sexta-feira, março 24, 2017

De olhos completamente fechados





Terei, então, que fechar os olhos? Terei? 

Terei, então, que deixar que o azul e o verde e os pássaros venham pousar nas pálpebras que deixo correr sobre os meus olhos cansados para que o dia não venha mostrar-me a realidade cinzenta e triste?

Peço segredos e cânticos e nada recebo, peço um pássaro amarelo e macio cantando na janela ou um bicho arrogante exibinto os seus aparatos sobre o meu corpo, e nada recebo. Nada.

Peço silêncios e palavras leves como sonhos -- e nada.

Continuo rodeada por ruído e penares.

Mas não faz mal. Fecho os olhos. Sacrifico-me. 

Fecho os olhos e vejo lagos, sombras floridas, borboletas, pássaros, nenúfares. Verdes, azuis, encantos.

(Mas vem na mesma.) 

Traz-me poemas, céus estrelados, campos de trigo, aldeias maravilhando ao sol, bichos dourados, ciprestes eternos, sempervirens, céus ondulando, nuvens azuis como marés, ventos quentes, doces memórias.


Vem.

Traz nas mãos as tuas palavras mais puras, vem dizendo coisas como jardins de jasmins, rochas cobertas de limos e conchas, conta-me de abismos e paraísos.
Esconde lamentos e saudades, não me fales de lágrimas nem de mãos vazias, nunca me digas palavras duras nem da dureza que, por vezes, habita o teu coração. Não me digas porque não posso acreditar. Nem quero.
Por isso, fala-me apenas de videiras, de roseiras luzindo à luz do sul, fala-me de muros de alvenaria, de bichos dormindo ao sol, fala-me de anémonas, de mares sem fim, fala-me de pombas desenhadas em quadros que cantam a paz, fala-me de gatos e de deuses. Conta-me de ti. Conta-me mentiras.


Ou não digas nada. Deixa apenas que ouça a tua respiração.

Fecho os olhos. Fecho os olhos em silêncio, penso em poemas longínquos, palavras brancas, alvores, rios que me enleiam. Vejo montes, vulcões, ondas e nevões, planícies e pássaros, lonjuras e flores de gelo, azuis, muitos azuis, e o branco de onde tudo nasce. Ouço a tua voz que nunca ouvi, vejo o teu olhar cego que me olha sem me ver, sinto o teu corpo que me cheira como um animal vadio.

Não quero saber de nada. Quero imaginar brincadeiras, risos, patos no lago e crianças a atirarem pão, quero imaginar flores no meu cabelo, palavras brandas como carícias incertas, quero jogar às escondidas, quero ser aquela que não existe, invisível, sem nome.

Quero ser aquela que, de eyes wide shut, inventa um  olhar sonhador, um olhar louco e que, de tanto querer o silêncio, escreve palavras sem dono e logo as solta na noite.

Agarra-as, são tuas.

______________________

Maquilhagem inspirada respectivamente em Claude Monet, Van Gogh e Katsushika Hokusai.

A música é The Sacrifice, do filme, 'O piano', da autoria de Michael Nyman

_________________

E queiram, por favor, descer caso queiram ver o que se esconde num silêncio limpo, sem palavras

....

7 comentários:

  1. Esta prosa está demais. Foi a JM que escreveu? Não copiou de nenhum lugar nem nada...é que podia ser texto de revista, prosa de poeta, escrita de profissional. Tem a certeza que está na profissão certa? A sua escrita parece de profissional inspirado.
    Se é toda sua, parabéns. Cinco estrelas.
    Tenha um dia Bom.

    ResponderEliminar
  2. mais uma vez um problema de reforma e de contas, e esta ideia vem da esquerda-)))

    Governo propõe que trabalhadores com pelo menos 48 anos de descontos para a Segurança Social e 60 anos de idade se possam reformar antecipadamente sem penalização. - http://observador.pt/2017/03/22/48-anos-de-descontos-e-60-de-idade-darao-direito-a-reforma-sem-penalizacao/


    Tinha que começar a trabalhar aos 12 anos, mas temos um problema, é que Decreto-lei 49408, de 24 de Novembro de 1969 (em 24 deste ano faz 49 anos, que foi publicado), no seu art.º 123 n.º1 - https://dre.tretas.org/dre/19291/decreto-lei-49408-de-24-de-novembro

    ARTIGO 123.º

    (Idade mínima)

    1. Só poderão ser admitidos a prestar qualquer espécie de trabalho os menores que hajam completado 14 anos de idade e que possuam as habilitações exigidas.

