Tenho agora muita gente nova a trabalhar comigo. Parte das minhas equipas tem agora menos de trinta anos, a maioria situando-se nos vinte e poucos. O mais velho do grupo dos jovens tem trinta e um. Depois de andar a ouvir teorizar sobre os millenials eis que me deparo agora com a necessidade de saber lidar com gente que nasceu numa era que nada tem a ver com aquela em que a maioria dos outros, os cotas, nasceu. Alguns destes já são bem mais novos que os meus filhos.
Gosto imenso de lidar com maltinha nova mas a verdade é que conseguir que convivam e trabalhem proveitosamente em equipa com gente acomodada, habituada a métodos de trabalho e a atitudes comportamentais que pouco evoluíram deste os tempos de antanho é um desafio.
Estes jovens pensam muito em férias, gostam de conviver, trazem o almoço de casa e gostam de ali estar numa boa tertúlia, combinam encontros e passeios, viajam muito, para longe. E investem na sua própria formação, fazem cursos fora de horas que pagam com o que ganham. E entreajudam-se, partilham informação e conhecimento, têm pensamento estruturado. Ao princípio passei por momentos de estranheza. Um, um dia destes, contava-me a crise com a namorada, e estava emocionado, e eu dizia-lhe que não valia a pena contar-me tudo e ele insistiu, disse que era para eu perceber porque é que andava com dificuldade em concentrar-se e porque é que quase não dormia e por isso andava tão cheio de sono. Nessa altura andei desconcertada, a pensar que tinha cometido um erro ao escolher um jovem ainda tão imaturo. Resolvi passar a tratá-lo com alguma secura a ver se crescia, pus-me mais exigente. Uma ou duas semanas depois já ele andava feliz da vida e quando me apareceu a dizer que queria mais um dia de férias para ir fazer um fim de semana alargado com a namorada nem estranhei. Perguntei: outra ou a mesma? Desatou a rir. Aliás, penso que me acha uma pândega. Que era a mesma, claro.
Outro dia, estava no gabinete e comecei a ouvir cantar baixinho. Pensei que era alguém, na sala ao lado, a ouvir música. Mas a cantoria continuava, baixinho, afinadinha. Apurei o ouvido até que não me contive e fui espreitar. Eram duas das meninas mais jovens. Estavam as duas sentadas à mesma secretária e cantavam. Quando me viram, ficaram envergonhadas, a rir. Disse-lhes que estava a gostar, que cantavam bem. Engoli o espanto, senti-me até agradada. Já as enviei para outro país, em serviço, e desembaraçaram-se melhor do que muitos dos que têm idade para serem pais dela o fariam.
Se me disserem que não votam não me admirarei. A cena deles é outra. No outro dia um colega dizia que tinha ficado passado: numa entrevista, perguntou ao candidato se ele tinha algum aspecto que quisesse esclarecer e, insensatamente, o jovem lhe tinha perguntado quando é que poderia tirar férias. Expliquei-lhe que se habitue, que a cena deles é serem felizes. Ele olhou para mim, intrigado, como se não percebesse bem que cena é essa.
E isto para dizer o óbvio: o mundo está a mudar. Nunca como agora noto tanta diferença entre as gerações. Quem nasceu e viveu já nos tempos de hoje, da net, da partilha da informação e da comunicação permanente, quem cresceu a ouvir a toda a hora que estamos debaixo da espada da crise, quem desde pequeno ouviu falar contra os escândalos financeiros, contra a grande corrupção e a contra a gananciosa especulação, contra offshores e contra o que provocou a ruína de grandes bancos, contra políticos que não prestam, políticos que defraudam as expectativas de quem os apoiou e que falam um palavreado que não interessa -- tem forçosamente uma maneira diferente de ver as coisas.
E o sistema político, em geral (ou seja, não falando especificamente em Portugal), não está a saber dar resposta à mudança do mundo. Se o sistema democrático não souber reinventar-se vai perder estas novas gerações. Os jovens não se revêem na organização política actual e nas atitudes dos seus agentes.
