Li uma notícia espantosa. No meio de tanta maluqueira, uma notícia que me faz sorrir, que me faz querer saber mais, que me faz ter vontade de ir ver in loco. Infelizmente está um bocado longe, não está nos meus planos ir para aquelas bandas tão cedo. Mas é uma coisa que me parece um verdadeiro ovo de colombo.
Então para quem, como eu, gosta de livros e tem um bocado a compulsão da leitura isto parece uma ideia deveras extraordinária, uma daquelas ideias que eu gostava de ter tido. Ou, pelo menos, que gostava de usufruir.
Mas já conto.
Hoje entrei numa livraria para ir à procura de um livro. Entrei sabendo exactamente o que queria. Afinal, vá lá saber eu porquê, quando cheguei perto, tive uma branca. Sabia que era poesia, que era uma tradução de Cesariny, mas, mais do que isso, nada. Pesquisei no telemóvel. Nada. Ocorria-me Michaux; mas não porque esse eu tenho e a tradução é de Margarida Vale de Gato. Depois parecia-me que tinha um R e lembrei-me de Ronsard mas sabia que Ronsard não, faltava-lhe o som do au em francês e Ronsard tenho numa tradução de Vasco Graça Moura. Tentei ver nas estantes mas a poesia internacional está em baixo e não me apeteceu estar de gatas. Contudo, passando os olhos em vol d'oiseau, não vi nada que me fizesse tocar a campainha. Perguntei, então, a uma das empregadas. Disse-me que só com essa indicação era curto. Ainda foi ver ao computador mas claro que não descobriu. Andava por lá uma pessoa com ar entendido e eu, com a vontade que tinha de trazer o livro comigo, podia ter-lhe perguntado. Mas imagine-se que a pessoa andava por ali, naquela zona, ao engano, que andava era à cata do livro do grande escritor Gustavo Santos.
Estou a gozar. Por acaso, não, tenho até a sensação que era mais do género alternativo que aprecia os clássicos, mas não estive para fazer figura de parva, ah sabe de um livro de poesia de que não me lembro do nome do autor, nem do nome do livro, só do tradutor...
Fui-me embora contrariada e já quase atrasada. Pois mal me sentei no carro, saltou-me: Rimbaud. Caraças. Lá está o R e o au que eu tinha na cabeça. Mas pronto, nada a fazer, terei que fazer nova incursão; e até já sei onde encontrá-lo.
E isto para dizer que é esta doença. Aqui cheia de livros e, volta e meia, esta urgência que parece que não poderei ter descanso enquanto não tiver o livro nas minhas mãos. Vá lá explicar-se uma pancada destas.
Mas, então, dizia eu.
Estava eu preguiçando no sofá, vagueando por aqui e por ali, lendo um bocado do Amok, olhando para a televisão, picando um site, um blog, uma aleatória quelque chose, quando dou com a tal notícia extraordinária.
Tenho vontade de transcrever mas sei que muitos Leitores meus não atinam bem com o francês e, portanto, eu conto.
Em França, um pouco por todo o lado, nas estações de transportes públicos, em repartições públicas, nas Câmaras municipais, nos hospitais, em centros comerciais, é possível chegar ao pé de umas pequenas máquinas dispensadoras, quase parecidas com as que vendem bilhetes, e escolher se se quer ler um conto que dê para 1 ou 3 ou 5 minutos. Então a máquina debita uma fita de papel que varia entre 30 centímetros e 1 metro. Não sei se diga fita, se diga tira. Uma espécie de talão comprido, pronto. Há histórias (ou poemas) de 16.000 autores, dos quais 10.000 clássicos; muitos anónimos, desconhecidos, que se registam na plataforma da empresa que produz e vende as máquinas.
Em França, um pouco por todo o lado, nas estações de transportes públicos, em repartições públicas, nas Câmaras municipais, nos hospitais, em centros comerciais, é possível chegar ao pé de umas pequenas máquinas dispensadoras, quase parecidas com as que vendem bilhetes, e escolher se se quer ler um conto que dê para 1 ou 3 ou 5 minutos. Então a máquina debita uma fita de papel que varia entre 30 centímetros e 1 metro. Não sei se diga fita, se diga tira. Uma espécie de talão comprido, pronto. Há histórias (ou poemas) de 16.000 autores, dos quais 10.000 clássicos; muitos anónimos, desconhecidos, que se registam na plataforma da empresa que produz e vende as máquinas.
Acho isto notável. Notável! Assim se fomenta o gosto da leitura. Assim se leva a cultura a todos. Gratuitamente!
Leio que Francis Ford Coppola já encomendou uma máquina destas para o seu Cafe Zoetrope em San Francisco.
Coppola, o padrinho da Máquina que oferece Histórias Curtas
(Na altura tinham menos autores do que actualmente já tem)
Acho que o Ministério da Cultura português (alô, alô, Tim Tim no Tibete!) bem podia ver como adoptar a ideia para Portugal. Li que se trata de uma ideia e de uma produção de uma start-up francesa, a Short Edition.
