Li, não sei onde, calculo que num dos blogs da galeria lateral, provavelmente enquanto estava no carro, presa no trânsito, alguém a queixar-se das folhas no chão num certo sítio da cidade. Mostrava fotografias de ruas pejadas de folhas e falava no perigo que é, que alguém poderia escorregar. E que a autarquia deveria varrer as ruas. Quis dar-lhe razão mas depois vacilei. A razão queria dizer que claro que as ruas deviam ser limpas de todo aquele folhedo mas... não me autorizei a tal pois a emoção puxava-me para o oposto.
Lembrei-me de uma queda brutal que dei há uma meia dúzia de anos. Tinha chovido e eu ia, com pressa, com coisas nas mãos. Virei para subir umas escadas e, nessa curva que dei, pisei uma folha molhada, presumo que já meia amolecida. Foi uma ínfima fracção de segundo. Levantei voo e aterrei violentamente de cabeça nos degraus de pedra da escada. Como tinha as mãos ocupadas, nem sequer tive o instinto de me agarrar ao corrimão. A cabeça sofreu um estrondo e eu pensei que a tinha partido. A custo levantei-me e, sabe-se lá como, consegui chegar a casa. Deitei-me na cama. Estava tonta e com uma dor tremenda na cabeça. Tinha sangue na cara mas era apenas superficial. Quando tentei levantar-me, mal consegui. Tinha tal dor nas costas e na zona pélvica que mal me mexia.
O meu marido teve que me levar às urgências no hospital. Já não me lembro bem mas acho que tinha uma micro fissura na zona da bacia e já não me lembro o quê na zona pélvica. Tive que ficar um ou dois dias em casa (ou mais? -- não me lembro, só me lembro que andei mais de um mês cheia de dores e, por vezes, ainda tenho um incómodo ali)
A forma desamparada como caí, sem tempo de reacção, batendo com a cabeça de uma maneira que a poderia ter estourado, fez-me passar a ter medo das quedas. E tudo porque pisei uma folha molhada.
Mas, por outro lado, que linda que é uma rua, uma praça, os jardins cobertos de folhas de outono, douradas, tão cheias de luz coalhada. Vejo e penso: ainda bem que ninguém as tira porque um chão coberto de folhas douradas é do mais lindo e romântico que pode haver.
Interrogo-me: será que ver um chão coberto de amarelo e, em vez de se ficar encantado, ficar a pensar que o que ali está é um perigo, é sinal de que a idade começa a pesar? Forço-me a pensar que não, que não tem nada a ver, que é apenas um sinal de prudência. Mas não sei.
No outro dia, uma jovem colaboradora minha, falando de um colega mais velho, mais ou menos da minha idade, (mas, a sério!, parecendo bem mais velho que eu), relatava-me com a maior das espontaneidades uma conversa que tinha tido com ele: 'Já lhe disse no outro dia: ó pá, o que é ainda cá andas a fazer? E disse-lhe que eu, se fosse a ele, ia gozar a vida em vez de ainda andar aí a ter que se levantar cedo, a andar no trânsito, a aturar chatices'. Tive que lembrá-la que isso não é bem assim, que as pessoas não podem reformar-se antes da idade, quando querem. Ela olhava-me um bocado céptica, creio que sem se dar conta que poderia estar a falar de mim. Reparei como para ela, a partir de certa idade, já não faz sentido trabalhar, como se, atingido esse patamar, as pessoas já devessem ser poupadas, talvez porque mais frágeis, mais perto do fim. Não me dei por achada, até para não a atrapalhar, mas fiquei a pensar que, na realidade, chega-se a um ponto da vida em que se percebe que o tempo que falta é menos do que o que já se viveu e que, na realidade, é bom que a gente o aproveite bem.
Quando morreu a minha avó, o meu tio, filho dela, vendo-me triste, disse-me: 'No outono, cai a folha'. E eu, que associava o outono a uma estação suave, de cores douradas e rubras, um tempo de doçura e aconchego, fiquei a pensar que, na verdade, também pode ser visto como o fim do caminho, o tempo em que o fio de luz que ilumina a vida se extingue.
Mas, enfim, não vale a pena estar para aqui com estas conversas. Para cada coisa há sempre várias perspectivas para a ver e todas estarão certas. E não há fim, só há interrupção. E sempre um recomeço. Mesmo que numa outra forma, mesmo que invisível, mesmo que ninguém o perceba.
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That time of year thou mayst in me behold
When yellow leaves, or none, or few, do hang
Upon those boughs which shake against the cold,
Bare ruin'd choirs, where late the sweet birds sang.
In me thou see'st the twilight of such day
As after sunset fadeth in the west,
Which by and by black night doth take away,
Death's second self, that seals up all in rest.
In me thou see'st the glowing of such fire
That on the ashes of his youth doth lie,
As the death-bed whereon it must expire,
Consum'd with that which it was nourish'd by.
This thou perceiv'st, which makes thy love more strong,
To love that well which thou must leave ere long.
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Gosto muito do outono. É a minha estação. Ou eu é que sou dela. "Season of mists and mellow fruitfulness". "Mellow" é uma palavra tão boa: mais inocente que o nosso "dengoso", menos pegajosa que "meloso". Palavra outonal.
ResponderEliminarE que bonito poema! Os ingleses é que sabem: Shakespeare para eles é sonetos, mais sonetos, ainda mais sonetos... e depois também há umas peças de teatro que são as melhores do mundo (acham eles).
Abraço,
JV
O outono, para mim, tem um toque algo minguante, mas que, como diz, prepara um recomenço e um novo crescendo. Apesar de a minha época preferida do ano ser entre maio e agosto, cada vez mais me permito gozar o encanto de cada época.
ResponderEliminarBom fim-de-semana!