segunda-feira, maio 01, 2017

Trabalhar




Desde menina que tive muito claro que queria ter uma profissão e que tinha que garantir, eu por mim, a minha independência. Comecei a trabalhar mal fiz vinte anos. Certo é que há quem comece muito mais cedo mas, na minha geração, já era relativamente normal que quem estudava na universidade apenas entrasse no mundo do trabalho depois de acabar o curso. 

Eu não esperei. Embora a minha família não tivesse dificuldades económicas e não tenha ideia de que algum dos meus (escassos) pedidos tivesse sido alguma vez regateado, havia em mim como que um orgulho que fazia com que me fosse penoso aceitar a mesada.

Assim, contra a opinião dos meus pais, em especial do meu pai que temia que eu me dispersasse e acabasse por não concluir a licenciatura (que, na altura, era de cinco anos), comecei a dar aulas mal acabei o chamado bacharelato (três anos de curso).

Soube-me muito bem começar a ter o meu ordenado, apesar de, por vezes me ser algo difícil conciliar horário completo como professora, aulas como aluna e, logo de seguida, também a lida da casa como 'mulher casada'. 


Sempre gostei de trabalhar. Como é normal, tenho atravessado fases de alguma descrença ou desconforto ou desmotivação. Mas sempre consegui superá-las pois a força das minhas convições (especialmente as que se referem à necessidade de olhar para o lado bom da vida) sempre me ajudou a ter paciência e esperar pelos momentos de maior entusiasmo.

Tenho tido sorte -- e, no fio condutor da vida, atribuo à sorte um papel importante. Mas também sempre encarei o trabalho não apenas como uma necessidade mas também como uma forma de valorização pessoal e isso, acho eu, sempre me ajudou nas opções que tomei e na forma como tenho encarado a vida profissional.

Ao contrário de algumas pessoas que encaram o trabalho como um frete e que usam todos os estratagemas para trabalhar o mínimo possível (e tenho no meu círculo de amigos e familiares algumas pessoas que o fazem), eu sempre encarei o trabalho como uma componente indispensável da minha vida.

Mesmo em casa, gosto de trabalhar, de limpar, de arranjar, de fazer coisas. Trabalhar para mim é manter o motor da vida a funcionar.


Tenho tido a sorte de passar incólume pelas muitas reestruturações que levam a rescisões e tenho acompanhado de perto a angústia de quem teme perder o trabalho e baixar o seu nível de vida. Não têm conta as pessoas que de mim já se despediram, frequentemente em lágrimas, por terem aceitado uma rescisão amigável, com indemnização, ou por se terem reformado, algumas delas antecipadamente.

Algumas vão confiantes ou porque já trabalharam o suficiente e vão descansar ou porque se preparam para começar uma nova vida. Mas outras vão angustiadas, sentindo-se injustiçadas e muito tementes quanto ao futuro. Por elas, sempre sinto um aperto no coração.

Tenho contactado também com pessoas que trabalham em empresas de trabalho temporário e, de cada vez que trabalho com alguma, a minha vontade é poder continuar com elas pois penso que a insegurança de não voltar a ter um trabalho tão cedo deve ser terrível.

Apesar de algumas pessoas que conheço e que, por opção e rendimentos próprios, não trabalham me olharem como uma excêntrica por gostar de trabalhar, não me sinto como tal; mas também não olho com superioridade moral quem não trabalha por decisão própria, nomeadamente mulheres que, em tempo, optaram por ser, a tempo inteiro, mães de família e donas de casa. É uma opção que, face à minha maneira de ser, me custa a perceber mas que respeito até porque essa opção pode ter resultado de condicionalismos alheios à vontade ou de acasos que, de alguma forma, se conjugaram. E, de resto, trabalhar em casa, a tempo inteiro é certamente bastante desgastante.


O que penso, e isso penso com convicção, é que um país só pode ser bom se tiver condições de ser inclusivo para todos, para os que podem viver bem e para os que precisam de apoios. E, para que isso aconteça, o país tem que ter uma economia saudável, que gere riqueza. E, portanto, mais do que defender o trabalho por razões meramente morais, defendo-o por razões objectivas. É o trabalho, físico ou intelectual, que permitirá, antes de mais, manter em movimento a máquina do desenvolvimento.

Claro que o capital também é indispensável mas nunca o capital acima de tudo, e nunca o capital como princípio e fim de todas as coisas.

Nunca foram os trabalhadores que causaram malefícios ao país e a história recente, para os de memória curta, aí está para o provar. Opções políticas erradas, governantes impreparados, preponderância da ganância de uns poucos em detrimento do desenvolvimento económico, social e humano, isso sim, deu, por vezes, cabo da vida de muita gente.

Hoje, 1º de Maio, é o Dia do Trabalhador e eu fico feliz por sentir que agora, no meu país, os trabalhadores não são vistos como os bodes expiatórios de uma crise (que, ainda por cima, nasceu noutras paragens e teve origem na especulação financeira), ou uns oportunistas a quem é necessário restringir direitos. Hoje, de maneira geral, sente-se que há uma consciência que valoriza o trabalho, que respeita os trabalhadores e começa de novo a perceber-se que o futuro será um lugar bom para se viver se a dignidade de quem o constrói for sagrada,


Um dia feliz a todos os que trabalham, seja onde ou em quê, ou que já trabalharam ou que gostariam de voltar a trabalhar ou ainda os que gostavam de começar a trabalhar.

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