segunda-feira, setembro 03, 2018

Ottoline




Quarta-feira, 17 de Outubro [de 1917]

Fui a Londres esta tarde ver a exposição de quadros no Heal's. A Ottoline* não estava à vontade; rigorosamente abotoada até acima em veludo azul, chapéu como um guarda-sol, gola de cetim, perolada, pálpebras pintadas e cabelo vermelho-dourado. Escusado será dizer que não vi nada dos quadros. Estava presente o Aldous Huxley -- infinitamente comprido e magro, com um olho branco opaco. Uma bela juventude. Tomámos chá com o Roger. Eu estava bastante consciente da tensão. 

A Ott. lânguida, refugiando-se nos seus grandes ares de senhora, o que é sempre deprimente. Ambos pareciam ter a sua discussão bastante presente. Fui a pé com ela debaixo de chuva até Oxford Street, comprou-me cravos vermelhos, sem cordialidade.


Segunda-feira, 19 de Novembro

(...) É difícil dar a impressão do conjunto, salvo que não foi muito diferente do que imaginara. Gente espalhada numa sala cor de lacre: o Aldous Huxley a brincar com grandes discos redondos de marfim e mármore-verde -- o jogo de damas de Garsington; a Brett de calças; o Philip tremendamente envolto no melhor couro; a Ottoline, como sempre, veludo e pérolas; dois dogues. 

O Lytton semi-reclinado numa vasta cadeira. Bugigangas a mais para uma verdadeira beleza, demasiados perfumes e sedas, e um ar quente que era um bocado pesado. Bandos de pessoas deslocavam-se de sala para sala -- o domingo inteiro. Por momentos, o sentido daquilo parecia esmorecer; e, desta forma, o dia foi evidentemente muito comprido. 

Depois do chá, estive talvez durante uma hora à lareira de lenha com a Ottoline. No conjunto, gostei mais dela do que os seus amigos me tinham preparado para gostar. A vitalidade pareceu-me um crédito a seu favor, e na conversa privada os seus eflúvios dão lugar a algumas irrupções bastante evidentes de perspicácia. (...)


Quinta-feira, 22 de Novembro

Vangloriei-me tanto em Garsington sobre este caderno e o encanto de o encher a partir de uma fonte inesgotável, que tenho vergonha de falhar dias; e, no entanto, como assinalei, a única hipótese que ele tem é aguardar a minha disposição. Por falar nisso, a Ottoline tem um, embora devotado à sua "vida interior", o que me faz reflectir que não tenho uma vida interior. 

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Nota

* Lady Ottoline Morrell (1873 - 1938), casada com Philip Morrell, aristocrata, protectora das artes, anfitriã de artistas e intelectuais na sua casa de Londres e na mansão rural de Garsington. Inspirou personagens de romances, nomeadamente a D. H. Lawrence e Aldous Huxley. Dos vários casos extraconjugais, o mais célebre foi talvez com Bertrand Russel.


[Dorothy Brett, Lytton Strachey, Ottoline Morrell e Bertrand Russell]
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A célebre cena dos figos no filme do livro homónimo Women in Love na qual Eleanor Bron interpreta Hermione Roddice, personagem inspirada por Ottoline.



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O texto e a nota sobre Ottoline são excertos de Os Diários de Virginia Woolf

O excerto do octeto de Schubert está aqui por ser uma das referências de Virginia Woolf ("Cheguei ao Acolian Hall, paguei o meu xelim e ouvi um octeto de Schubert muito longo e muito belo". Nas notas pode ler-se que se trata do que aqui partilho]

Os figos com o seu pingo de mel viviam aqui, in heaven, antes de eu os comer. Sem cerimónias.

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