    Gostava de saber como se reforma com 60 anos e 48 de descontos se só se podia descontar com 14 anos completos no ano de início de actividade

    a agravar,como o ano civil nessa altura é 360 dias, já não conta como um ano completo (já aqui coloquei um link, sobre isso)


    Ainda não vi uma notícia sobre esta contradição




    Bob marley


    ResponderEliminar
  3. Bob Marley, o problema é que há décadas atrás, no tempo antes do 25 de Abril, essas situações eram "normais", ou seja, podia-se contratar, no sector privado, garotos e raparigas com essa idade, 12 anos, para trabalhar. Assim sendo, faz todo o sentido que o estado/Governo hoje conceda esse direito de quem foi vítima desse tipo de exploração, com o consentimento dos pais, naturalmente, possa hoje reformar-se aos 60 anos. No fundo, é o reconhecimento implícito daquele tipo de situações anómalas e anti-sociais ao tempo do Salazarismo.
    Bom fim de semana para si e para a UJM!
    P.Rufino

    ResponderEliminar
  4. P. Rufino
    Também me parece bem mas não estou a ver como provar isso. Aguardemos, então.
    conheço quem tenha até começado a trabalhar antes dos 12 anos, a minha mãe, por exemplo, começou aos 10, ajudante de cozinheira na casa senhorial onde havia uma criada para tudo: as de fora que faziam as compras, as da roupa, as da cozinha, as de servir (as únicas que podiam entrar nas salas para servir os senhores), as dos quartos, as dos meninos, os dos jardins, os motoristas e, claro, a governanta disto tudo. O problema é que ninguém, dos menores que integravam toda esta vasta equipa, descontava para a segurança social. Sim estou a falar de um tempo em que já havia.

    GG

    ResponderEliminar
  5. Bom dia Sr.º P Rufino

    o problema é a legalidade, para além de possivelemente não ter prova documental.

    E mesmo com prova documental, podem ainda gozar com a malta


    Vou falar da minha experiência e porque sou tão desconfiado em relação a este pessoal.


    Fiquei no desemprego com 36 anos, motivado por um processo contra a empresa, uma vez que não estava a reconhecer o estatuto de trabalhador estudante, ainda era a lei
    116/97. Tive que avançar para tribunal porque estavam a marcar faltas injustificadas, e levaria a um despedimento por justa causa.

    Havia mais trabalhadores estudantes na empresa, mas se calhar não foram com a minha cara ( já lá estava a 16 anos), isto vai ao encontro do post de hoje da UJM, na vida conta muito
    quem encontramos no caminho, pois pode facilitar ou complicar a nossa existência.


    Felizmente na altura o apoio jurídico era mais alargado, hoje quase só um sem abrigo preenche o requisito. Valeu-me isso, pois caso contrário teria gasto muito dinheiro, pois a empresa
    perdeu e recorreu para a relação, que veio a dar-me razão, tanta que na revisão dó código 99/2003 foi alterado o artigo em que me apoiava.



    durante esse período aproveitei para ver a situação da seg social, anterior a 1994 nem eu, nem a minha irmã nem a minha namorada nem a irmã dela tinha um ano completo (360)
    se fosse só um podia ser engano mas 4 pessoas.

    Como todos tinham os recibos , tive a sorte de apanhar uma pessoa competente em Lisboa e tratei por email o assunto, e como o seguro morreu de velho, fui á segurança social pedir
    extractos assinados e carimbados, não vá acontecer um problema informático e voltar a desaparecer dias.


    Pois acredite muitas pessoas vão ter surpresas quando forem tratar das reformas.



