Não costumo ver telenovelas portuguesas nem acompanhar a vida, os sucessos, as crises, os amores e desamores dos seus actores.
Hoje, já depois de ter conversado com a minha filha, recebi dela uma sms dizendo-me para ver a entrevista do Diogo Amaral no programa da Cristina Ferreira (e acrescentou que eu ignorasse a bimbice dela).
Achei tão insólita a mensagem que a li em voz alta. O meu marido também ficou admirado mas desvalorizou, admitiu que tivesse a ver com algum aspecto relacionado com a vida profissional dela. Quando li Diogo Amaral, visualisei-o embora com dúvidas se seria esse mas, confesso, fiquei na mesma. Perguntei-lhe porque queria que eu visse. Não quis dizer-me, apenas acrescentou para eu reparar na linguagem corporal dele e para ver em silêncio. Comecei a ficar curiosa.
Agora, antes de pôr a box no dito programa, googlei-o para confirmar: era mesmo quem eu imaginava, aquele rapaz que me faz lembrar o Sergei Polunin, aquele corpo escorreito, aquele ar vagamente atormentado.
Agora, antes de pôr a box no dito programa, googlei-o para confirmar: era mesmo quem eu imaginava, aquele rapaz que me faz lembrar o Sergei Polunin, aquele corpo escorreito, aquele ar vagamente atormentado.
Mas nada sabia do rapaz pelo que foi com muito cepticismo que me predispus a entrar na casa da Cristina Ferreira. Apenas, mesmo, para fazer a vontade à minha filha.
Pus aquilo a andar à pressa toda, a x64, para não me desestabilizar com a gritaria dela e ir directamente ao ponto. Mal o rapaz entrou em cena pareceu-me que estava pouco à vontade. Ela toda gaiteira e ele tenso. Até que ela lhe perguntou se estava bem e ele, enervadíssimo, disse que tinha uma coisa para dizer. E, então, aconteceu um momento surpreendente. Uma emoção frontal, uma confissão dita de frente, sem lágrimas, de olhos bem abertos. Pediu desculpa a quem o contratou. Já fui saber. Estava em gravações e teve uma branca e foi incorrecto para com a equipa técnica e para com os colegas, acabou por sair antecipadamente do argumento.
E, então, mãos nervosas, esfregando-as nas pernas, corpo completamente em tensão, contou.
Contou: foi um período de consumo de droga. Contou: mentiu muito a muita gente. Contou: ia deixar o filho a casa dos pais para poder ir drogar-se. Contou: andava zangado com o pai e isso transtornou-o mas não responsabiliza o pai pelo que aconteceu. Contou: naquela altura enganava toda a gente. Contou: percebia que as pessoas o olhassem com desconfiança. Contou: percebia que, ao contar isto, ia dar cabo da vida da mãe. Contou: antevia os momentos que aí virão. Contou: mais uns meses e acabava com tudo, com a profissão, com o namoro, com tudo. Contou: esteve numa clínica na Escócia a tratar-se. Contou: foi Ljubomir Stanisic, um irmão, quem o agarrou, quem o ajudou. Contou: se calhar é prematuro estar já a falar pois deixou de consumir há apenas um ano.
Diogo Amaral estava trémulo, os grandes olhos muito abertos, dispostos a receber todas as perguntas, todas as censuras.
Custou-me muito ver. Imagino o sofrimento da mãe ao ver o filho a expor-se daquela maneira, imagino o sofrimento da mãe quando, tempos antes, soube o problema de drogas do filho, vendo-o a deitar a vida a perder. Imagino o sofrimento dele sabendo o sofrimento que esta entrevista vai causar nos pais.
Mas imagino que o sofrimento dos pais não seja pela entrevista -- que se lixe a entrevista, que se lixe o que as revistas vampirescas vão explorar -- mas de medo que ele não aguente a pressão e tenha uma recaída, que o sofrimento seja pela vontade de que ele não sofra mais, seja por não saber como protegê-lo de si próprio e da vida que escolheu viver.
Mas imagino que o sofrimento dos pais não seja pela entrevista -- que se lixe a entrevista, que se lixe o que as revistas vampirescas vão explorar -- mas de medo que ele não aguente a pressão e tenha uma recaída, que o sofrimento seja pela vontade de que ele não sofra mais, seja por não saber como protegê-lo de si próprio e da vida que escolheu viver.
