Mais um dia daqueles. Íamos para comprar uma coisa essencial, não havia, esgotado. Depois foi o mesmo programa dos últimos dias, com a diferença de ter sido em dose dupla. Depois de volta a casa. O meu marido já lá estava depois de um programa excatamente simétrico.
Arrumámos as coisas e pusemo-nos a caminho. Felizmente em boa hora decidimos ir aos gelados da Avenida de Roma. Salvou-me o dia aquele belo gelado de kumquat, a laranjinha ali toda, a casquinha e tudo. E o que eu gosto de doces com casquinha de laranja.
Depois, já em marcha e sem necessidade de meter combustível, vá lá saber-se porquê, o meu marido resolveu entrar na na estação de serviço. Atestou. Quando íamos sair, tudo engarrafado. Um acidente no acesso à auto estrada. Não percebi como mas, ao passarmos pelo carro já em cima do reboque, vi como ficou danificado. Do que vi, um único carro. A verdade é que tamponou a saída da estação. Séculos ali parados, um mar de carros.
Chegámos já anoitecia. Com fome, que o programa de festas mal tinha dado para almoçar. Pus logo o jantar ao lume e saí a fotografar o sol já posto. A serra envolta em azul, o céu cor de fogo, as árvores recortadas sobre a paisagem, quase apenas a silhueta. Numa árvore um pássaro cantava muito alto, um canto extraordinário, como o de alguém que se acha sem testemunhas, cantando Verdi no duche.
Já nem fica bem dizer que estou cansada, para além de que a minha filha já me avisou bem avisada: não faz sentido, ninguém obriga a escrever, o cansaço cura-se com descanso, não com escrita. Mas, em abono de mim, direi o lugar mais comum de que há memória: cada caso é um caso. E o meu é este e é isto: um caso perdido.
Entretanto, tenho ainda que mandar um mail de trabalho e vai ter que ser na base do mandar brasa, uma coisa mesmo na base de lhes pregar um susto, a pensarem que, nem que momentaneamente, se iam ver livres de mim e afinal que nada, ela aí está e, como sempre, ao ataque. Parece que tenho um radar. Toda a gente a louvar, um ás, merece mais do que já tem, antes que a concorrência lhe faça uma proposta mais vale a gente segurar -- e eu, sem provas, só faro, a achar que aquele ali não me cheira. Cada coisa que diz, já por dentro de mim tocam todas as campainhas. Contam-me feitos e eu, feita embirrante, a achar que nada daquilo bate certo. Dizem-me como que para desculpar a minha irracional aversão: 'uma questão de pele'. Insurjo-me: pele nada, desconfiança pura e dura. Avisam-me: cuidado, não se podem fazer acusações com base em coisa nenhuma. Digo: não acuso coisa nenhuma, apenas não confio, ali há coisa. Até que, inesperadamente, talvez excesso de confiança, a pessoa revela uma intenção. Coisa feia. Diz que era hábito, que já aconteceu. Querendo desculpabilizar-se, enterra-se.
Tem mais. Acima dele há um. Meu par. O maior. Um herói. Medalhado. Feitos, feitos, ultra feitos, um homem de sucesso. E eu digo: são iguais, ele e o outro, iguais. Dizem-me: não seja assim, olhe que não, é mesmo o maior. Dou o troco: em nada do que ele diz eu acredito. Avisam-me de novo: cuidado com o que diz, não tem provas. Confirmo: provas não tenho mas tenho certezas.
E, de repente, as desconfianças parecem materializar-se. Começam a dar-me razão. Não me basta.
No fim da outra semana, outra coisa que não me cheirou bem. Pedi a outros algumas informações. Quero cruzar. E agora vai um mail a confrontar. Mas não a confrontar de qualquer maneira porque não pode ser pega de caras. Tenho que ter elementos e vão ser eles a entregar-mos. Vai, portanto, de cernelha, com jeitinho, para nem perceberem que estão num processo em que vão denunciar-se. Ou melhor, para ficarem inquietos, para sentirem que vão ser apanhados.
Se há coisa que não tolero é a desonestidade, mesmo que apenas intelectual. Tolerância zero. Gente burra é difícil de aturar mas a gente faz um esforço, coitados, não nasceram favorecidos. Gente parva também não é fácil mas a gente tenta contornar. Agora gente pouco séria eu não suporto mesmo.
Tirando isto do mail que vai já a seguir, tenho o forno para desligar que tenho um frango a assar para com ele amanhã fazer uma salada fria. Com os miúdos do dito, mais a parte de dentro, as patas e as asas do dito frangão do campo também já fiz também uma canja que não é bem canja porque cozi junto uma cebola, um pedaço de abóbora, uma cenoura e um chuchu. Amanhã trituro os legumes e faço um caldo espesso como base da canja. Devia lá ter escalfado um ovo mas esqueci-me. Também não é preciso, já tem proteínas que cheguem. A nutricionista disse: para ter boas articulações, nada como a gelatina natural. Faz canja e põe as patas? Desatei-me a rir: credo, gosto de canja mas não ponho as patas. E ela: ponha. Devia até fazer um caldo com muitas patas e depois congelar em porções para ir misturando na comida. Esse caldo tétrico ainda não fiz mas agora, quando faço uma canjinha ou um guisadinho, junto as patas do frango quando é do campo. Se calhar é tanto do campo como eu mas deixa estar, tenho esta fé.
Esqueci-me de dizer que há outra vez um cheiro a fumo no ar e, já a noite tinha tombado, passou um helicóptero. Mas vimos no site dos fogos que não há nada aqui perto. Portanto deve ser o fumo de bem longe que está a ser trazido. Coitadas das pessoas que têm tido estes tremendos braseiros à sua porta. E corajosos bombeiros que não têm tido descanso. O que me deixa perplexa é o retrato de alguns incendiários. Uma coisa na base dos Twin Peaks, gente aparentemente normal e, na volta, lá no meio, alguns verdadeiros psicopatas. Hoje soube daquele com 78 anos que já tinha pegado ou tentado pegar uma meia dúzia de fogos e que, quando apanhado, não apenas confessou como tentou subornar os polícias. Acham isto normal? Ou a outra marmanjona que estava piursa por ter sido preterida pelo namorado e, para afogar as mágoas, não arranjou melhor do que meter-se nos copos e, quando bem bebida, pegar um fogo. De loucos, isto.
Não sei que coisinha má me deu mas ontem, para ler no carro, comprei o Expresso. Logo me arrependi, claro. Se amanhã me der para isso, passo-o aqui em revista para fundamentar a decisão acertada de não querer saber daquilo para nada. Penso que é o doente do Henrique Monteiro que atira as culpas dos fogos postos para a pobre da ministra Constança. Quanto muito atirava-as para o ministro da Saúde que tanta gente com pancada desta, da grossa, é mas é um mal de saúde pública. Caraças.
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Depois das minhas faenas que se seguem, talvez ainda cá volte. Isto se não cair para o lado, claro.
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Desejo-vos, pois, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
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Entretanto, depois da boa acção acima referida e das minhas obrigações culinárias, deixei-me estar a ver o Adore na RTP 1 (Paixões Proibidas, na versão traduzida), e, claro está, agora já ninguém me apanha a fazer rapapés bloguísticos que o adiantado da hora e o estado de espírito não dão para tal.
Desejo-vos, pois, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
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