgar a fotografia e a tentar compor um texto que a acompanhe. Não sei qual a intenção de quem ma enviou. Talvez mostrar que os apoiantes que ainda sobram no PCP são uns bacanos, malta mais ou menos nova e descontraída e que alguns são até bizarros, quiçá até alternativos (como o senhor da mochila amarela, casaco camuflado, banquinho desdobrável e um chapelinho de sol nas cores do arco-íris).

Vejo que, ao fundo, o Camarada Jerónimo discursa. Ouvi-o, ao fim do dia, quando vínhamos no carro. Naquele seu tom declamado, numa entoação tão característica e afastada dos hábitos urbanos de um eleitorado que já pouco sabe das lutas anti-fascistas, disse o de sempre, lançou suspeições sobre as intenções dos socialistas, apelou ao voto. Não traz nada de novo, cada vez trará menos.
Já ninguém acredita em amanhãs que cantam -- e os velhos ideais comunistas ruíram, deixando a nu que a defesa dos interesses do 'proletariado', sempre que existiu, foi feita à custa de repressão, à custa do condicionamento dos mais elementares direitos à liberdade, nomeadamente ao de expressão. 
Já ninguém, nos dias de hoje, aceitaria tal coisa nem os crimes cometidos em nome do 'povo' hoje poderiam ser escamoteados como foram antes. São tempos que pertencem ao passado.
Acresce que os trabalhadores, hoje, em especial os jovens que entram no mercado de trabalho, já estão longe das reivindicações das estruturas sindicais do PCP.  E, em geral, já ninguém, entre os que não viveram lutas antigas, tem paciência para conversas sobre velhos ódios, rivalidades do passado. Por isso, a sua base de apoio vai minguando à medida que os velhos militantes são desaparecendo. Está exígua essa base, daqui a nada é metade da do BE, esse partido errático que, apesar de algumas posições válidas e de algumas análises correctas, se estatela frequentemente, aliando-se a amigos impróprios, denunciando o seu forte pendor populista.

No entanto, apesar da fraca base de apoio comunista (já abaixo dos 7%), há que contar com a sua voz e há que reconhecer que Jerónimo de Sousa é um homem digno, um respeitável parceiro, alguém com quem se pode contar. E é um líder.

De resto, obviamente que o PCP está também tocado pelo compadrio entre correligionários. Não é um partido imune a 'cunhas', a 'jeitos'. Não são puros (e agora até me apetecia fazer um trocadilho com os charutos cubanos mas seria muito básico) e a sua implantação autárquica tem propiciado a distribuição de 'empenhos' entre amigos. E, portanto, também por isso, essa também não é bandeira que possam erguer.

Talvez por tudo isto, olha-se para a audiência de Jerónimo e, tirando, os funcionários das bandeirinhas, lá à frente, o que ali se vê é a escassez de gente, a escassez de entusiasmo. 

Juntam-se anualmente na Festa, há aquela mística do companheirismo, a graça de montarem e desmontarem as barraquinhas, de se encontrarem, de estarem uns com os outros naquele ambiente informal, tudo tu cá, tu lá, camarada para aqui, camarada para acolá. Misto de acampamento, de excursão, de trabalho de grupo, de despedida de solteiro, de encontro de reformados ou de ex-alunos, o ambiente deve ser pouco mais do que essa nostalgia, sentimento sempre tão bom para deixar morninho o coração -- mas pouco mais que isso. Ora, do que conheço, aquilo não colhe junto de quem não faz parte do grupo. Mantém, junto dos afiliados e simpatizantes, a ilusão de que o clima é de Festa! quando, na verdade, tende, desde há anos, para um irreversível fim de festa.

E digo isto com alguma pena. A esquerda faz falta.

Há muita gente que facilmente aderiria a uma formação política se ela desse resposta a questões que hoje partidos mais tradicionais deixam de fora. Estamos numa altura de clivagem tecnológica que acarretará uma clivagem social e não há quem se debruce sobre isso. Há a questão climática, séria, e o que se vê é os partidos à babugem da moda do tema e não a agarrá-lo pelos colarinhos. Há a percepção clara de que a globalização tem tanto de bom quanto de perigoso e há uma inquietação sobre como marcar uma posição que não seja idílica, tonta. Há a questão demográfica com elevados riscos associados e não há orientações sérias, estudadas, racionais, de como inverter a tendência que, a manter-se, terá sérias implicações de toda a ordem. E há outros hábitos como o de viajar, o do uso intensivo das redes sociais com os riscos que acarretam, etc, etc, e não há quem estude esses fenómenos e proponha regulação a sério, legislação virada para o futuro.

