sábado, fevereiro 25, 2017

Dar à luz




Já contei muitas vezes: tive os meus filhos a sangue frio, sem epidurais ou qualquer outra anestesia que atenuasse as dores. A opção não teve a ver com heroísmo: simplesmente temia que, anos mais tarde, viesse a provar-se que alguma dessas coisas era prejudicial à saúde das crianças. Para além disso, não me achando eu diferente de qualquer outro animal, sempre pensei que deveria deixar que a natureza actuasse por si, sem artificialismos. Hoje, sabendo-se já de fonte segura que não há malefícios para as crianças, teria querido epidural. 

Porque, chegado o termo da gravidez, as crianças não desciam, foram ambos os partos provocados e ambos com recurso a fórceps. Dores de morrer. Tantas dores que transpirava em bica, a cama alagada. Achava que não ia resistir a tamanha dilaceração das entranhas. Horas de contracções e dores, sempre em crescendo. Já extenuada, a sentir que não ia conseguir suportar aquele contrair-se o corpo num esforço brutal para expulsar um ser que parecia não conseguir atravessar o caminho para a vida, a sentir que me ia faltar a capacidade para superar tamanho e tão longo sofrimento, a verdade é que consegui.


E, verdade seja dita, mal as crianças saíam, imediatamente me esquecia das dores e entrava num estado de felicidade levitante, radiosa, como se nada de doloroso se tivesse passado e, pelo contrário, como se vogasse num mar de encantamento.

O meu marido esteve sempre ao meu lado e, sem espinhas, assistiu a tudo.


Ora eu estive lá, vivi cada momento, maravilhei-me quando me puseram as crias ensanguentadas em cima -- mas ver, ver mesmo, isso não vi.


Mesmo que houvesse espelhos, de tal forma estava aflita de dores, não sei se teria tido a capacidade de olhar para o espelho.

Nem sei se seria capaz de assistir a parto alheio. Custa-me imenso ver alguém a sofrer. Também não sei se não estaria com tanto medo que houvesse algum problema que acabaria por cair para o lado.

E, no entanto, não há milagre maior. De dentro do corpo de uma mulher sair uma outra pessoa é coisa mágica -- seja pela via normal, seja via cesariana (como no caso da fotografia seguinte).



Estou, de novo, com isto não porque o tema me seja caro (e é: adorei estar grávida e, apesar de tudo, adorei dar à luz) mas porque vi algumas fotografias de nascimentos que me deixaram maravilhada.

Talvez algumas das pessoas que me lêem já tenham visto, ao vivo, algo com o que aqui mostro mas é a pensar nos outros que, tal como eu, nunca viram uma pessoa a irromper do corpo de uma outra que aqui as mostro.

E devo dizer que de todas as alegrias desta vida, só há uma que supera a de conhecermos um filho que acabou de sair de dentro de nós: é a alegria de sentirmos essa felicidade nos nossos filhos ao conhecerem os seus filhos que acabaram de nascer.


!  Aleluia  !

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Estas fotografias foram algumas das premiadas no concurso anual da International Association of Professional Birth Photographers

Lá em cima: Aleluia do Messias de Handel pelo Coro do King's College

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2 comentários:

  1. Wonder, Wonderful.
    Um milagre. O único, para quem foi 'deformado'
    na catequese com os milagres da Bíblia.

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  2. Tem razão, aquele momento em que nos põem a criança em cima, pele com pele, toda viscosa e ensanguentada, é do mais bonito que há. Um milagre no qual a gente sente que colabora sem qualquer arte. Que é incompreensível tal maravilha. Na verdade, quase tudo tem um quê de incompreensível. Mesmo com a ciência e a técnica há um remanescente de mistério. E julgo que pertença à essência da vida. Que usamos. De que não existe pertença integral

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