Não dá para escolher o autor ou o género ou, lá está, o tradutor, mas tanto faz: chegar ao pé de uma máquina, carregar num de três botões, escolher um número (1, 3 ou 5) e obter leitura para esses minutos parece-me uma ideia do mais genial que há.
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A máquina da 1ª fotografia, lá em cima, é a dita doseadora de literatura.
As outras fotografias são apenas bibliotecas como eu gostava de ter cá em casa, arrumadas, organizadas.
As outras fotografias são apenas bibliotecas como eu gostava de ter cá em casa, arrumadas, organizadas.
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E agora, para ouvirmos juntos, um poema de Rimbaud dito por um grande diseur, Serge Reggiani
E agora, para ouvirmos juntos, um poema de Rimbaud dito por um grande diseur, Serge Reggiani
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O vídeo que se segue não tem a ver com o texto em si mas com Rimbaud. Tenho estado para aqui a xeretar e dei com documentários sobre a vida de Rimbaud e com um filme de que nunca tinha ouvido falar e que trata do romance entre Rimbaud e Verlaine. Mas presumo que Rimbaud se tenha tratado com as mezinhas do pároco de Castanheira de Pêra porque, num outro vídeo, vi uma fotografia da que diziam ser a amante dele, anos mais tarde.
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E hoje, que já não tenho alergias e estava numa de responder a todos os comentários, logo havia de ter dado com este assunto. E tal o entusiasmo que não tenho feito outra coisa senão andado à procura de 'cenas'. Portanto, meus queridos Leitores, desculpem esta vossa escrevinhadora desnaturada que quase parece que não vos liga nenhuma -- quando afinal está aqui até às tantas para partilhar coisas convosco.
Mas desculpem-me, está bem?
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E tenham um belo dia.
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Era para comentar o post da inteligência artificial – assunto tão interessante - publicado pela UJM lá mais para trás mas como não o consegui fazer a tempo e horas vai aqui fora de horas:
ResponderEliminarTranscrevendo umas ideias de Roger Schank, um dos pioneiros do campo da Inteligência Artificial (AI),
- No brain on Earth is yet close of knowing what brains do …
- A machine that plays chess well does just that; it won´t play worse one day because it drank too much the night before or had a fight with its wife …
- We feed kids food, not knowledge. No computer starts out knowing nothing and gradually improves by interacting with people …
Isto, entre outras ideias, para chegar à seguinte conclusão:
“The fact is that the name AI made outsiders to AI imagine goals for AI that AI never had.
Como leigo, acho que a AI passa a ideia de que tenta reproduzir funções executadas pelo cérebro humano ou, até, um cérebro humano.
Ora, a inteligência é entendida hoje como um processo dinâmico e não como uma “propriedade” do cérebro. O cérebro é constituido por dez elevado a onze neurónios (e por um número ainda maior de outras células). Este é um núemro cem vezes superior ao das estrelas na nossa galáxia ou que os grãos de areia nas praias da Costa da Caparica. Por sua vezes, cada neurónio pode estabelecer mil a dez mil ligações com outros (sinapses). Mas a complexidade não está nos números. Está na regulação. Está nas interacções. Cada ligação (sinapse) não tem apenas um on e um off, um desliga e um liga, um mais e um menos, um zero e um 1, como num computador. A maioria das ligações são químicas e não eléctricas (como num computador). Em cada uma das ligações há diversos componentes orgânicos envolvidos (neurotransmissores, receptores, proteinas acopladas a receptores, enzimas e transportadores) o que, segundo alguns cálculos, significa que os número de “switches” no cérebro é maior que o de todas as redes de computadores, routers, hubs … em todo o planeta. Tudo o que conhecemos das redes de computadores é uma brincadeira de crianças comparada com o cérebro. Cada um dos “switches” pode ser alvo de regulação, isto é pode ser “sintonizado” como nos botões dos rádios antigos a válvulas. Mais um bocadinho, menos um bocadinho. Não é só liga e desliga. Cada “switch” no cérebro pode ser regulado, pode “sentir” o que se passa num local remoto e ajustar a sua acção em função de múltiplos parâmetros que variam constantemente. E pode ser desactivado e substituído e colocado a desempenhar outras funções, quer por parâmetros internos do metabolismo ou externos (incluindo os ciclos circadianos). Inimaginável.
Imagine-se uma máquina dotada de AI a olhar-se ao espelho. Podemos imaginar que se “sentiria” bela, ou velha, ou coisas assim (coisas que não entendemos)? Que ligaria os “mecanismos de recompensa” que quase nos comanda a vida como bola colorida nas mãos de uma criança? Ou que cairia de amores por uma outra máquina? Ou que a máquina dotada de AI perderia “capacidade” com a passagem do tempo, que envelheceria?