E um exemplo paradigmático disto é o vídeo que abaixo partilho convosco. Tem poucas horas, foi gravado na House of Lords. O Reino Unido em risco de desagregação, toda aquela a gente em risco de uma saída desordenada da UE causando confusão nem se sabe bem onde. Há três anos nisto, incapazes de arranjarem maneira de se porem de acordo sobre a forma de saírem do buraco em que se meteram. E os Lordes, cristalizados num tempo que já não existe, com uma linguagem salamalequiana discutindo o sexo dos anjos enquanto os Comuns votam e revotam sem saírem do mesmo sítio e o Speaker grita desalmadamente por Order!. E, nas ruas, um outro mundo. Seis milhões assinando uma petição para se voltar atrás, outros perplexos, outros mascarados, outros saindo de lá antes que seja tarde.
E a Rainha continua nas suas visitinhas, enquanto Juncker se esforça por conseguir falar em estado de sobriedade. E em Espanha o Rei anda à deriva aparentemente controlado por uma Rainha que faz plásticas atrás de plásticas, em França o presidente só agora parece ter percebido que tem que fazer avançar as tropas contra os delinquentes que de gosto arrasam Paris, em Itália o governo envergonha a história do país -- e por aí vai.
Em Portugal as coisas vão benzinho mas não completamente pois, pelo que se vê, não conseguimos ver-nos livres de uma múmia ressabiada que volta e meia vem a público assustar as pessoas, mostrando que o passado continua a vir assombrar o presente.
Mas vejam por favor este teatro aqui abaixo. Tem graça... mas terá isto a ver com o mundo real?
E o sistema político, em geral (ou seja, não falando especificamente em Portugal), não está a saber dar resposta à mudança do mundo. Se o sistema democrático não souber reinventar-se vai perder estas novas gerações. Os jovens não se revêem na organização política actual e nas atitudes dos seus agentes.
E um exemplo paradigmático disto é o vídeo que abaixo partilho convosco. Tem poucas horas, foi gravado na House of Lords. O Reino Unido em risco de desagregação, toda aquela a gente em risco de uma saída desordenada da UE causando confusão nem se sabe bem onde. Há três anos nisto, incapazes de arranjarem maneira de se porem de acordo sobre a forma de saírem do buraco em que se meteram. E os Lordes, cristalizados num tempo que já não existe, com uma linguagem salamalequiana discutindo o sexo dos anjos enquanto os Comuns votam e revotam sem saírem do mesmo sítio e o Speaker grita desalmadamente por Order!. E, nas ruas, um outro mundo. Seis milhões assinando uma petição para se voltar atrás, outros perplexos, outros mascarados, outros saindo de lá antes que seja tarde.
E a Rainha continua nas suas visitinhas, enquanto Juncker se esforça por conseguir falar em estado de sobriedade. E em Espanha o Rei anda à deriva aparentemente controlado por uma Rainha que faz plásticas atrás de plásticas, em França o presidente só agora parece ter percebido que tem que fazer avançar as tropas contra os delinquentes que de gosto arrasam Paris, em Itália o governo envergonha a história do país -- e por aí vai.
Em Portugal as coisas vão benzinho mas não completamente pois, pelo que se vê, não conseguimos ver-nos livres de uma múmia ressabiada que volta e meia vem a público assustar as pessoas, mostrando que o passado continua a vir assombrar o presente.
Mas vejam por favor este teatro aqui abaixo. Tem graça... mas terá isto a ver com o mundo real?
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E agora, se me permitem, fico-me por aqui e vou reflectir no assunto
[É que eu hoje estou cansada, tive um dia complicado, e com a chuva acontecem os acidentes e estraga-se o trânsito e perde-se imenso tempo e amanhã o meu dia começa cedo e vai ser daqueles -- e tenho que ir dormir. E que me desculpem por não conseguir responder aos comentários. Tentarei fazê-lo amanhã. Isto hoje não está fácil]
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Mas para o post não acabar neste tom meio acabrunhado vou partilhar esta festarola de dar gosto.
Gosto mesmo.
Encore / L'Arpeggiata / Christina Pluhar / N. Rial / V. Capezzuto / G. Bridelli / J.J. Orliński
E um dia feliz a todos.
