Acredito que se percebe que a democracia é verdadeira e madura quando a aceitação das diferenças e de supostas extravagâncias acontece com naturalidade. Acredito também que uma sociedade é mais feliz se, em vez de haver permanentemente uma culpabilidade latente por parte de uns e uma apetência pela censura e pela maledicência por parte de outros, houver, isso sim, uma predisposição geral para a aceitação e para a generosidade.
Tāmati Coffey, Natasha Dalziel (a mãe de 'aluguer') e Tim Smith com o bebé Tūtānekai. |
Como se só isso, por si, já não fosse uma maravilha, Trevor Mallard, o Speaker do Parlamento, resolveu levar o bebé para o seu colo e, ali mesmo, alimentá-lo. E isso enquanto continuou a cumprir o seu papel de moderar o debate, presidindo à sessão.
E estou a lembrar-me da deputada australiana que, o ano passado, no parlamento, fez uma intervenção enquanto estava, justamente, a amamentar.
Não nos esqueçamos que já Jacinda Ardern, a primeira-ministra, tinha levado o seu bebé para o Parlamento. Os exemplos têm que vir de cima. Sempre assim foi e é assim que deve ser.
E estou a lembrar-me da deputada australiana que, o ano passado, no parlamento, fez uma intervenção enquanto estava, justamente, a amamentar.
Larissa Waters e o seu bebé |
E eu vejo isto e fico contente e a pensar que era tão bom que um dia isto fosse possível em Portugal.
As dificuldades que eu tive quando os meus filhos eram bebés e eu ainda os amamentava, o peito cheio, cheio, muitas vezes os seios a jorrarem leite e eu ainda com Lisboa inteira para atravessar primeiro que chegasse ao pé deles. Como a minha vida teria sido mais fácil se eu pudesse levá-los comigo para o trabalho. Em vez de dois filhos, se calhar tinha tido mais uns quantos. Que bom. Tanto que eu gostava de os ter junto a mim. E tinha que os deixar de manhã e só ir buscá-los ao fim da tarde, sempre em stress.
Ainda a semana passada um 'boss' me dizia que tinha estado a entrevistar um homem jovem para uma função exigente e que lhe tinha perguntado se já tinha filhos. O pobre disse que não e ele perguntou-lhe se estava a pensar ter nos próximos anos. O pobre disse que não. E eu, ao ouvir isto, não consegui esconder o meu incómodo: 'Não acredito que tenha feito isso. A sério? Não acredito! Mas que ideia. Que mal tem se tiver filhos?' e ele, admirado, 'Ah, é que é a licença de paternidade, depois é o menino que está doente ou que é preciso ir buscar o menino à escola. Então eu não sei como é?'. E eu: 'Mas e então? Vamos querer que a espécie se extinga para não beliscar a produtividade? Que coisa. Peço desculpa mas essa mentalidade já não está com nada'. Aí ele mudou um pouco o tom: 'Pois, se calhar tem razão. Mas, olhe, já fui muito pior. Nem queria que se contratassem mulheres que ainda não tivessem os filhos já criados. Aliás, preferia homens porque faltam menos que as mulheres'. Voltei a mostrar o meu desconforto: 'Claro que faltam menos. Pois se são as mães que têm que ficar com as crianças... Se a responsabilidade pelos filhos passar a ser assumida por ambos, a ver se os homens não passam a faltar tanto como as mães...'
E ainda me lembro quando, há uns anos, seleccionei uma jovem para a minha equipa. Não veio de imediato, tinha que dar um tempo à empresa onde ainda estava. Então, decorrido talvez um mês de lhe ter sido comunicada a nossa decisão, liga-me ela para me dizer que tinha descoberto que estava grávida e queria ser franca comigo e que eu estivesse à vontade para lhe dizer que já não iríamos admiti-la. Felicitei-a e sosseguei-a: 'Boas notícias. Vir uma criança a caminho é uma maravilha. Fico contente. E claro que será muito bem-vinda'. Quando transmiti a minha decisão aos meus colegas, ficaram a olhar-me um bocado de lado: 'Então entra para, logo a seguir, entrar em baixa?'. E eu: 'Isso mesmo'.
