Não me dá para fazer selfies. Já, por várias vezes, aqui o disse. Não me reconheço como motivo de interesse.
No entanto, já algumas vezes fotografei o intangível reflexo de mim. Explico-me, não vá pensar-se que é alguma coisa transcendente. Não. É simples. Por vezes, quando caminho lá na minha terra, gosto de ver a minha sombra projectada na rocha da barreira. Quase me vejo impressa naquelas pedras de que tanto gosto e imagino que gostaria que os átomos que flutuam à minha volta nelas se depositassem indelevelmente, quase como se uma parte de mim para sempre ali ficasse. Então, fotografo essa imagem, como que querendo fixá-la para todo o sempre. Outras vezes, caminho ao fim do dia junto ao rio e a luz quase horizontal projecta a minha sombra no caminho que percorro ou nas paredes decadendes que me acompanham e eu gosto também de pensar que aquele lugar guardará a memória de mim. E, então, fotografo a longa sombra dessa mulher que gostava de se misturar com as coisas e, fotografando-a, parece que estou a fotografar a sombra de outra que não eu, talvez apenas o meu decalque, talvez o que, de mim, fica nos outros.
Também já me aconteceu estar a passear num sítio de que gosto, pr exemplo a ver a montra de uma livraria ou de uma galeria, e apetecer-me fotografar a minha imagem reflectida no vidro, indefinida, o rasto de uma mulher que se perde por livros ou por coloridas figuras abstractas.
Não sei se isso são selfies, acho que não, acho que isso é apenas tentar registar o meu fugaz e anónimo rasto.
Quando pintava, também nunca me deu para me tentar reproduzir. Não saberia como.
Despida? Nua, rosto nu, olhando-me de frente, no mais fundo da minha alma, tentando captar uma essência até essa altura de mim própria desconhecida?
Ou coberta por véus? Um vulto apenas?
Ou pintada, disfarçada, a rir de mim própria?
E, no entanto, a toda a hora, em todo o lado, pessoas auto-fotografam-se como se a demonstração física da sua existência, da sua presença num determinado lugar ou junto a outra pessoa ou o registo do seu sorriso com uma paisagem em fundo fosse relevante para si e para os outros.
Mas será?
Não deve ter havido alguma vez na história um tal amor pela sua própria imagem, um verdadeiro culto de si próprio. Gostava de o perceber.
Mas será?
Não deve ter havido alguma vez na história um tal amor pela sua própria imagem, um verdadeiro culto de si próprio. Gostava de o perceber.
Que não se pense que o estou a criticar. Não estou. Apenas não o compreendo, é uma realidade que me é estranha. Tendo a achar que quem tanto se auto-aprecia talvez descure um pouco a atenção pelos outros ou pelo mundo que o rodeia. Mas posso estar enganada.
De resto, não é de agora. Desde sempre algumas pessoas se auto-retrataram e, muitas vezes, pela simples razão da falta de modelo.
Nestas minhas noites em que descanso de dias longos e cansativos deixando-me estar aqui a deambular pelos caminhos do pensamento, apeteceu-me estar a ver auto-retratos. Se não fossse já tão tarde tentava colocar ao pé das imagens que escolhi, imagens dos autores em poses mais normais, para perceber até que ponto se ficcionaram ou camuflaram quando se retrataram.
Coloco apenas um auto-retrato de Amrita Sher-Gil e uma fotografia que a mostra pintando. São a mesma pessoa, não há dúvida. E, no entanto, se não o soubéssemos, certamente não nos aperceberíamos disso. Não me espanto. Eu também não sei se a mulher que me olha, quando me olho ao espelho, sou eu. Tenho dúvidas. Muitas dúvidas.
Por ordem, as imagens são de: Cindy Sherman, Auto-Retrato como Madona, 1975; Sopina Yulia, 2008; Judith Leyster, 1630; Edith Mitchill Prellwitz, 1909; Louise Élisabeth Vigée Le Brun, 1781; Amrita Sher-Gil, 1930
E, como bem lembra o Fernando Ribeiro em comentário abaixo, a nossa grande Aurélia de Sousa,
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Nestas minhas noites em que descanso de dias longos e cansativos deixando-me estar aqui a deambular pelos caminhos do pensamento, apeteceu-me estar a ver auto-retratos. Se não fossse já tão tarde tentava colocar ao pé das imagens que escolhi, imagens dos autores em poses mais normais, para perceber até que ponto se ficcionaram ou camuflaram quando se retrataram.
Coloco apenas um auto-retrato de Amrita Sher-Gil e uma fotografia que a mostra pintando. São a mesma pessoa, não há dúvida. E, no entanto, se não o soubéssemos, certamente não nos aperceberíamos disso. Não me espanto. Eu também não sei se a mulher que me olha, quando me olho ao espelho, sou eu. Tenho dúvidas. Muitas dúvidas.
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Se amanhã estiver para aí virada, voltarei ao tema mas com auto-retratos masculinos, alguns bem blasfemos, outros bem divertidos.
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Por ordem, as imagens são de: Cindy Sherman, Auto-Retrato como Madona, 1975; Sopina Yulia, 2008; Judith Leyster, 1630; Edith Mitchill Prellwitz, 1909; Louise Élisabeth Vigée Le Brun, 1781; Amrita Sher-Gil, 1930
E, como bem lembra o Fernando Ribeiro em comentário abaixo, a nossa grande Aurélia de Sousa,
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Lá em cima Buika interpreta 'En Mi Piel',
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Yury Yanowsky - Smoke and Mirrors
(Boston Opera House)
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E desçam, por favor, para verem genuínos momentos de amor e carinho.
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Olá UJM, eu gosto muito de ver auto-retratos. Pela mesma razão que gosto de ler diários e cartas. Permitem-nos entrar dentro da cabeça dos autores. Não acho que sejam selfies pintadas a óleo. São mais como as suas auto-fotografias, ideias com uma pitada de imagem. Rita
ResponderEliminarFalta uma portuguesa. Aqui está a grande Aurélia de Sousa: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Self-portrait_(Aurelia_de_Sousa).jpg.
ResponderEliminarCaro Fernando Ribeiro,
ResponderEliminarDone. Ou seja: já lá está.
Bem lembrado. Obrigada!
E um grande dia para si.