domingo, julho 15, 2018

Sábado no campo





Para começar, lembrei-me agora que a receita da Bôla de Carnes leva leite -- e não o trouxe. Cortámos ambos com o leite e, portanto, agora, chapéu. Gaita. O meu marido diz que ponha iogurte. Impossível. Viémos carregados de iogurtes mas é tudo com sabores. E isto aqui não é como na cidade em que se atravessa a rua e há onde comprar tudo o que se precisa. Aqui, se queremos comprar qualquer coisa, temos que nos meter no carro e ir à vila mais próxima. E, como ao fim de semana os pequenos minimercados estão fechados, teríamos que ir não è vila mais próxima mas sim à cidade mais próxima. Não dá. Chegam logo de manhã. E tenho que ter a comida para o dia inteiro pronta antes de chegarem porque, a partir do momento em que chegam, deixa de ser possível estar sossegada na cozinha. 

Chatice. Sempre isto. Por mais carrego que venha há-de sempre faltar uma coiseca qualquer. Outras vezes é o oposto. Por medo de que não haja, trago e depois juntam-se não sei quantos sacos de sal ou pacotes de guardanapos. Mas pronto. Adiante. Nada a fazer. Não há leite, não há. Tenho que improvisar com outra coisa. Talvez com o caldo de estufar as carnes. 

Já tirei as espinhas ao peixe, já desossei as carnes, já cozi ovos, já separei e medi o caldo para o arroz. Portanto, algumas coisas já estão adiantadas. Mas tenho que me levantar cedo.


Ainda queria varrer lá fora que este sábado não tive tempo. No outro fim de semana varri tudo mas já lá vi, debaixo do telheiro, uma data de folhas. Estava a falar com a minha mãe e ela dizia que se as casas se sujam por dentro, fará por fora e que nem vale a pena ter a pretensão de ter tudo impecável porque não é possível. É verdade. Mas gosto de, pelo menos, ter a sensação que tentei.

Sou eu a querer ter a casa limpa por dentro e por fora e o meu marido a ver se dá conta das silvas e do tojo. Andou outra vez com a roçadora a tentar travar o ímpeto desta natureza que tem uma força avassaladora. Desbasta-se e corta-se e, na volta, já está tudo a rebentar por todo o lado. Uma coisa extraordinária.

Andei a passear. Tinha dito: vou fazer uma caminhada. A ideia era andar em passada regular, rápida. Durante a semana foi impossível fazer caminhadas. O trabalho permanente e absorvente, uma praga, cresce pelos dias deixando-me sem tempo para mim. O objectivo era, pois, esticar as mernas, exercitar os músculos, oxigenar o organismo que passa os dias movido a ar condicionado.


Mas não. A tentação de fotografar é constante e tudo me solicita. A ruiva caruma, os arbustos de madressilva, o sol dourado, as sombras, as flores, as árvores, o meu corpo reflectido nos azulejos onde mandei serigrafar 'há palavras que nos beijam como se tivessem boca', os verdes que tudo envolvem, os pássaros que se levantam, a cauda aberta em leque, soltando cantos espantados pelos ares, a dança da folhagem com a aragem leve da tarde.

Portanto, dou dois passos, paro, espreito a corola das flores, foco, disparo, mais dois passos, olho a cor perfumada e doce dos loendros, disparo, mais dois passos, espreito as ramagens a ver se descubro de onde vem o canto dos pássaros, mais dois passos. E assim vou, involutariamente lenta, detendo-me a cada dois passos perante a necessidade de melhor ver e registar o que os meus olhos vêem.


Mas depois foram os orégãos. Floridos, perfumados, aquele cheiro fresco e campestre de que tanto gosto. Todos os dias, uso orégãos na salada que como. Amanhã espalhá-los-ei também sobre a bôla. Por isso, andei a apanhá-los. Estão um pouco por todo o lado. Aos molhinhos fui trazendo cá para cima. Queria andar, não andar a apanhá-los. Pensava: só estes pezinhos, para amanhã e para a semana. E subia, a deixá-los cá em cima. Mas, no fim, estava uma boa braçada deles.


Vou deixá-los depois, durante a semana, sobre um plástico em cima da mesa da cozinha, espalhados, para secarem. Cheirinho mais bom. Tempero mais bom. O cheirinho bom do campo, o cheirinho bom deste pedaço de terra que sinto como o meu heaven, o lugar de onde poderiam ter vindo as minhas raízes.


Depois vim para casa. 
Cozinhei. Li. Adormeci. 
E agora estou aqui convosco.

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Não vem muito a propósito mas deixem que partilhe convosco este vídeo com Lam Duan (que dizem que significa árvore com flores amarelas), o velho e cego elefante, a ouvir música.


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