Aqui há dias li, já nem sei onde, uma coisa que me pareceu bem: que as pessoas são espíritos que transitoriamente se alojam em corpos que esses, sim, são passageiros. Ou seja, entram num corpo, ficam nele até esse corpo sucumbir, ficando, então, livres para se alojarem num qualquer outro.
Sou por natureza, formação e profissão completamente racional.
Contudo, há em mim um espaço disponível para acolher ideias que não entendo ou não tenho como explicar. Admito que possa acontecer que, um qualquer dia, a ciência venha a explicá-las. Assim é com isto da vida, da morte, do sentido do ser. Nada sei sobre o assunto. No entanto, admito como prováveis algumas hipóteses muito pouco evidentes à luz do que hoje sabemos.
Contudo, há em mim um espaço disponível para acolher ideias que não entendo ou não tenho como explicar. Admito que possa acontecer que, um qualquer dia, a ciência venha a explicá-las. Assim é com isto da vida, da morte, do sentido do ser. Nada sei sobre o assunto. No entanto, admito como prováveis algumas hipóteses muito pouco evidentes à luz do que hoje sabemos.
Mário Soares.
Não me parece que o velho combatente tenha morrido.
Vou tentar falar no passado apenas para que o texto soe coerente face às notícias que dão conta da sua morte. O corpo estava cansado, a mente, que tão vibrante foi durante anos, estava como que saturada. Mas, para todos que o conhecemos, ainda que de longe, está vivo.
Não me parece que o velho combatente tenha morrido.
Vou tentar falar no passado apenas para que o texto soe coerente face às notícias que dão conta da sua morte. O corpo estava cansado, a mente, que tão vibrante foi durante anos, estava como que saturada. Mas, para todos que o conhecemos, ainda que de longe, está vivo.
Vejo-o na televisão enquanto escrevo. Uma bela entrevista, na RTP 1, conduzida por Fátima Campos Ferreira. E a vida dele transborda, a sua imensa vitalidade, a sua jovialidade, irreverência, a sua tolerância, carisma, inteligência, a sua coragem, a sua capacidade de intuir o que ainda mal tinha começado a desenhar-se no horizonte.
Há uma intemporalidade na sua capacidade de lutar pela democracia e pela liberdade. Sempre vi Mário Soares na linha da frente -- desde o 25 de Abril (e é sabido que antes disso) até aos últimos dias da sua vida lúcida.
E há o que sempre muito me agradou: uma altivez que o colocava num patamar superior ao das fracas figuras da baixa política.
E há o que sempre muito me agradou: uma altivez que o colocava num patamar superior ao das fracas figuras da baixa política.
Ao longo dos muitos anos em que se manteve na ribalta, nunca me senti envergonhada ao vê-lo em acção.
Nunca o vi rebaixar-se, nunca se colocou numa posição subalterna fosse perante quem fosse. A sua atitute confiante e desprendida, a sua capacidade de lutar como um leão, o seu charme, a sua bonomia e a sua determinação tornaram-no, desde sempre e em qualquer circunstância, uma figura política maior.
Desde o nome, cheio de vogais abertas, até à sua figura física, todo ele era uma figura solar. O seu riso, o seu amplo gesticular, a sua assinatura franca, tudo nele é solar, luminoso, iluminador.
O seu exemplo, as suas imagens, as suas palavras serão sempre recordadas e estou certa que o povo saberá sempre honrar a sua memória, mantendo-a viva, vigilante. Sempre que algum espírito medíocre pretenda atentar contra a liberdade ou a democracia, espero que nos lembremos sempre de Mário Soares e de como, em idênticas circunstâncias, se levantaria para enfrentar os riscos, dando o peito às balas, erguendo a voz, o punho.
Como apontamento pessoal que, para o caso é absolutamente insignificante, recordo o seguinte: embora identificando-me politicamente com as suas causas, dado que não sou militante ou activista política nunca estive em comícios ou manifestações ou o que quer que seja onde ele estivesse presente. Mas lembro-me de, um dia, estar a passar à frente da Biblioteca Nacional e me cruzar com ele, vindo ele da sua casa ali ao pé. Uns passos à frente, voltei-me para trás, para o ver. Estava ele também virado para trás para me olhar. Segui em frente e pensei que era, então, verdade que ele, não obstante ser marido amantíssimo da sua querida mulher, Maria Barroso, companheira incondicional de toda a vida, era um apreciador de mulheres. Quando me lembro dele, essa sua imagem vem-me à ideia.