Esta vida de actor de novela, com exposição permanente nas redes sociais, em eventos, em revistas, sempre a ter que dar entrevistas, sempre a ter que estar bem, deve violentar a alma de quem tem alguma coisa sob a pele. Não deve ser fácil arranjar forças para estar sempre bem sob a luz dos holofotes.
Nem deve ser fácil, em geral, encarnar novas personagens, conseguir emocionar-se a fingir sem perder a capacidade de se emocionar de verdade. Acredito que, de vez em quando, deve haver a tentação de esvaziar a alma.
Ou isto tudo junto, a germinar sobre um solo adubado pelas tristezas e inquietações que toda a gente tem mas que um actor tem que esconder para ser outro.
Ou isto tudo junto, a germinar sobre um solo adubado pelas tristezas e inquietações que toda a gente tem mas que um actor tem que esconder para ser outro.
Cristina Ferreira, apanhada de surpresa, quase ficou bloqueada. Chorou e chorou por ele e por ela e eu, pela primeira vez, achei que ela estava a ser genuína.
Mas mostrou que tem algumas limitações: um bom entrevistador teria sabido encontrar o registo certo para deixar o entrevistado falar, deixando que ele fosse tão longe quanto estava disposto a ir.
Diogo Amaral estava com vontade de falar e teria respondido a muito mais. Cristina Ferreira deveria ter sabido conter-se -- mas pode alguém ser quem não é? -- em vez de ir quase para cima do rapaz, fazer-lhe festinhas, oferecer o seu ombro. Desnecessário. E, não sendo capaz de prosseguir, acabou a entrevista. Ou isso ou tinha que cumprir o alinhamento e ir vender o seu peixe. Não sei. Sei é que despachou o rapaz.
E, quando falo em que ele poderia ter falado mais e que penso que seria importante que ela tivesse sabido agarrar a oportunidade, digo-o não por curiosidade mórbida mas porque não é habitual alguém estar disponível para falar tão francamente de um vício tão estigmatizante e há muitas pessoas para quem as palavras dele poderiam ter sido ainda mais úteis do que, sem dúvida, mesmo assim foram.
Explico um pouco melhor.
Há algum tempo, num dos meus folhetins, um dos personagens drogava-se. Às escondidas, disfarçando, mentindo. Enganava todos os que viviam perto dele, a família, os colegas de trabalho. Era um profissional bem sucedido à luz do dia. Mas, na sombra, era um consumidor de droga. Até que começou a perder o pé, a precisar de mais dinheiro, a pedir dinheiro, a contrair dívidas -- mas tudo sempre envolto em explicações credíveis, sempre sincero e bom rapaz.
Não era um personagem inventado. Não. Muito próximo, muito. Consumia. Mesmo numa festa de anos de uma criança da família, tendo chegado do trabalho, ainda de fato e gravata, ele teve que ir à casa de banho consumir. Ás escondidas, claro. Depois eufórico, bem disposto, a alegria da festa. Sem ninguém desconfiar. A mãe contente com a alegria dele, o pai orgulhoso, a namorada apaixonada. E, no entanto, vivia uma vida de mentira. E, mais para o fim, perante mil evidências, ninguém dsconfiava de nada. Não desconfiava ou não queria desconfiar. Parece tão improvável, tão inimaginável que, quem deveria ver, não vê. Até que ele próprio, certamente incapaz de continuar a enfrentar a mentira do quotidiano e o sofrimento, se afastou, tentou curar-se, afastar-se do círculo de amigos 'agarrados' e de traficantes.
E até hoje eu não percebo como é que ele conseguia arranjar a droga, quero dizer, quando é que tinha tempo se trabalhava durante o dia e ia ter com a família e amigos depois disso, como é que ele conseguia enganar toda a gente.
Por isso, digo: para a família e amigos poderem perceber melhor os sintomas e melhor poderem ajudar os que atravessam os labirintos negros da droga, seria bom que mais pessoas falassem da sua experiência e de como podem ser ajudados.
Teve muita coragem o Diogo Amaral e tomara que acredite que o seu exemplo pode ser uma ajuda para quem atravessa o que ele atravessou e tomara que saiba como melhor ajudar os que ainda não conseguiram vontade para sair desses tenebrosos labirintos.