E não é o PCP, partido tão agrilhoado a causas do passado, algumas das quais completamente ficcionadas, não é o BE, partido tão vocacionado para surfar causas ou ir atrás da espuma dos dias, não é o PAN, partido talvez bem intencionado mas um partido de franjas, algumas perfilhando alguns conceitos questionáveis. O PS ainda será quem mais consistentemente tenta agarrar alguns desses temas mas o PS é um partido que sustenta quem tem que garantir a governação, quem tem que manter os serviços a funcionar, quem tem que assegurar que as pontas estão todas agarradas para que as contas estejam certas e o país a cumpir compromissos dentro e fora de portas. Deveria ser um outro partido, que não o PS, um partido mais livre de compromissos, um partido de reflexão e estudo, de disrupção, a puxar pela carroça da mudança. E o normal seria que fosse um partido de esquerda a fazer este tipo de agitação e separação de águas. E não há nenhum. Uma pena. E não é só pena: é preocupação, é caso para fazer tocar algumas campainhas.

O PCP, apesar dos homens jovens e bonitos que lá tem e de alguma gente competente, em especial na gestão autárquica, é um partido que não soube reinventar-se. Muito tem durado ele, é verdade, quando em comparação com o que tem acontecido noutros países europeus mas a grande diferença é que, enquanto os outros se afundaram a pique, este vai mais devagarinho.

E, portanto, sobre a fotografia, que agradeço, é isto o que tenho a dizer. E quem tiver coisa diferente a contrapor que faça o favor de se chegar à frente. Agradecida,

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E, estando a começar uma nova semana, desejo que seja boa, bela, bem disposta, frutuosa e que venha com saúde e alegria. A começar já por esta segunda-feira, bem entendido.

13 comentários:

  1. Querida UJM
    apesar de não discordar totalmente da sua análise, penso que nunca terá ido à festa do avante. Porque quem vai não é essa a visão que tem, seja amigo, simpatizante ou rival do pcp.
    Não compreendo a solução Jerónimo, acho que não tem perfil para o lugar que ocupa e pessoalmente não percebo a estratégia do pcp mantendo o simpático homem à frente do partido. Mas uma coisa é inegável: aquela festa é mesmo uma Festa. E tem tudo o que um povo inteligente devia procurar: música diversificada, teatro, debates, desporto, convívio, reencontros, amizades, gastronomia do país e do mundo, uma bienal de artes plásticas de valor.
    Quem lá vai não são só os militantes ou simpatizantes. São pessoas com bom gosto.
    Para o ano que vem devia experimentar. Vai ficar surpreendida. As fotos ou as reportagens acabam muitas vezes por mostrar as situações mais ridículas. E de ridículo aquela festa não tem nada. Nem mesmo o preço do bilhete de 3 dias que dá acesso àquele mundo enorme de possibilidades de passar um fim de semana memorável.
    Desafie-se a sim mesma. Vai ficar surpreendida, volto a dizer.

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  2. Olá Anónimo/a,

    Percebo o que diz pois coincide com o que pensam pessoas que me são próximas. De facto, fica provado que o olhar é subjectivo. Nas mesmas circunstâncias, o que um vê difere substancialmente do que outro vê. É que já lá fui, sim. Duas vezes. Uma há mil anos, ainda na Ajuda. Outra já na Atalaia, há oito anos. E, nesta segunda vez até fiz reportagem fotográfica e publiquei post:

    http://umjeitomanso.blogspot.com/2011/09/festa-do-avante-uma-animada-festa.html

    E repare que não digo que não seja uma boa festa para quem gosta do género. Mas 'não é a minha praia'...

    Não leve a mal mas não consigo dizer outra coisa.

    Abraço.