[Ah, é verdade, Isabel: agora não consigo ir buscar o nome de cada pintor mas é arte contemporânea vietnamita]
não conseguimos ver-nos livres de uma múmia ressabiada que volta e meia vem a público assustar as pessoas, mostrando que o passado continua a vir assombrar o presente.
ResponderEliminarLamento muito mas o "gajo" até está mais gordo e luzidio.
Não há por lá uma cadeira que se parta ?
No entanto...
ResponderEliminar... eu acho que parte dessa desagregação do sistema político e da sua dificuldade em construir respostas eficazes não deve tanto à inadequação de um conjunto de "velhos" que comanda um sistema (político e económico) anacrónico e inadequado para a malta nova, mas talvez deva mais à incapacidade da malta nova, saltar efetivamente da sua rede social, colocar-se no lugar do outro (diferente de si) e procurar construir respostas colectivas, integradoras, da crescente diversidade de grupos, de indivíduos e de condições de vida que co-habitam os seus territórios.
Não quero com isto parecer um millenial "velho do restelo" (embora tenha fama disso). Eu acho que esta (a minha) geração tem as condições e as ferramentas para construir uma sociedade melhor. No entanto, talvez inebriados pela intensidade que os novos e velhos meios de comunicação colocam na ligação e integração do indivíduo numa dada rede social, tem aumentado a criação de "bolhas" de (ir)realidade. Os algoritmos de recomendação e dos serviços de "redes sociais" na internet são só a face mais vísivel disso mesmo - mecanismos simples mas poderosíssimos na criação desse efeito "bolha social".
Apesar da atitude aberta e liberalizante dos "millenials" perante a vida (maior abertura às redes "fracas"), paradoxalmente, o efeito material e imaterial é uma fragmentação desses mesmos grupos sociais (as redes fortes têm uma dimensão cada vez mais reduzida). Desta forma, o arquipélago de grupos sociais torna-se de tal forma complexo e "ingovernável" que resulta num crescente imobilismo coletivo.
A fragmentação do sistema político e dos partidos tradicionais, num cada vez maior número de grupúsculos, parece-me resultar deste fenómeno de fragmentação dos "millenials" - e o Brexit, por exemplo, é mais um sintoma dos "defeitos" da geração emergente do que como uma consequência do anacronismo e "antanho" das gerações passadas.
Não partilho dessa opinião tão favorável à malta nova. Naturalmente, há sempre casos diferentes. Eu diria que a geração melhor de entre os tais “jovens” será a dos trintas aos quarentas. Sobretudo no que respeita à investigação científica, veja-se o que se passa nas diversas Universidades deste pais, onde a investigação científica de diverso tipo se distingue.
ResponderEliminarA malta mais nova lê menos e é menos culta. E a dependência doentia do TLM faz-nos pensar.
Culturalmente, Portugal é um dos países que mais publica livros por essa Europa fora (bom, quanto à sua qualidade em termos de quantidade a conversa daria pano para mangas) e menos lê, sobretudo gente nova, falo do grupo etário que vai até aos 29 anos.
Dos exemplos que tenho observado já há algum tempo a esta parte, há uma década pelo menos, não retiro as mesmas conclusões, mas lá está, se calhar depende do meio e das actividades com que nos cruzamos.
Bom fim-de-semana,
P.Rufino
Ah!Ah!Ah! Não é preciso colocar os nomes dos pintores, mas digo-lhe que gostei de todas as pinturas que aqui colocou.
ResponderEliminarTambém gostei do video.
Não sei se tenho uma ideia tão positiva dos jovens. Acho que há fases, conforme a idade. E de uma maneira geral "crescem" muito mais tarde do que na nossa geração. A UJM já os apanha com um pouco mais de maturidade.
Aqui perto há uma ESE e parecem tolinhos, quando se põem na berraria, nas noites de festa (que parece que é todas as noites!). Bebem, não têm maneiras...
Mas pronto, isso depois passa-lhes!
