Por vezes o grande portão está coberto de cachos de glicínias lilases, outras vezes está sob um tecto dourado de florzinhas amarelas das tipuanas que o ladeiam. Agora nada disso: agora está nu. Do lado de dentro, apenas se vêem as folhinhas que sobram nos choupos do outro lado da rua.
Os aloés arborescens começam a formar os seus foguetes de natal. Não tarda, estarão floridos, incandescentes. Já apontam ao céu a sua gloriosa erecção mas ainda ocultam a voluptuosidade rubra que ostententarão por altura das festas. Fotografá-los-ei de novo, nessa altura, como sempre faço, pois é uma forma de aqui ir assinalando a passagem do tempo. Vivemos em ciclos, adoráveis ciclos de nascimento, jubilosa primavera, matura idade com frutos carnudos, outonal suavidade, folhagens douradas, depois a invernal frialdade e, logo, de novo a primavera e tudo se repetindo -- mas inexoravelmente caminhando na direcção da terra da qual nascemos e à qual todos regressamos.
Caminho. Feliz. Um casaco quente, um cachecol de lã. Muito frio. Uma névoa branca a envolver tudo. Os pássaros estão doidos de alegria. As árvores estão cheias deles. Não os vejo mas ouço-os e, ao contrário de outros dias em que, mal me sentem, logo partem numa revoada inquieta, hoje não, hoje continuam a cantar. Têm a inteligência de saber preservar o prazer do momento.
As árvores estão muito bonitas, muito verdes. Os troncos belíssimos. Ando em volta deles, encantada. A suave aragem, pesada de humidade, faz oscilar a pele seca que oscila, as ramagens que querem esvoaçar. Cheira a bosque em estado de imaculada pureza.
Não chove de forma evidente. Talvez tenha chovido de noite pois encontro algumas poças de água na qual se refecte o céu, as árvores, talvez o espíritos dos poetas invisíveis que aqui habitam. Deve ser esta fonte de vida que traz tanta alegria aos pássaros. Agora é apenas uma neblina que deixa a terra macia e os ramos gotejantes. Por onde passo, vou espreitando as gotas cristalinas que decoram os pinheiros de noël. Fotografo. Sei que um dia vai ser possível captar também os cheiros e divulgá-los como hoje se podem divulgar as imagens e os sons. É que apenas com essa outra dimensão conseguerei transmitir a sensação boa com que este meu pedaço de natureza me envolve.
Mas encontro mais decorações de christmas. Bolinhas encarnadas dispostas em arcos e grinaldas enchem o campo de espírito natalício. São as bagas da piracanta. Há-as em amarelo torrado e em encarnado. Tão bonitas.
Continuo a caminhar devagar. O canto dos pássaros pontua o silêncio. Tão bom este silêncio. Cobre-me os sentidos de paz. Esqueço-me do que não gosto. O mundo, nestes momentos, é, para mim, todo assim: um lugar de paz, de silêncio, um refúgio de aves cantoras.
A terra está fofa. A folhagem e a caruma estão húmidas. O campo está verde e pleno de vida. As bagas outonais que guardam ainda as cores dos bem recentes dias de calor vão-se tingindo de púrpura. Não tarda -- com os crescentes frios, com as vindouras chuvas -- apenas os verdes, os quase azuis, os cinzas e brancos das rochas, ocuparão o espaço. Oa pássaros abrigar-se-ão, então, nas copas mais densas.
A entrada das grutas, em especial a da gruta grande, estão cobertas de heras. Lá dentro deve estar a temperatura adequada aos abrigos e, imagino, lá dentro os coelhos, talvez os gatos se aninhem, protegendo-se dos maiores frios. Talvez raposas. Nunca vi nenhuma mas, como já contei, o vizinho diz que, por aqui, as há.
A terra está fofa. A folhagem e a caruma estão húmidas. O campo está verde e pleno de vida. As bagas outonais que guardam ainda as cores dos bem recentes dias de calor vão-se tingindo de púrpura. Não tarda -- com os crescentes frios, com as vindouras chuvas -- apenas os verdes, os quase azuis, os cinzas e brancos das rochas, ocuparão o espaço. Oa pássaros abrigar-se-ão, então, nas copas mais densas.
A entrada das grutas, em especial a da gruta grande, estão cobertas de heras. Lá dentro deve estar a temperatura adequada aos abrigos e, imagino, lá dentro os coelhos, talvez os gatos se aninhem, protegendo-se dos maiores frios. Talvez raposas. Nunca vi nenhuma mas, como já contei, o vizinho diz que, por aqui, as há.
À medida que vou andando, vou reparando que aqui tudo está mais coberto de gotas de água, como se uma nuvem tivesse descido e as plantas e eu estivessemos agora respirando a chuva, dentro da bolha de tule branco que parece ter descido sobre estes caminhos.