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  3. Paulo Batistasetembro 10, 2019

    UJM,

    Curioso que refira que "os velhos ideais comunistas ruíram deixando a nu que a defesa dos interesses do 'proletariado', sempre que existiu, foi feita à custa de repressão, à custa do condicionamento dos mais elementares direitos à liberdade, nomeadamente ao de expressão". Mas, muitas das questões que refere, parágrafos à frente, como desafios das sociedades contemporâneas, não deixam de ser exemplos de repressão, condicionamento de direitos (muito para lá dos da liberdade e do da liberdade de expressão em particular), entre outros efeitos nefastos que o «socialismo democrático» "que sustenta quem tem que garantir a governação, quem tem que manter os serviços a funcionar, quem tem que assegurar que as pontas estão todas agarradas para que as contas estejam certas e o país a cumpir compromissos dentro e fora de portas" tem vindo a sustentar orgulhosamente - inclusive com o apoio do tal partido "agrilhoado a causas do passado".

    Nesta história não há inocentes. Apesar das muitas atrocidades cometidas em nome do dito "comunismo", também há muitas atrocidades cometidas em nome do dito "socialismo democrático" ou da "social democracia" - quantas vezes sistemas que instauraram a guerra e o terror em muitas comunidades externas (países) em nome da propagação de supostos valores democráticos.

    Talvez o facto de o PCP ter vindo sempre a participar, de forma razoavelmente consistente e leal, o jogo de uma democracia dominada pelo socialismo democrático, social democracia e democracia cristã (os resultados são medianos, não?), merecesse algum reconhecimento ou até, vá, o benefício da dúvida de que não são os sanguinários com que os pintam? Na história de muitos partidos muito modernaços e cheios de virtudes que hoje abraçamos democraticamente não se pode dizer o mesmo. E será que se possa dizer de outros partidos que estão aí ao virar da esquina?

    Perdoe-me o comentário mais rude mas custa-me assistir, sistematicamente, a uma visão de morte sobre este partido em concreto, especialmente pelo contraste com a condescendência com que outros partidos são tratados (como, neste post, sobre o PAN - parecendo assumi-lo como um partido "de esquerda", coisa com que os próprios não se identificam declaradamente - dizem-se "pós-ideológicos" - e que as suas propostas são indiciadoras - propõem o plafonamento das pensões).

    Não sou militante do PCP (nem sequer os camaradas me iriam qualificar como um simpatizante fiel...). Apenas não vejo o "terror" no PCP que a esmagadora maioria vê em tal partido, nem sequer esse suposto anacronismo, quer discursivo - como se o chavão do colaborador, do empreendedor, do lean, dos kpi's e outros anglicismos não fosse ele próprio "anacrónico" nessa tal mundo a apodrecer ambientalmente e cada vez mais tecnologico-dependente - quer mesmo ideológico - como se as contribuições de Marx para a economia ou até mesmo para a política fossem absolutamente desprezíveis face a um, por exemplo, Friedrich Hayek.


    (continua)

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  4. Paulo Batistasetembro 10, 2019

    (continuação)

    Quanto ao Avante, é uma leitura que não partilho - parece-me que aquilo é mais do que simplesmente uma festa de saudosistas ou adeptos de regimes dito comunistas (do passado ou do presente) - embora os comícios e os debates políticos tenham muito esse perfil (talvez nas "tasquinhas" se sinta algo semelhante... mas não diferente de qualquer comício de outro partido da esquerda à direita!) . No entanto, tem um programa cultural absolutamente ímpar: diversificado, aberto (se a falta de liberdade de expressão codificada no código genético dos comunistas for a este nível, se calhar a RTP2, o ARTE ou o MEZZO são canais tomados pelos maiores sanguinários comunistas de que há memória!) e de grande qualidade, por um valor que só pode ser simbólico (com certeza que não é nas entradas que o PCP irá angariar fundos para o partido). E de resto, cruzando esse programa cultural com um ambiente popular sustentado por um substracto precário (que me transporta para aquilo que eu vejo como seriam as festinhas rurais e populares que conheço tão visceralmente, mas que são muito mais violentas e castradoras...).

