sábado, maio 11, 2019

Dizem que o azul quase não existe





Ouço que não há animais azuis. Como se isso fosse possível. Se calhar também pensam que não há flores azuis. Ou, sei lá, a ignorância é tanta, que não há corações azuis. Pensam, talvez, que o azul é uma cor rara, uma quimera.

E, no entanto, são azuis as palavras que me chegam de longe, envoltas em enigmas, em mistério, em saudade, palavras que descrevem uma geometria impossível, palavras sem sombra, sem mácula, azuis na sua mais íntima essência. Fecho os meus olhos e vejo uns outros olhos que, ao longe, as deixam cair, lágrimas límpidas, azuis,  que calam o que a boca está proibida de dizer. 


E, no entanto, são azuis os pássaros que voam das árvores à minha passagem, deixando um rasto de luz pelo céu, também ele azul. E cantam gritos de amor, de amor louco, azul, infinito, gritos que atravessam o espaço e vêm depositar-se, devagarinho, na concha macia da minha mão. Cantares azuis de pássaros azuis, transportando sonhos sem rumo, memórias esquivas que se escondem de ti e de mim e nos desafiam. Como se os abismos pudessem ser também azuis, tentadoramente azuis.


E são azuis as borboletas que rasgam o silêncio das árvores que sobem pelo infinito afora, azuis, muito azuis, azuis de veludo, borboletas que dançam magias pela noite adentro. Voam, caprichosas, enquanto cortejam o movimento das suas asas, efémeras, belas demais para poderem ter uma vida longa. E voam como um sopro azul, um sopro carregado de sublimes segredos que a noite me traz.

E, no entanto, são também azuis os recônditos esconderijos onde o meu coração bate, bate pelo teu, um coração tão azul como o meu, um coração de tigre azul, invisível, imaterial mas sempre presente junto a mim.


E, no entanto, é azul o lobo triste cujos longínquos uivos me chegam, um lobo que desliza pela noite em toda a sua magnífica solidão, um lobo que sinto e pressinto escondido por entre as paredes em que o meu corpo se enleia, chamando na noite pelo teu. Um lobo azul, fugidio, um lobo que espera por mim por entre os labirintos da noite, que me deixa palavras para sempre perdidas, uivos lancinantes, de um negrume quase azul.


E, no entanto, são também azuis as pétalas de rosa que encondro, de manhã, dispostas em volta do meu corpo regressado da noite. Azuis, macias, de um veludo azul e perfumado, pétalas que espalhas durante os sonhos em que o meu corpo anseia pelo calor prometido do teu abraço, apertado, longo, azul, tão, tão azul.


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Os animais não podem ser azuis -- dizem


(mas eu não acredito)

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