Depois das garotas do Pirelli 2017, continuo na companhia de garotonas bem vividas. Já conto o segredo de algumas mulheres que viveram para lá dos 100 anos mas primeiro vou aqui prescrever uns pontos. E, se não se importam, para irmos de visita ao texto, vamos na companhia da Natural Woman, Carole King.
1º - Não estou completamente segura de que seja uma grande coisa viver para lá da conta. Uma pessoa viver bem, autonomamente, na ligeireza de existir, distribuindo sabedoria e boa disposição é coisa boa. Boa mesmo. Mas viver tombando da tripeça, toda na dependência da generosidade alheia, sendo tratada como uma criança, vendo os mais novos a sorrir de condescendência como se cada bobagem fosse uma grande conquista, ter que esperar pela hora de mudar a fralda, isso aí parece dureza em que nem é bom a gente pensar.
Só de uma pessoa se ver desdentada, pêlo grande a sair do queixo, ouvindo, em surdina, um queixume por o raio da velha nunca mais dar à sola (parafraseando o disfuncional permanente Montenegro), já deve dar vontade não ter comido tanto ovo cru.
2º - Viver é bom -- e, até ver, pela parte que me toca não tenho razão de queixa. Ouço, por vezes, pessoas da minha idade invocando já algum direito ao descanso, como se os anos vividos fossem pilhas que se foram gastando, como se os anos vividos fossem tiros no submarino, no porta-aviões, como se já poucos tiros houvesse para disparar. Ouço-as como se eu tivesse metade da sua idade, eles declarando-se acabados e eu sentindo-me ainda aí para as curvas.
Isto da idade é genético ou tem a ver com o estilo de vida? Não sei. A minha mãe, oitentona, cheia de actividade, agora numa azáfama com as compras de natal em cima dos seus dois dias de ginástica e toda cheia de projectos de tricot e crochet, sempre com revistas cheias de modelos todos modernos, gerindo a casa e as suas contas, como consegue ela essa proeza? Foi operada a um cancro, tirararam-lhe metade do cólon, e dois ou três dias depois estava como se nada se tivesse passado. Vive quase prisioneira do meu pai que teve um AVC gigante há uns sete ou oito anos, nem sei, que agora acorda de noite a dizer que tem fome, que quer leite e bolo e que a chama, chama, sem a deixar dormir. E, no entanto, fala sempre a rir como se a sua vida fosse um mar de rosas. E, quando se refere a outras da idade dela, é capaz de dizer 'umas velhas' e ela não, ela não é velha. E tem razão, eu também não a vejo como velha.
3º - No outro dia, o meu filho e a minha nora -- que tinham ido ver os meus pais -- ficaram por aquelas bandas para irem jantar com uns amigos. Nós trouxemos os miúdos (ele com quatro, ela com seis) para virem jantar connosco. Uma vez que tinha vindo do campo, não tinha jantar em casa. Resolvemos ir comprar um frango de churrasco e arroz. Como estava a chover muito, eu fiquei no carro com eles. Claro que, acto contínuo, já estavam os dois na maior impaciência: 'e falta muito?', 'e quanto tempo é que o avô ainda demora?' e ela 'não sei o que estamos aqui a fazer! se tivessemos ido para casa, a esta hora já tínhamos jantado!' e eu 'mas jantávamos o quê, se o que estamos a fazer aqui é ir comprar o jantar?' e ele 'mas então, quando é que ele vem?'. Desliguei, desisti de responder a cada pergunta impaciente, certa de que não devia demorar muito. Até que o ouço dizer a ele, tom compungido, 'coitadinho do nosso avôzinho... tão velhinho... se calhar morreu...' Despertei. Como tínhamos vindo de casa dos meus pais, pensei que ele estava a falar do avô velhote, ou seja, do meu pai. Mas confirmei: 'Mas qual avôzinho tão velhinho é que se calhar já morreu...?'. Respondeu 'o avô J'. Ou seja, o meu marido. Dei-lhe logo um grito: 'ai...! credo, rapaz, mas que ideia é essa? vira essa boca para lá, morreu lá agora, está só à espera que o frango esteja assado, credo...'. E ele 'é que já há tanto tempo sem aparecer...'. Lá lhe expliquei que entre atravessar a rua, ir à churrasqueira, esperar pelo frango, pagar, etc, o tempo ia passando. Ouviu com atenção. Passado um bocado, o tom mudou 'Estou furioso! Quando é que aquele cabeça de bacalhau vem?!'. Desatei a de rir. E depois, já sem os conseguir ouvir mais, resolvi ir, mesmo à chuva, ter com o avôzinho velhinho, coitadinho.