Teria a criança uns dois anos, voltou a ficar grávida e voltou a aparecer-me como que a medo e, de novo, a felicitei. Contudo, lembro-me de um administrador (um todo moderno, um que parece todo prá-frentex) me ter dito, com ar aborrecido: 'Mas essa veio para cá para ter filhos ou quê?'. E eu, furiosa: 'Mas isso diz-se? Queremos que nasçam muitas crianças no nosso país e é nossa obrigação não dificultar a vida a ninguém. Fazemos é pouco.'
Ele olhou para mim de lado, como sempre fez, quando achava que as minhas atitudes eram feministas. E, se calhar, eram. Se calhar, deveria era manifestar-me mais graficamente.
Como as ideias cavernículas de alguns portugueses (homens e mulheres) -- dos portugueses e de todos os estúpidos de todo o mundo -- devem parecer impensáveis aos felizes neo-zelandezes quando sabem delas...
Como as ideias cavernículas de alguns portugueses (homens e mulheres) -- dos portugueses e de todos os estúpidos de todo o mundo -- devem parecer impensáveis aos felizes neo-zelandezes quando sabem delas...
Um desfasamento desta ordem tem a ver com o quê? Clima? Cultura? Um somatório de circunstâncias que, vulgarmente, dá pelo nome de história? Ou é apenas sorte, sorte dos que nasceram abençoados, sabendo ser boas pessoas?
E, quanto à maneira como ainda há quem olhe de lado para os casais gay ou para os gays em geral, nem é bom falar. Parece coisa antiquada, intolerante, inaceitável. Mas existe a faz sofrer muita gente.
Mas vejam, por favor, o vídeo que obtive via Guardian, do qual transcrevo
Trevor Mallard, New Zealand's House of Representatives speaker, cradled and bottle fed a lawmaker's baby while he presided over a debate.
Baby Tūtānekai Smith-Coffey, the son of Labour MP Tamati Coffey and his husband Tim Smith, was born in July via a surrogate mother
Encantem-se, please. Isto é real. Aconteceu.
E até já
[E estou aqui a torcer-me para encontrar o registo certo para falar do que está a acontecer à Amazónia e de quão perigoso é estar parte do mundo na mão de imbecis. E é que, de caminho, a seguir ao Bolsonaro teria que falar no Trump, no Salvini, no Bannon, e em todas as bestas quadradas que se puseram a cavalo no mundo. Mas não estou a encontrar a forma moderada para falar disto com calma]
Esses, como outros preconceitos, mudam lentamente. Tantas vezes tardam a acompanhar a legislação e os regulamentos de trabalho.
ResponderEliminarOs exemplos que contou lembraram-me de uma colega - de um País que tem muito regulamentado o apoio à família em termos laborais -contar recentemente que quando disse à sua chefia, por sinal também mulher, que estava grávida ouviu: ‘E eu a pensar que ia longe’. Enganou-se. Ela tem vindo a fazer uma boa carreira, apoiando também muito aos filhos, ainda pequenos. É um exemplo em acção da sua excelente manifestação gráfica, que é muito apropriada.
Não concordo muito com isso. Levar os bebés para o local de trabalho não me parece correcto. Mas concordo completamente que tenham direito às horas de amamentação e que, se possível, façam os intervalos necessários para amamentar.
ResponderEliminarEra bom que as grandes empresas pudessem ter os seus próprios infantários, facilitando assim a vida das suas funcionárias. E acredito que não perdiam com isso.
Enfim, são opiniões! Também acho que as mães deveriam ter direito a estar com os seus bebés muito mais tempo do que actualmente a lei permite.
Beijinhos e boa semana:))