    Em relação ao gozar com a malta, quando tratei da reforma do brasil para o meu Pai (mais valia ter partido uma perna) , fui vitíma desses famosos acordos internacionais de seg Social
    e logo entre Brasil e Portugal.

    Eu a pensar que ele ía ficar com duas, aqui acabaram por subtrair os suplementos com a do Brasil, e ainda por cima ficou sujeito aos humores da taxa de câmbio, tenho duas pastas com
    troca de correspondência e até a sua morte em 2009 nunca consegui repor o que penso ter sido uma injustiça, teria que ter ido para tribunal


    depois os portugueses começaram a vir cá tratar directamente, sem ser pelo acordo, e nem perdiam dinheiro e dava para virem passear, penso que os da Alemenha e França chegaram a fazer isso
    mas entretanto os Estados penso que no caso europeu bloquearam essa possibilidade

    continua

    ResponderEliminar
  6. O gozo

    na altura recebia em cheque e eu guardava tudo, no fim do ano, recebia uma carta da relação dos valores pagos pela seg social brasileira, mas que não correspondiam aos cheques recebidos

    Enviava uma carta com as fotocópias dos cheques e pedia para rectificar o valor ou enviarem o valor em falta.

    recebia uma resposta do género,"por consulta á nossa base de dados os valores estão correctos" - COM FOTOCÓPIAS DOS CHEQUES


    entretanto o brasil começou a pagar directamente, alguma coisa se passou



    e para terminar este rol de azares, a minha mãe falaceu ano passado, requeri o Reembolso de despesas de funeral, e passados 3 meses recebi uma carta da segurança social, a remeter para um diploma
    e em vez de especificarem qual o artigo em que fundamentam, vinha 4 alineas e uma x, na opção que fundamenta a decisão de não pagamento

    nunca descontou para a seg social, como a minha mãe milhares de mulheres foram sempre donas de casa, e que contrinbuíram muito para o Estado ao cuidarem de filhos dispensando apoios do Estado

    Fui á seg social e exliquei ao funcionario, muito simpático, mostrei a carta da minha contestação da qual nunca recebi resposta, porque se eu tiver razão, o estado anda a meter no bolso
    dinheiro que não lhe pertence.

    Disse-me , que isto sempre foi assim , e eu disse-lhe que também os tickets de estacionamento eram assim (sem nif) até alguém levar uma câmara a tribunal, e agora já não é assim


    recomendou-me meter o subsídio de funeral para não perder tudo.

    Entretanto coloquei o problema á Deco, mas pelos vistos só fazem testes a máquinas de lavar e outros electrodométicos

    e vi uma questão de um deputado do PCP na internert , preocupado com o atraso nos pagamentos destes apoios, pensei, se está preocupado com os atrasos, mais preocupado podia estar com o não
    pagamento e enviei um email, via email institucional, do Parlamento a expor o problema, também nunca tive resposta


    Muitas pessoas dizem , ai se eu ganhasse no euromilhões, a pensar no lazer, eu derretia o dinheiro todo num fundo de apoio jurídico e num datacenter(a informação é pública) com profissionais, que tornassem as pesquisa
    da nossa legislação uma brincadeira de crianças


    o autor do dre tretas, devia receber uma medalha pelo 10 de junho pelo contributo que está a prestar á sociedade, mas não me parece que receba


    por fim

    Na altura que o meu pai faleceu a minha irmã estava de férias, e por sorte encontrei jurisprudência 1.ª instância e o mesmo caso na relação, a dizer que havia suspensão das férias (que taxativamente na lei só menciona
    a doença), no caso para o casamento, estas pessoas casaram no periódo de férias e a entidade dizia que não havia suspensão, o tribunal deu-lhes razão (aos nubentes), e eu por analogia pensei que se podia aplicar no caso por morte, tirei cópias e dei para a minha irmã
    mostrar ao TOC, não aceitou, mais um caso que precisava de tribunal.

    Bob Marley

    ResponderEliminar
  7. alguém tem de pagar isto - http://observador.pt/2017/03/28/seguranca-social-um-chefe-para-cada-4-funcionarios-e-meio/


    só falta ver se são contratados por ajuste directo


    bob marley

    ResponderEliminar