Um cuidado a ter à mesa [Conselho contido no Manual de Etiqueta do Vilhena]
Há pessoas que têm o péssimo costume de tirar a dentadura durante as refeições. Quando o fizerem não a coloquem no copo da vizinha. Devem metê-la no próprio copo depois de esfregá-la com a ponta da toalha.
Há uns anos, tinha uma tia-avó que, após ter perdido os restantes dentes que lhe restavam, acabou por ter de usar uma dentadura. Por imposição dos filhos. O argumento que os seus familiares mais próximo usaram para que ela cedesse era um matrimónio de uma neta que seria para dali uns meses e, sendo coisa com pompa e circunstância, não a queriam ver em tal cerimónia, desdentada. Nestas coisas, de dentaduras (e outras, de carácter mais pessoal), quem deve decidir é a pessoa que as vai usar. Após muita resistência, a velha senhora acabou por resignar-se e lá passou a usar uma. Que acabou por lhe chegar (à boca, claro!) já quase em cima do casamento. A velha senhora, nesse dia, portou-se bem. Usou a bela dentadura. Dizia, com graça: “até pareço uma catraia como a noiva! Mas isto não é coisa para mim. Nah!”. Na altura, os circunstantes que lhe eram mais chegados não perceberam a velada ameaça. Mas, como diz o Ditado, a vingança serve-se fria e, deste modo, a velha senhora, que já se tinha habituado anteriormente, como ela nos explicava, a “mastigar” com as gengivas, “so to say”, depois da cerimónia do matrimónio, foi, aos poucos, deixando de usar a dita dentadura…todavia e curiosamente, durante as refeições, alegando que não consegui mastigar: “para o casamento fiz o jeito, porque enfim não vos queria embaraçar, mas agora, já que estou em minha casa, não mais a usarei para comer! Só fora das refeições.” E dito isto, sempre que se sentava à mesa, sacava, com toda a calma, da dentadura e colocava-a num copo ao lado dos outros para a água e o vinho. O que deixava os familiares dela em fúria, que ralhavam com ela. Fez uma pequena concessão: não expunha a dentadura à mesa das refeições, no tal copo, mas fazia questão de a tirar da boca à frente dos presentes, embora com (fingida) descrição e depois guardar num lenço, próprio para o efeito. Mais tarde, a dentadura, que ao que consta teria custado uma pequena fortuna, acabou na boca de um cão de um dos seus familiares próximos dela, para sua enorme satisfação: “bendito cão! Acabou-se a dentadura, de uma vez por todas!” E riu-se. E sempre que via o cachorro, fazia-lhe umas festas desmedidas, se calhar para se meter com a família, que em boa verdade nunca mais se decidiram em lhe mandar fazer outra. Morreu feliz e sem dentes. Como queria, afinal de contas. (PS: já comprei o livro do Vilhena, o tal Manual da Etiqueta. Divertidíssimo!).
Há uns anos, tinha uma tia-avó que, após ter perdido os restantes dentes que lhe restavam, acabou por ter de usar uma dentadura. Por imposição dos filhos. O argumento que os seus familiares mais próximo usaram para que ela cedesse era um matrimónio de uma neta que seria para dali uns meses e, sendo coisa com pompa e circunstância, não a queriam ver em tal cerimónia, desdentada. Nestas coisas, de dentaduras (e outras, de carácter mais pessoal), quem deve decidir é a pessoa que as vai usar. Após muita resistência, a velha senhora acabou por resignar-se e lá passou a usar uma. Que acabou por lhe chegar (à boca, claro!) já quase em cima do casamento. A velha senhora, nesse dia, portou-se bem. Usou a bela dentadura. Dizia, com graça: “até pareço uma catraia como a noiva! Mas isto não é coisa para mim. Nah!”. Na altura, os circunstantes que lhe eram mais chegados não perceberam a velada ameaça. Mas, como diz o Ditado, a vingança serve-se fria e, deste modo, a velha senhora, que já se tinha habituado anteriormente, como ela nos explicava, a “mastigar” com as gengivas, “so to say”, depois da cerimónia do matrimónio, foi, aos poucos, deixando de usar a dita dentadura…todavia e curiosamente, durante as refeições, alegando que não consegui mastigar: “para o casamento fiz o jeito, porque enfim não vos queria embaraçar, mas agora, já que estou em minha casa, não mais a usarei para comer! Só fora das refeições.” E dito isto, sempre que se sentava à mesa, sacava, com toda a calma, da dentadura e colocava-a num copo ao lado dos outros para a água e o vinho. O que deixava os familiares dela em fúria, que ralhavam com ela. Fez uma pequena concessão: não expunha a dentadura à mesa das refeições, no tal copo, mas fazia questão de a tirar da boca à frente dos presentes, embora com (fingida) descrição e depois guardar num lenço, próprio para o efeito. Mais tarde, a dentadura, que ao que consta teria custado uma pequena fortuna, acabou na boca de um cão de um dos seus familiares próximos dela, para sua enorme satisfação: “bendito cão! Acabou-se a dentadura, de uma vez por todas!” E riu-se. E sempre que via o cachorro, fazia-lhe umas festas desmedidas, se calhar para se meter com a família, que em boa verdade nunca mais se decidiram em lhe mandar fazer outra. Morreu feliz e sem dentes. Como queria, afinal de contas.
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