Beijinhos e tenha um bom fim-de-semana:))
Só uma achega: os jovens futuros Deputados de 23 anos do CDS. Só para atrair a juventude a votar (neles, CDS, claro), um gesto de propaganda eleitoralista e com demagogia q.b à mistura. Faz-me lembrar um caso que um familiar meu, altamente qualificado, a exercer funções no Estado, num determinado Ministério, que nos contou que, ao tempo do Governo de Passos/Portas (mas poderia ser até do actual, quem sabe!), um determinado Sub-Director Geral, pessoa experimentada e docente universitário, foi substituído por uma rapariga de 32 anos, inexperiente, mas com o cartão do Partido, para esse lugar...e foi o desastre, não só porque não percebia patavina dos assuntos, como os funcionários directores de serviço se recusavam a ir a despacho com ela, visto terem conhecimentos muito acima dos dela, caída ali por força partidária.
ResponderEliminarQuer para o exercício de Deputados, quer para outros mais exigentes, a Experiência, a par, naturalmente, da competência, são requsitos indispensáveis, que alguém do alto dos seus vintes não tem. Terá um dia, mas não tem entretanto.
Mas, há malta que não percebe isto, ou não quer saber. Enfim...
Hoje em dia vê-se muita demagogia barata deste tipo, quer na Política, quer no Estado, quer no sector privado - por vezes, ainda não é a regra, felizmente! Que só prejudica afinal os tais mais novos.
P.Rufino
Olá Anónimo
ResponderEliminarMas pode uma múmia ficar mais gorda e luzidia? Nã. Aquilo lá já está empalhado.
Eu não preconizo acidentes, sou muito peace and love, mas só peço que as televisões e os jornais não divulguem nada do que ele diz. E isto porque já se percebeu que a criatura não é capaz de se comportar.
Um bom domingo!
Olá Paulo,
ResponderEliminarTal como as palavras da Joana, também as suas quiseram ir para a página principal do blog. 'Les beaux esprits se rencontrent'. Espero que goste.
Abraço, Paulo, e um bom domingo.
Olá P. Rufino,
ResponderEliminarTambém já muitas vezes me interroguei sobre a maturidade e o potencial de competência da maltinha nova (dos vinte e poucos aos trinta e poucos).
Mas, nos últimos tempos, o contacto estreito com alguns tem-me feito reformular a minha opinião. E de tal maneira é que estou a dar uma valente volta nas minhas equipas, a rejuvenescê-las. E gosto sempre de ouvir as suas opiniões, gosto de perceber como pensam.
O mundo mudou muito e temos que abrir alas para que os novos tempos se instalem, deixando que quem vê diferente de nós possa ensinar-nos. E quem sabe não querem também saber alguma coisa que tenhamos para partilhar com eles?
Não acredito em fossos entre gerações nem acho que devamos fomentá-los. Acredito em pontes, mesmo quando não são fáceis de construir (ou de transpor).
Um bom domingo, P. Rufino, e belos passeios a ver o mar.
Olá Isabel,
ResponderEliminarÉ bem verdade o que diz. E quando andam em Lisboa, feitos palermas, nas praxes, a fazerem tristes figuras? Fico assustada, temendo o pior: que adultos serão se aceitam isto...? E é verdade que bebem demais, que parecem tontos.
Mas os que conheço, os que trabalham comigo, apesar de ainda bem jovens, são focados, responsáveis, pragmáticos, boas pessoas, amigos uns dos outros.
Para a semana vou arranjar maneira de lhes perguntar se andaram em praxes...
Mas, sejam como forem, são a geração que vai dar corpo ao mundo em mudança que veio para ficar pelo que, quanto mais não seja, 'se não os pondes vencer, junta-te a eles'...
beijinho, Isabel,
Gosto do seu positivismo!
ResponderEliminarAcredito que apesar de tudo, quando "crescem" e têm que se fazer à vida, a maior parte deles será responsável, pois como eu às vezes digo :ou trabalham ou vão pedir ou roubar e a melhor opção é trabalhar e manter o emprego quando o têm.
Mas por acaso uma coisa que me aflige é ver a forma como bebem. Demais, todos os dias. E não compreendo como é que as escolas (aqui a ESE por exemplo) permitem os carros da cerveja (não sei como é que aquilo se chama...) dentro da escola. Não há festa que o não tenha.
Mas enfim, sejamos positivos!
Beijinhos:))