    Para terminar o meu manifesto, uma nota: é minha convicção pessoal actual é que não será da esquerda, no geral, que germinarão as respostas para os problemas prementes que se preparam para eclodir - pelo menos em Portugal. A crescente individualização e (na linha do que refere nuns posts atrás) a disseminação das suas expressões e modelos narcisísticos, incentivados e premiados pelo sistema económico e social dominante (totalizante! pois abarca as múltiplas dimensões da vida e está patente na comunicação social, no nosso trabalho, no desenho e ocupação da nossa rua, etc), parecem ser uma evidência de uma maior adequação das ideias políticas de direita para liderarem a formulação de soluções - sendo aí que mais me aproximo da perspetiva analítica da esquerda "comunista": a de que "as massas" (em tempos, proletários, mas hoje colaboradores, expats, remote workers, uber style self-employed people - fruto de uma política que objetivamente procura a individualização e atomização de quem trabalha), adoptarão a solução mais "à mão" no momento; e a direita, tendo sabido condicionar consistentemente e duradoramente os atores do centro, construiu uma máquina potente que, essa sim, vai aniquilando, um a um, os atores da esquerda. Não nos deixemos enganar com a conjectural maioria de esquerda parlamentar em Portugal. Como tem sido habitual, temos um delay a absorver estes choques, de um mundo incontornávelmente globalizado.

    Abraço!

    PS 1: Mas a direita também comete os seus erros, e os excessos cometidos em países chave, como os EUA, podem ser oportunidades de mudança.

    PS 2: Talvez eu com todo este paleio, dominado pelas emoções, me esteja só a auto-convencer de que este fim de semana que passou, foi boa a festa pah! :D Até se cantou isto: https://www.youtube.com/watch?v=xMor94rsp6g !

    PS 3: Mas não passei lá todo o meu mágnifico fim-de-semana!

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  5. Paulo,

    Quase estamos de acordo. Não percebo porque há pessoas que ainda temem o PCP Temem o quê? Na pior das hipóteses são uns chatos a defenderem coisas indefensáveis ou a curtir odiozinhos de estimação que já não estão com nada.

    E também concordo que há riscos tremendos, geralmente abraçados pelas direitas populistas, que andam a passar ao lado.

    E também concordo que, para quem gosta, a Festa é uma festa. E a sério? Roberto Carlos? Fogo... Já nem o comunismo é o que é?

    É o que eu digo: na volta sou eu que sou elitista, que me incomoda que gente q não conheço me trate por tu ou por Camarada, arrelia-me comer coisas com molho em prato de plástico, concertos à soalheira... Que é que quer...?

    E sabe o que lhe digo: os seus gostos eclécticos fazem de si uma pessoa curiosa. Quando for grande vai ser um homem interessante. Não se estrague.

    Abraço, Paulo!



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  6. Paulo Batistasetembro 11, 2019

    Olá UJM,

    Isto uma pessoa vai ao Avante numa tarde e no dia seguinte passa o dia num registo diametralmente oposto (nas vindimas), acabando por viver uma experiência política de tal forma intensa e contraditória que, chegado ao cyber-espaço (já a noite vai longa), confrontado com o comentário político, essas energias acumuladas libertam-se para reclamar mais tolerância para com os comunistas! A UJM foi muito dura, e os "camaradas" têm muitas vertentes positivas - por exemplo: https://www.youtube.com/watch?v=9cMccZG-dGc


    Agora ainda mais a sério, uma nota importante: não confundir o meu "interesse" sociológico no Roberto Carlos com o meu perfil no que se refere a gostos musicais... ( :D ) ...ainda que, realmente, mantenha um interesse diversificado em múltiplas expressões culturais (e musicais, em particular).

    Abraço!

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  7. O Paulo é comunista? Não é por nada, é só porque ainda não me tinha apercebido! Agora até me sinto tonta, já deve tê-lo dito mil vezes e eu nada, completamente à nora.
    Um abraço,
    JV

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  8. Paulo Batistasetembro 11, 2019

    Olá JV,

    Admiro-me como não achou isso antes! Eu aqui no blog a encarnar o papel de velho resingão (a maioria do eleitorado economista parece bastante envelhecida e o discurso por vezes roça o resingão), tantas vezes com um discurso que parece "de um outro tempo", por vezes a sugerir um certo fascínio por amanhãs que cantam... e afinal a minha retórica não engana ninguém!