Mas fiquei a pensar: será que os miúdos nos vêem já mais para lá do que para cá? Ou aquilo terá sido um estado de alma passageiro? Não sei. Sei que, na idade deles, achava os meus avós já velhos. Mas, se vir fotografias deles, acho mesmo que eram pessoas de idade, nada a ver com o que eu e o meu marido hoje somos. (Digo eu).
Mas, na volta, tudo erros de paralaxe.
4º - E tudo para falar de decana da humanidade. A italiana Emma Morano fez esta terça feira 117 anos. Imagine-se uma coisa destas. E, curiosamente, atribui o fenómeno à sua dieta, em tempos prescrita por um médico: come 3 ovos por dia, 2 dos quais crus. Também pequenas doses de carne. Frutos e legumes são quase nenhuns.
Pasmo, juro que pasmo. Tudo o que se sempre se ouviu dizer que fazia mal.
Também podia referir a francesa Jeanne Calment que morreu com 122 anos. Dizia ela que, para além do seu capital genético, a vida longa se devia ao desporto e a um cálice de Porto por dia.
Ou a escocesa Jessie Gallan que viveu até aos 110 anos e que atribuía a vida longa à distância que mantinha dos homens os quais, segundo ela, só serviam para dar chatice.
Ou ainda a americana Susannah Mushatt Jones que viveu até aos 116 anos, dizia que dormir bem e ter uma vida dalai-lamiana, peace and love, é que lhe garantia a longevidade já que daí lhe vinha a energia positiva que a alimentava.
Receitas há muitas. Mas não sei se os efeitos secundários são fatais pois há mais que patinam (por isto ou por aquilo) do que as que ultrapassam a meta.
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Por isso, que se lixem as mezinhas e que cada um tente a sua sorte como souber e que saiba ser feliz enquando puder.
E eu vou agora beber um copo de leite magro, morno, e vou dormir porque a noite passada dormi pouquíssimo e não faço outra coisa senão estar para aqui, de minuto a minuto, a adormecer. Faço ideia o texto, deve estar todo cheio de falta de letras, uma espécie de dentes em falta numa boca a céu aberto. Mas não consigo rever o texto, não mesmo.
[Tanto comentário e tão desafiante tenho nos posts de ontem e eu, que queria tanto responder e ver se tirava nabos da púcara de uma Leitora super misteriosa, tenho um corpo que só me puxa para a cama.]
[Tanto comentário e tão desafiante tenho nos posts de ontem e eu, que queria tanto responder e ver se tirava nabos da púcara de uma Leitora super misteriosa, tenho um corpo que só me puxa para a cama.]
Great Basin bristlecone pine -- Pinus longaeva
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As meninas das fotografias são as citadas no texto.
E antes que me quede por aqui, a dormir a sono solto no sofá, tenho mesmo que me ir.
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Acredito no desporto e no espírito positivo que ajuda a compor, seja qual for a prática, mesmo que seja só cada um mexer-se a andar. Também creio que os homens são o quebra cabeças do corpo de cada mulher que os tenha, mas uma vida inteira sem eles é demasiado monástica e desinteressante. Portanto, há que ponderar a questão: levam-nos uns anos de vida, mas deixam outros com sabor a futuro. Vale a pena? E depois cada uma responde segundo os seus interesses.
ResponderEliminarAinda bem que as mulheres vivem mais. Mas a mim pouco interessa viver muito. Eu quero é ser uma velhota dona de mim. Se não o conseguir, dêem-me qualquer morte rápida. E serei grata lá do Olimpo onde de certeza vou subir em linha recta e sem desvios.
De toda a maneira, um cálice de Porto parece-me melhor que os ovos, anima (tenho de ver é se bebo num cálice de bebidas doces senão fico bêbada para o dia; e talvez nem fosse mau, foi objectivo em incumprimento na minha juventude e havia de me pôr a ver a realidade de outro ângulo. Pelo sim pelo não, vou passar a comer gemadas:). E vou andar. E matricular-me de novo em pilates. Há-de dar algum resultado. Nem que seja pôr-me mais bem disposta e aliviada de carteira:)
E tenha um Bom Dia
Voltei para agradecer a voz e a música. Estão muito bem.
