quarta-feira, fevereiro 08, 2017

Chi Mai
. Ítaca .




Eu vinha a sair e vinham outras duas colegas. Perguntei-lhes se já estavam adaptadas ao novo local de trabalho. Uma que não, nem pensar, um transtorno, que já não tem idade para isto e a outra que isto é bom para gente nova, disposta a adaptar-se a tudo, não para ela, que já lhe apetece é descansar, estar com amigos, passear com o marido. 

Ambas mais novas que eu.

E eu, depois do dia que tive, com vontade de lhes dizer que de mim nem elas sonham qual a minha vontade.


Antes de almoço, eu numa outra empresa, eu a sair à pressa (sempre à pressa, nem que seja para poder ter um almoço descansado) e vejo, no corredor, um colega à minha espera. Meio atrapalhado, meio nervoso. Quero despedir-me de si, desejar-lhe muitas felicidades. E eu admirada com aquilo. Perguntei. Diz-me: vou para casa, já chega, vou ver se gozo a vida. Admirada, despedi-me dele.

Percebo-o. Temos tido colegas que dedicam uma vida inteira ao trabalho e que, quando finalmente deixam de trabalhar e resolvem fazer aquilo que há tempo ambicionam, vem um belo dia e caem para o lado. Um dos que mais me impressionou foi um colega de longa data, vizinho de gabinete. Por vezes dizíamos, os outros, que ele já estava em counting down, já a marimbar-se para cegadas. E ele contava que a mulher, professora, já estava em casa e queria que ele fosse fazer-lhe companhia. A pedido da empresa, foi ficando. Até que lá foi. No último dia, eu não estava, contaram-me que fez uma coisa espantosa: apareceu com a mulher, os filhos, a nora e o neto. Quis mostrar-lhes onde tinha passado grande parte da sua vida.

Não muito depois, não há muito tempo, liga-me uma colega, creio que num sábado à noite: em choque, disse-me que ele tinha morrido. Nem consegui acreditar. Nem ela, dizia-me, a voz trémula. Uma morte, por sinal, tristemente mediática. No espaço de minutos sucederam-se as mensagens e os telefonemas. Ninguém queria acreditar. Um ataque fulminante. Não se tinha enervado, não tinha tensão alta, doença que se lhe conhecesse. Simplesmente caíu morto. Por um lado, uma morte santa mas, por outro, uma coisa que quase tira sentido à vida que se viveu.


Entretanto, durante a complexa reunião da tarde, um sms que lá consegui espreitar à socapa. O bebé de gorrinho, a caminho de casa. Nem dois dias depois de nascer, alta. Apetecia-me desligar-me da reunião e ficar ali a ver fotografias deles todos.

Já de noite, telefonemas enquanto conduzia e a vontade de os ir ver. Lá fui prometendo que vou tentar não estar sempre lá caída.

A maninha, que até parece mais crescida, toda maternal com o bebé ao colo. Uma ternura. O ex-mais novo desatento. Mais bebé menos bebé. Ainda há dias lhe tinha nascido uma prima, pouco tempo antes, uma outra. O meu filho a cozinhar frango no forno, um cheirinho bom a comida, os três meninos ali no sofá, o pai e a mãe todos contentes. Um casulo de serenidade e harmonia. E eu enlevada. 

Agora, já arrumei umas coisas cá em casa, já passei umas coisas a ferro, já jantámos. Cheguei ao sofá cheia de sono.


Em que altura uma pessoa deve começar a pensar que está na altura de se preparar para mudar de vida? Ou não é assim que isso funciona? Chega um dia e bye bye, por aqui me desbaldo...? Também não, acho eu. Não sei. Também não me apetece agora falar nisto. Ainda falta muito tempo para atingir a idade da reforma, nem vale a pena perder tempo a pensar em tal coisa. 

Seja como for, também não me apetece comentar o que quer que seja da actualidade. Fiz zapping. Sempre a mesma coisa: futebol, debates, telenovelas, a quinta, passadeira vermelha, Pedro Adão e Silva, Rui Tavares, um outro em que não reparei a debaterem. Não me apetece ouvir ou ver nada disso. Pus na 2, um programa sobre a China, parece-me. Mas também não me apetece perceber de que se trata.


Preciso de uma música lenta. Talvez também de imagens silenciosas.




Ou palavras rodeadas de silêncio e de azul.



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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.

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