    Mas, verdade seja dita, já que me pergunta assim diretamente, deixe-me cá pensar com os meus botões:
    Faz uns bons anos que me vejo a convergir, com frequência, com várias posições do PCP (mas também com a de outros partidos). No contexto português e dos actores políticos, naquilo que vou mais ou menos acompanhando (ao invés de programas futebolísticos a comentar os casos da jornada eu divirto-me a seguir política... mas atenção - olhe só o snobismo - não aqueles programas chatos da tv... electrodoméstico que praticamente não uso... a não ser em casa da minha avó - mas aí, geralmente, está sempre a passar o "Somos Portugal" ou o "Preço Certo"), tenho apreciado o estilo aparentemente sério e sóbrio de muitos dos seus líderes. Já fui algumas vezes ao Avante (com o passado fim-de-semana foi só a 3ª vez... mas, veja lá, não arranjei programa mais interessante e estava a precisar de espairecer um fim-de-semana...e como vivo numa pequena cidade e "venho de uma aldeia perdida na beira" - ainda que não tão remota como essa). Aprecio o trabalho académico de Marx e percebo as leituras políticas que dele retiraram e retiram (incluindo o próprio Marx! Mas acho relevante, neste caso, separar o homem das ciências do homem político). Acho a margem sul o máximo (e sou "condescendente" com as várias "margens" no geral - no geral da esquerda, claro!). Conheço alguns (dois / três) militantes comunistas e mais meia dúzia de simpatizantes. Já fui a algumas iniciativas políticas promovidas pela CDU. Já me declarei, duas vezes, publicamente como apoiante da CDU (mas ninguém me conhece, não lhes deve ter sido útil) s especificamente por conhecer os respectivos candidatos em causa e subscrever grande parte das suas ideias na eleição em concreto. Não tenho nenhum familiar comunista nem sequer politizado (!) (não sei de onde veio isto da "política"... nem os meus pais sabem... e a certa altura preocupou-os) mas, não sendo lá muito velho (apesar de o discurso parecer) já votei PCP no passado (recente; e não mais vezes do que noutros partidos).
    Se sou comunista?
    Apesar desta história toda armada ao pingarelho, eu responderia que não. Mas concedo que, por vezes, possa parecer (e, em tempos tão conturbados, por vezes, dou-me demasiadas vezes a convergir com o PCP). Snceramente há uma coisa - fundamental - que me causa espécie - embora até a compreenda, vá, até certo ponto: o "centralismo democrático". Causa-me urticária.

    Espero que me tenha saido bem! Ou será que ganhei o urso tambem?! https://www.youtube.com/watch?v=vZ9myHhpS9s

    Abraço!


    Paulo

    PS: o tom é, sinceramente, brincalhão (não o leve a mal!) mas efetivamente não me considero comunista.

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  9. Paulo Batistasetembro 11, 2019

    Por acaso hoje é um bom dia para falar de comunismo e de um certo "ódio ao comunismo" em particular. Apesar de só se falar do que aconteceu em Nova Iorque, é também a data que marca o assassinato do líder comunista chileno, que resistiu, segundo consta, nos seus fugazes 3/4 anos de governo, a usar a força de repressão do estado para impôr os seus ideais comunistas (ao contrário dos seus oponentes, com o forte apoio dos países ricos ocidentais e dos EUA em particular). Sinceramente, divergindo dos métodos, dos fins e até da organização idealizada da sociedade que pulula em muitos ditos comunistas, não acho que sejam sanguinários por princípio e não desprezo o papel concreto que tiveram e têm adoptado "no dia a dia"; pelo menos, no contexto português. Já à direita não se pode dizer o mesmo, pois o principio racista, xenófobo e hierárquico da sociedade está inscrito nos "genes". Não sou comunista, mas muito menos concordo com a ideia de que a extrema direita e a extrema esquerda são a "mesma coisa" (e a diabolização dos comunistas tem, frequentemente, esse "princípio" subjacente... que também me causa urticária..)

    Abraço e desculpem os meus testamentos e "manifestos políticos". Sou um tribuno do teclado! Se calhar devia começar a usar mais o tal electrodoméstico... ! Demasiado tempo livre depois de jantar.

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  10. Olá, Paulo!

    Pois é isso mesmo. Assim como se descreve é que o achava. Tal e qual. Encarnando o velho rezingão comunista, mas sem o ser, lá no fundo. Incapaz de se chamar a si próprio comunista - incapaz de o ser. Por muito que simpatize com algumas ideias, talvez até muitas, por muito que simpatize com a ideologia científico-sociológico-económica de base, por muito que tenha uma espécia de nostalgia relativamente à própria Luta!