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Não sei se antes, se durante o período das drogas, o vídeo abaixo -- uma sessão fotográfica para mostrar o seu corpo. Apenas para ilustrar isto de que há vidas de exposição pública -- em que é suposto mostrar o bom físico, o belo sorriso, a boa disposição permanente, a capacidade para responder a toda a espécie de perguntas -- que, por vezes, têm um reverso: uma vontade de descer ao nada. Ou de fugir em direcção ao tudo.
Ao longo da entrevista, Diogo Amaral fala com orgulho deste filme que protagonizou:
Pedro e Inês
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Devo dizer que, quando acabei de ver a entrevista, fiquei muito impressionada. Não ia escrever sobre isto. Como muitas vezes me acontece quando alguma coisa me toca assim, estava capaz era de ir escrever sobre maluqueiras, rêveries ou faits divers. Mas a minha filha disse que achava que eu deveria escrever, não apenas para 'dar força ao rapaz' como para mostrar que a recuperação é possível e que isso pode ajudar outras pessoas. Não sei se fui capaz mas, acreditem, é sentidamente que desejo que o Diogo Amaral tenha uma vida longa e feliz e que quem hoje se encontra em situação de dependência, també consiga força para virar as costas ao vício.
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E dias felizes a todos. Saúde e alegria.
Esta série https://youtu.be/na92XPAo75A (e a peça de teatro "Actores" https://www.dn.pt/lusa/interior/marco-martins-estreia-hoje-a-peca-actores-em-lisboa-9038953.html ) abordam de forma muito interessante (e hilariante) parte deste lado mais sombrio do meio audiovisual (ainda que não nos extremos dos comportamentos aditivos).
ResponderEliminarAconselho mesmo. Se não conseguir ver em lado nenhum, tenho gravação da tv que posso partilhar.
Abraço!
Não vi a entrevista, mas já me tinha aparecido no feed do telemóvel que Diogo Amaral confessara o vício. Pelo seu relato, acredito que tenha sido uma coisa sincera e quiçá útil a outros que padeçam do mesmo tipo de sofrimentos. Acho, porém, que estas confissões se perdem entre as centenas de vezes que o mesmo Diogo Amaral me apareceu no feed no último ano. Nas Maldivas. No Centro Wellness não sei onde, onde ele é a namorada namoraram tão bem. Etc. Etc. Devo dizer que já não posso ver a cara da namorada dele. Antes era a Rita Pereira, agora é a Jessica Athayde. A única coisa que sabia dela era ter namorado com o João Manzarra (o meu pai, num episódio curiosissimo, que mete um apartamento e muitos cães, quase voltou a juntar esses dois pombinhos). Agora, sei que passa os dias a besuntar-se de Bepanthene creme e Bepanthene pomada e Bepanthene não sei quê. Acho que é porque sou mulher. Sim. No facebook, a mesma coisa. Nunca fiz uma publicação, tinha um gosto só no SLB e não seguia mais nada nem ninguém. Pois bem, o Facebook sempre me quis vender produtos de maquilhagem e afins. Nunca jogos de playstation. Porquê? Só pode ser porque indiquei que era do género feminino. Mas disperso. Faz-me impressão num dia aparecer-me "Diogo Amaral a mudar a fralda ao bebé. Jessica lembra-o de pôr Bepanthene." e no dia seguinte aparecer-me uma confissão dessas que aqui relata. Aquilo que tem importância torna-se tão relevante como a mais mísera fralda. Revolta-me isto.
ResponderEliminarAbraço!
JV
Hahahaha. Boa observação.
EliminarEu sou mais do Halibut. Do acne às assaduras, é remédio para toda a obra em muitas partes do corpinho. Mas como me falta (e dispenso) a visibilidade...
Sinceramente, acho que o algoritmo tem muita razão em colocar o bepanthene no mesmo nível de relevância destas "confissões" pessoais. São produtos de consumo, tão só e apenas. Trágico seria o Diogo esperar a "salvação" no sistema que o tritura como qualquer outro produto que a ele se põe a jeito.
Abraço,
Paulo
Também sou menina Halibut! Halibut sempre! Nem sabia o que era Bepanthene até me começar a aparecer nas mãos da tal Jessica....