E uma surpresa: de sob uma rocha está a nascer um feto. Não sei como foi ali parar. Surpreendo-me com a transformação que se tem gerado neste pedaço de terra, antes árido e pedregoso e agora assim, frondoso, fértil. Talvez um dia aqui nasça um rio e se forme um lago. Talvez depois, também, espontaneamente, apareçam peixes.
Uma vez, num pequeno tanque, apareceu uma rã. Não sei de onde veio e não sei que magia é esta.
E uma surpresa: de sob uma rocha está a nascer um feto. Não sei como foi ali parar. Surpreendo-me com a transformação que se tem gerado neste pedaço de terra, antes árido e pedregoso e agora assim, frondoso, fértil. Talvez um dia aqui nasça um rio e se forme um lago. Talvez depois, também, espontaneamente, apareçam peixes.
Uma vez, num pequeno tanque, apareceu uma rã. Não sei de onde veio e não sei que magia é esta.
Só as laranjeiras estão tristes. Têm laranjas, sim, e laranjas bem doces, mas as folhas estão fracas, amareladas. Algumas parece terem entrado em declínio. Isso entristece-me. Penso que foi dos calores extremos de verão. Aqui nada é tratado, tudo é genuíno. Mas talvez devessemos acautelar as fragilidades das árvores de fruto.
Gosto das cores e dos sabores das laranjas, gosto do odor crítico que por aqui paira e gosto da delicadeza dos perfumes das flores das laranjeiras. Não quero pensar que poderei perder esta parcela de prazer.
Para o jantar fiz frango no forno. Estava muito bom. Aqueci ao máximo o forno antes de introduir o tabuleiro. Cá fora, entretanto, preparei-o: um fio de azeite no fundo, salpicos de sal, folhas frescas de louro, depois a metade do frango. Por cima, mais umas pedras de sal, alhos laminados, mais louro fresco e ramos de alecrim acabado de colher. Reguei com mais um fio de azeite. Quando introduzi o tabuleiro, baixei para 160º e, logo que vi o frango alourado, baixei para 100º. Depois de pronto, ainda ficou no forno, mas agora a 60º. Deve ter estado, ao todo, umas três horas. Estava saboroso, ultra macio, suculento. Acompanhei com legumes que cozi: uma cebola, uma batata doce, uma cenoura, uma mão cheia de feijão verde. Para sobremesa, dióspiro a rebentar de madureza e doçura. Comprei a fruta na senhora que tem uma tenda à beira da estrada.
Agora estou na sala, a salamandra ao rubro, um calorzinho muito bom. A lenha e as pinhas são de cá. Há alguns anos que não precisamos de comprar lenha. Alguns troncos trazem um perfume doce e bom que, com o fogo, se converte em bem-estar e memória. Está-se muito bem aqui. O sono começa a chegar-me mas está a vir devagarinho e eu gosto de lhe sentir essa subtileza. Tão bom.
Gosto das cores e dos sabores das laranjas, gosto do odor crítico que por aqui paira e gosto da delicadeza dos perfumes das flores das laranjeiras. Não quero pensar que poderei perder esta parcela de prazer.
Para o jantar fiz frango no forno. Estava muito bom. Aqueci ao máximo o forno antes de introduir o tabuleiro. Cá fora, entretanto, preparei-o: um fio de azeite no fundo, salpicos de sal, folhas frescas de louro, depois a metade do frango. Por cima, mais umas pedras de sal, alhos laminados, mais louro fresco e ramos de alecrim acabado de colher. Reguei com mais um fio de azeite. Quando introduzi o tabuleiro, baixei para 160º e, logo que vi o frango alourado, baixei para 100º. Depois de pronto, ainda ficou no forno, mas agora a 60º. Deve ter estado, ao todo, umas três horas. Estava saboroso, ultra macio, suculento. Acompanhei com legumes que cozi: uma cebola, uma batata doce, uma cenoura, uma mão cheia de feijão verde. Para sobremesa, dióspiro a rebentar de madureza e doçura. Comprei a fruta na senhora que tem uma tenda à beira da estrada.
Agora estou na sala, a salamandra ao rubro, um calorzinho muito bom. A lenha e as pinhas são de cá. Há alguns anos que não precisamos de comprar lenha. Alguns troncos trazem um perfume doce e bom que, com o fogo, se converte em bem-estar e memória. Está-se muito bem aqui. O sono começa a chegar-me mas está a vir devagarinho e eu gosto de lhe sentir essa subtileza. Tão bom.
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- Fotografias de hoje, in heaven
- Lá em cima: Slow movement from Alma Deutscher's new Piano Concerto. This is the 2nd (slow) movement from Alma's new piano concerto, which she premiered this summer in Austria with the Vienna Chamber Orchestra.
Alma Deutscher: piano concerto in E-flat major (composed 2017)
2nd movement: Adagio
Vienna Chamber Orchestra, Joji Hattori conductor.
Alma Deutscher, Piano
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