ResponderEliminarLi com particular interesse este seu último Post. Esta questão da idade é de facto um problema e, por vezes, um problema muito complicado, sobretudo quando a saúde acaba por ter o seu papel. Segui o que referiu com seus pais e agora que me confronto com a situação dos meus, ainda sinto uma maior compreensão e até especial atenção (e carinho) por tudo isso que descreve. No caso de meus pais, ou nossos, visto sermos vários irmãos, a coisa foi-se deteriorando, ultimamente, inicialmente de forma gradual, mas agora, acentuada. Com ambos. Estive lá, há dias, na casa onde passaram e bem, a viver, em nossa opinião (entre irmãos), na Beira-Alta (após terem vendido a de Lisboa, onde tinham um apoio menor de pessoal) e fez-me impressão a degradação física em que têm vindo a cair – por razões de saúde e de idade. Se há alguma coisa que, julgo eu, não estamos preparados, é assistir à degradação física dos nossos pais. Custa e muito (e você, UJM, pelo que vou lendo de si e dos seus pais, deixa transparecer isso mesmo, de uma forma que nos toca. Admiro a ternura que sente por eles!). Apesar do apoio de funcionárias que ali têm (embora não a 100% do seu tempo), nada lhes pode devolver a dignidade que antes tinham. Numa dessas noites, recordo-me de os ter ajudado a deitarem-se e depois ter ficado na sala de estar, a ler (o que não consegui) e ali fiquei a relembrar os bons tempos em que por ali andavam, cheios de saúde, connosco e os netos. Como têm uma série de fotografias em diversas molduras, voltei a olhar para elas e custou-me revê-los, cheios de saúde, ela (minha mãe) muito bonita e ele (meu pai) um homem muito elegante e sabendo-os no estado em que se encontram hoje, custou-me recordar todo aquele passado. Um passado feliz e alegre, que passámos juntos, entre pais, irmãos, netos, sobrinhos. E que hoje, por força das circunstâncias, já não será mais possível. Como dizia, numa conversa entre irmãos – nós reunimo-nos com regularidade para falarmos sobre os nossos pais – temos de nos ir preparando para o inevitável. E custa, pensar nisso. Muito. Entre nós, estabelecemos um regime de todos os meses cada um de nós estar lá por uns dias para os ver e lhes dar alguma alegria, conforto e convivermos. Eles assim preferem, terem um de cada vez, para poderem ter visitas nossas, regulares. Mas, sempre que de lá regressamos, parece que o coração se nos parte, ou algo de nós fica por lá. Até a voz deles, ao telefone, sempre que falo com eles, se vai esvaziando, de tão baixo que já falam. É estranho, mas é verdade. E, com a idade, estão estão ainda mais carinhosos connosco. Dizem-nos coisas que nunca antes disseram. Aquilo que sentem por nós. Como que a quererem deixar um registo deles, para depois de partirem, um dia, em breve. A saudade de não estarmos lá, naquele momento, por exemplo. Sobretudo ao telefone. Talvez por serem mais contidos, na nossa presença. Mas, estando ausentes, vem-lhes aquele afecto, aquela saudade, agora cada vez mais imensa e transmitem-me (ou nos, a meus irmãos também) o que sentem por nós. Outro dia, tive de me conter para não me comover com uma conversa de meu pai ao telefone, que me ligou só para me dizer que já tinha saudades de mim, depois de eu os ter deixado, uns dias antes (seguiu-se um de meus irmãos e lá ficaram mais felizes). Fica-me a impressão que se vão despedindo, aos poucos, de todos nós. E é verdade, tendo em conta a idade deles. Com a saúde, cada vez mais desgastada, essa eventualidade é cada vez mais uma realidade. Por mim, preferia morrer cedo. Não gostaria de me ver a decair assim. É curioso, mas nunca antes fui capaz, talvez por inibição, ou sei lá por que outra razão, de abraçar meus pais como agora o faço. Talvez por saber que um dia destes os irei perder. De vez! A vida é assim. Todos temos um dia de partir. Custa, muito, para quem cá fica, mas que fazer?
ResponderEliminarP.Rufino