Sou amiga de uma pessoa que lhe foi próxima e que sempre me falava dele, contando episódios pessoais que revelavam o seu lado de bon vivant, de bom conversador, o seu mau génio, o seu bom génio, a sua graça, a sua amizade.
E essa imagem de ser humano cordial, polémico, mesmo truculento, divertido, junta-se à de político livre, democrata, corajoso. Soares é fixe sempre foi uma sua imagem de marca. O Bochechas, outra. E qualquer delas mostra o afecto que os portugueses sempre sentiram por ele. E sempre sentirão.
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Como todos os grandes navegadores, Mário Soares não esperou pelo vento de feição e bolinou para encontrar o vento necessário para seguir o seu rumo, sem nunca errar quanto aos pontos cardeais nem tergiversar quanto ao porto de destino.
Quem o diz é António Costa num tocante artigo no DN que termina assim:
Não há ninguém insubstituível? Sei que ninguém substitui Mário Soares no lugar que é seu na história do Portugal democrático.
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Permito-me ainda recomendar a leitura do artigo de António Valdemar no Expresso: Soares, tal e qual. O episódio que envolve Natália Correia é suculento. Mas todo o artigo, de tão pessoal, nos aproxima mais do homem Mário Soares.
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Concordo. Devemos-lhe a liberdade democrática e isso é muito, trouxe muita consequência boa para os portugueses.
ResponderEliminarVi essa entrevista, em repetição, esta noite, à Fátima Campos Ferreira, assim como uma outra, que se lhe seguiu (e agora o tal debate com Cunhal). Foi uma entrevista extraordinária, sobretudo ao revê-la hoje. Muito se tem disto, em particular hoje, que ele partiu, sobre Mário Soares. Como toda a gente e como alguns grandes políticos – porque uma coisa é um político vulgar, que vai encher o caixote do lixo da História, outra, ser-se um grande político, como foi Mário Soares – teve defeitos e qualidades. Numa grande figura política, o que sobressai e que se recorda, quando nos deixa, são, sobretudo, as suas qualidades. Políticas, sociais, humanas, intelectuais, entre outras. Foi o caso de Soares. Soares foi uma grande figura política, que congregou todas essas características. E a quem muito devemos, politicamente. Este país tem tido a “fortuna” de ter tido muitas figuras ilustres, na Literatura, na Poesia, na Ciência, na Medicina, nas Artes, na Música, no Desporto e noutros sectores – mas, também, na Política, onde Mário Soares se destaca entre outros na nossa História. Fica-me a memória de grande ser humano, de um intelectual, de um Democrata, mas designadamente de alguém que, na Política, marcou a minha geração e quem lhe fiquei a dever bastante, mesmo discordando dele, ocasionalmente. Partiu hoje, mas a Posteridade continuará a recordá-lo, como merece ser recordado. Um belo Post, este que escreveu.
ResponderEliminarP.Rufino
Disse-o hoje, noutros sítios, mas não tenho outras palavras, devemos-lhe a ele, e a outros que lutaram com ele, mais do que podemos dizer.
ResponderEliminarExcelente post UJM. Para além do excelente texto no Expresso, Antonio Valdemar escreveu outro no Publico. Um registo da maior importância para nos ajudar a perceber como e porquê Soares se tornou há 50 e alguns anos na mais incontornável referência política dos 50 anos seguintes.
ResponderEliminarhttps://www.publico.pt/2017/01/07/politica/noticia/soares-65-o-anuncio-do-lider-1757481
Ao ler este seu episódio pessoal lembrei-me desta foto
ResponderEliminarPraia do Vau (Algarve). Fotografia de Alberto Frias
Mário Soares e Maria Barroso com a modelo holandesa Lola Conchita, a 1 de julho de 1986
O olhar dele para as mamas da modelo é delicioso
Beijos
GG
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