domingo, abril 15, 2018

Momentos bons






Se calhar parece contraditório, mas é o que é. E o que é, é que tenho a dizer que há momentos bons na vida e que, sobre eles, não há muita coisa a dizer.
São bons porque se aninham dentro de nós. São bons porque sentimos que ficam guardados em nós, envoltos em sorrisos mansinhos. Porque não carecem de rebuscada adjectivação, explicação ou descrição, porque não obedecem a hirearquias. São momentos bons e nada mais.
Posso falar do meu dia de hoje. Alguns momentos tão bons. Simples e bons. De manhã cedo, a olhar o rio. Os barquinhos, a ponte, tudo envolto em claridade, névoa e harmonia. A cidade branca também envolta em claridade, paz e névoa. Depois a ler sobre o Príncipe, a ver como Angelica surpreendeu todos em Donnafugata com a sua inesperada beleza. Depois a olhar as flores. Trazem de dentro da terra cores impossíveis, quase imaginárias. Depois a andar debaixo das árvores, a desbastá-las, a ver os ninhos, a sentir os cheiros intensos da terra, dos verdes, da humidade. Depos a ver a transformação rendilhada das folhas em cinzas. Depois a olhar a serra ao longe, as aldeias como casinhas de brincar por entre verdes que se diluem em cor de céu. Depois a ver os meninos na praia, brincalhões, felizes. Depois a ver o mais velho a trazer o mais pequeno ao colo, porque ele ia a fugir. Depois a ver os mais crescidos a saltarem da duna ou os rapazes todos, de três gerações, a jogarem à bola. Depois o bebé às cavalitas da mana e a tia a correr atrás, a segurá-lo. Depois todos a falarem alto, ela a tratar os rapazes por 'miúdos', depois todos a rirem, a comerem pão quente com chouriço e a discutirem por causa dos pombos. Depois o mar tão bonito e eu a andar a passear de mão dada, o ar frio carregado de maresia.

Eu agora aqui sossegada,  nada que fazer, tranquila, a ver as fotografias, a ouvir música. A ler poemas que recebo e que, agradecida, tomo entre as mãos. Como este, do Leitor LS

Vinhas vestida de transparência,
O arco-íris no olhar,
Primaveras soltando-se do andar;
Ao mesmo tempo, o fogo e a inocência.
Urânia te chamavas,
Não sei por que razão Urânia.
Apenas sei que esvoaçavas,
Em delírio de cores,
A minha insânia,
Assim como o fazias sobre as flores.
Eras as manhãs alvorecendo
No chilreio de aves imaginadas,
A urze, a giesta, o redoendro
Tocados pelo rocio das madrugadas.
Só me salvava do cântico de sereia,
Ao mastro do meu barco bem amarrado,
De modo a fugir da tua teia
Com o coração amordaçado.

Momentos bons. Tão bons.

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O poema do LS (que me chegou também pela sua voz mas que não consigo colocar aqui) deu-me vontade de ouvir o A une passante de Baudelaire dito pelo Serge Reggiani



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Todas as fotografias foram feitas neste sábado (em casa, in heaven, na praia)

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