    Sabe, a mim custava-me quando ouvia amigos dizerem que iam ou tinham estado no Avante. Pessoas que não eram comunistas, nem eram coisa nenhuma, na verdade. Ideologia zero. Alguns, umas tretas mal enjorcadas na cabeça. E eu a achar que tudo aquilo era uma afronta (um sacrilégio!) à Luta, à Ideologia, ao Comunismo - um sonho que, por muito mal que dele tenha advindo ao mundo (e se não foram muitos e terríveis males!), um sonho que representava algo, ainda assim, quase sagrado. Não que eu seja crente. Mas digam o que disserem, o verdadeiro e austero herói comunista, de que Álvaro Cunhal foi talvez a encarnação maior, embora não a mais bem sucedida (fruto do país e dos tempos em que viveu), é um homem ou uma mulher cuja força é absolutamente admirável. Uma expécie extinta. Outros heróis hão de vir, mas o herói comunista está morto. Foi uma morte difícil para muita gente em muitas partes do mundo. Sobretudo, claro, para as gentes da ex-URSS. O homem soviético. Lê-se as coisas mais escabrosas, sobre pessoas que foram achincalhas, que perderam tudo e, no entanto, continuavam a acreditar no sonho. Renegadas pelo próprio Partido. Ora bem, sem ter jamais sentido a fé, também eu senti a perda. Tinha lido dos heróis de Gorki. Zola já tinha, antes, mudado a minha vida. Uma confissão: ler Manuel Tiago tocou-me de tal forma que, ainda hoje, tenho uma espécie estranha de ódio ao Mário Soares por tê-lo ouvido falar, em certo documentário, da "frieza" de Cunhal. Sempre me identifiquei, porém, com os outros, os lúcidos, como Dostoievski, que jamais se deixou levar pela crença absurda que não deixa questionar, embora sentisse a dor da pobreza e o apelo do sagrado como nenhum outro.

    Sinto, portanto, que ir ao Avante seria tanto mais dececionante quanto a indiferença que, sem dúvida, sentiria perante todo aquele ambiente de arraial. Arraiais e festas procuro noutros lados. Para filosofar e lamuriar sobre a ingrata vida que levamos, vou à tasca do meu bairro. Nunca desilude.

    Um abraço,
    JV

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  11. Paulo Batistasetembro 12, 2019

    JV,

    Porra! (perdoe-me a expressão! Mas foi um belo murro no [meu] estômago, ou uma grande chapada, ou as duas coisas! Talvez mereça mesmo, não sei).
    Tenho consciência que posso ter sido muito leviano na forma como me defini “não comunista”, mas fui sincero. Pelo discurso que muitas vezes tenho aqui pode não parecer mas não tenho propriamente um historial de formação “ideológica” muito vincado, fruto das circunstâncias pessoais que vivi e que vivo. Não queria entrar em pormenores – pelo menos aqui, expondo-me assim publicamente… não que me conheçam… mas sei lá… estas coisas na internet… comecei a usar o meu nome e sobrenome aqui sem querer… acabei por achar que era inócuo… mas já pensei muitas vezes que é uma exposição um bocado exagerada… apesar de tudo já é qualquer coisa que me identifica. Também não queria usar “isso” do “meio” como argumento… embora pensando assim muito rapidamente me pareça que “o meio” faz a diferença e ajude a contextualizar… digamos, pelo menos, que o meu não era, de longe, de abundância, quer material quer cultural. Construi (estou a construir… estarei sempre, acho!), uma matriz ideológica própria, assente na experiência do dia a dia, num prazer (um pouco inexplicável) mas também até certo ponto necessidade pessoal, de procurar respostas para problemas com que eu ou aqueles que me rodeiam, na nossa situação concreta, nos deparávamos / deparamos (mal ou bem, até foi para isso que fui conduzindo a minha vida profissional – que não sei se durará muito mais tempo neste registo).
    De facto, olhando para trás, a minha exposição à política e à cultura deu-se tarde e a más horas; até à maioridade a consciência (ideológica) formou-se exclusivamente numa base empírica – se é que se pode chamar consciencialização ideológica (lá perito em chavões tornei-me!). Quando li, aos vinte e muitos anos alguns neorrealistas, não me senti embebido no feitiço de uma nova consciência: a da realidade dura de muitas pessoas. Na verdade, foi mais uma certa identificação / reconhecimento directo e indirecto de situações ali relatadas, seja com o que vivi, seja com o que ouvia contar várias vezes. Mas, por exemplo, nunca li Manuel Tiago, nunca li sobre os heróis de Gorki. Sim, li o germinal do Zola, alguns do Alves Redol, o Uma Abelha da Chuva – este, especificamente, sobre a minha terra… (e olhe que aqui na terra não conheço praticamente ninguém que saiba quem é o autor nem tenha lido o livro… eu próprio só o conheci aos vinte e muitos anos e casuisticamente!).
    Portanto, não, não sou comunista. Mas não porque me desiludi ou dececionei com o comunismo. Também acho que ainda não me deslumbrei e, daquilo que conheço, não me parece que me vá deslumbrar. Talvez a JV diga então que me declaro de esquerda tão só porque me tenha desiludido com a direita. Mas se é verdade que sou nascido e criado no seio de uma cultura religiosa e conservadora, não acho que me tenha identificado alguma vez com ela, mesmo quando era um jovem inconsciente – e não só ideologicamente. Felizmente, apesar dessa cultura religiosa e conservadora daqueles que me eram mais próximos, nunca fui muito pressionado para seguir esses preceitos – ainda que sinta, muitas vezes, uma certa angústia no seu olhar pela minha vida um tanto ou quanto pouco convencional para a matriz do meio [mas muito convencional para a vida moderna numa qualquer cidade grande portuguesa].
    (continua)