EliminarQuanto ao Diogo Amaral, não seria tão dura... No fundo, é uma armadilha em que caem estes famosos. Num momento tentam aproveitar-se do instagram para vender o creme que põem no rabinho do seu bebé e noutro momento revoltam-se porque as pessoas estão a falar do rabinho do bebé deles. No meio disto, porque há ali sentimentos e alma - por baixo daquela pele cheia de creme (ou não...) - e porque quem tem sentimentos e, simultaneamente, tempo de antena, por força dessa conjugacao a celebridade há de inevitavelmente, num momento de fragilidade e vulnerabilidade, consciente ou inconsciente, dar a mostrar esses sentimentos. Não digo que seja um jogo fácil. Nem que não haja quem sinta que tem de "dar o exemplo", porque é famoso. Desde confissões pessoalissimas a besuntamento cremosos que faz bem à assadura. Mas a partilha do banal acaba por acarretar uma banalização daquilo que não é ou não devia ser banal. Isso prejudica, acima de tudo, os próprios - é isso que me revolta! Como não vê o Diogo Amaral que as pessoas que diz que ele teve um filho para vender produtos para bebés são as mesmas que irão ouvir a sua confissão de drogado? Enfim, causa-me impressão isso, porque obviamente não desejo mal nenhum ao rapaz. Entre ridículas mensagens de apoio, choverão crueldades, que as pessoas se sentem no direito de disparar, porque se trata de alguém que lhes "deu confianças". Alguém que moatra vídeos a limpar o rabinho do seu bebé.
Abraço
JV
Boa noite UJM, talvez alguns que comentaram o seu texto devessem ter ficado em silêncio.O mundo ficaria um bocadinho melhor isso ou terem continuado a visualizar instragams.
EliminarFicasse o mundo melhor por isso, Lucy...!
EliminarUm abraço,
JV
Eu não quis ser cruel para o rapaz. Pelo contrário, acho mesmo que será trágico para ele esperar que tal confissão pública, para mais nos moldes em que é feita, o permita libertar das amarras castradoras que o levaram a um problema aparentemente grave.
EliminarQuer queira quer não ele estava ali a oferecer-se como produto televisivo. É inevitável.
E se concedo que eu caladinho até podia ajudar a humanidade, acho que certos profissionais da "comunicação", como a tal Cristina Ferreira, em muitos casos ajudaria bem mais nesse mundo melhor.
Boa semana!
Ah, uma nota final. Antes, quando eram os paparazzi que perseguiam os famosos e nos brinda am com as tais pérolas insignificantes da sua vida pessoal, era a coisa. Quando ainda é assim, tenho pena das celebridade que querem viver em paz e não conseguem. Mas hoje, em particular tudo aquilo de que falei, tudo isso é publicado pelos próprios. As fraldas, o hotel, as férias, o Bepanthene, tudo isso vem dos próprios. O Bepanthene até percebo: há que ganhar a vida. E o resto... Há que ter visibilidade para vender o Bepanthene... Mas então, lá está, quando se mistura realidade com ficção, genuinidade com negócio baseado na premeditação voyeuristica... Tudo se torna tão insignificante quanto a tal fralda do bebé. Em cujo rabino, na verdade, não sabemos se é posto muito, pouco ou nenhum Bepanthene.
ResponderEliminarJV
O filme não conheço, mas D. Pedro era nojento, padecia de hipersexualidade, cheirava mal, tinha acessos de raiva e violência. Vide, por exemplo, o Dicionário da História de Portugal, de Joel Serrão. Duvido que alguma mulher se apaixonasse por um homem assim. Inês de Castro devia ser uma espia, pouco mais que uma prostituta a mando dos irmãos e de Castela.
ResponderEliminarNos audiovisuais há muita droga à mistura, uns disfarçam, outros descontrolam-se e alguns procuram resolver-se. Tenho uma tia que trabalha do meio desde 1992 e sabe bem o que a casa gasta.
ResponderEliminarNo meio de isto tudo o que eu já me ri foi com a cena do Bepanthene relatada pela JV. Fez-me uma amiga que uma vez não se calava com a receita para não desistir de dar de mamar logo à primeira e evitar intolerâncias à lactose: "Amamentar desde logo e muito Bepanthene para aliviar o incómodo! Isto para evitar que as enfermeiras dêem suplementos pelas costas, se não temos uma intolerância à lactose".
Isto dos famosos, com ou sem aspas, fazerem reclames nas redes sociais a tudo e um par de botas já virou anedota, então quando mete mezinhas e terapias fajutas super caras é de rebolar no chão...
Um abraço.