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  12. Paulo Batistasetembro 12, 2019

    (continuação)

    Dito isto, de longe as minhas idas ao Avante foram num registo de afronta consciente ou inconsciente, de desrespeito pelo PCP e seus militantes. Ou sequer numa lógica de adesão a novos amanhãs que cantam. E digo-lhe mais: já fui lá absolutamente sozinho. Ver. Ouvir. Empirismo máximo. Também lhe posso afirmar que não fui propriamente com o espírito de arraial; mas isso, simplesmente porque nunca calhou. A este respeito, eu até acho que é exatamente esse ambiente de arraial popular, por vezes de tasca, misturado com expressões culturais diversificadas, que torna o Avante um objeto singular. Porque sim, é um evento declaradamente político, mas parece-me bastante distinto do circuito, encenado, da “carne assada” que outros partidos praticam… para a TV. A política não se deve fechar nos salões e nos palácios. Quantas vezes as democracias se definem pelo que se filosofa e se lamenta nas tascas e nos arraias!
    Por muito que tantas vezes até possa ser algo desconfortável, por muito que por vezes corra riscos de ridículo, por muito que me sujeite ao castigo da solidão do mero observador, procuro perceber aquilo que vai na cabeça do outro e tentar comunicar com ele, exatamente porque não quero ficar-me pela “crença”, tantas vezes absurdas – como observei em muitos do que me são próximos – como a da suposta virgem que, nas palavras fresquinhas de um sr prior que escreve naquele antro que é o observador, foi, à, mais coisa menos coisa, 2000 anos a primeira cosmonauta da humanidade! Mas também outras crenças que ouvia com frequência, no registo de que “os comunistas comem meninos ao pequeno almoço”. Não sei se comiam ou não. Do que tenho visto, não. E muitas vezes, ultimamente, até concordo com eles.
    Pode achar que sou uma espécie de Zita Seabra em potência. Hoje próximo do PCP amanhã apoiante feroz da iniciativa liberal. Tenho sérias dúvidas. Mas.. sei lá! Na verdade, sei mesmo muito pouco ou… melhor: tenho poucas certezas.

    Um abraço!

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  13. Paulo Batistasetembro 13, 2019

    PS: estava aqui a maturar. Talvez eu tenha lido mal o comentário da JV e ao invés de uma reprimenda pela minha leviandade ideológica, apenas tenha partilhado um outro caminho que, afinal, até nos coloca numa posição parecida (declaradamente não comunistas). Mas estou confuso e hoje não muito desgastado, com alguma falta de discernimento.
    Bem, se afinal esta for a interpretação correta, perdoe-me o tom mais zangado. Ainda que mesmo nesta leitura discorde da sua aparente desvalorização dos despojos desses mortos e, sobretudo, do arraial enquanto ato político!

    Boa noite!

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