quinta-feira, junho 30, 2016

Uma mulher com máscara de gata




Um dia disse-te que um dia falaria. Pediste: não. Não te respondi. Sabes, deverias saber desde sempre, que um dia eu falaria. Não poderias esperar que, para sempre, vivesse sob esta máscara que um dia me ofereceste, sem saberes que ela se iria colar a mim.

Pensaste que eu me limitaria a esperar por ti, pelos teus humores, que me limitaria a compensar as tuas atitudes inconsequentes e infantis com devaneios, talvez até com uma ou outra recaída nos braços efémeros de outros inúteis como tu. Pensaste. Sempre pensaste segundo os teus imaturos e idiotas padrões, não foi?

Não percebeste que eu não sou a gatinha doce que gostas de acariciar e depois maltratar? Não percebeste, pois não?

Julgavas que eu estaria aqui sempre à tua espera? Julgavas? Julgavas que, enquanto dormias, eu ficava num canto à tua espera, talvez olhando os horizontes infinitos, talvez as longínquas serranias? Ou lendo, ou sorrindo ao céu e às nuvens que passam?

Fingias não perceber as minhas saídas, ou, se mostravas conhecê-las, mostravas desprezo, como se tudo o que eu pudesse fazer fosse desprezível. Mostravas desprezo, oh pobre idiota, como se não percebesses o desprezo crescente que eu ia sentindo por ti. Pobre, pobre idiota.

Querias que eu falasse para te entreter, para que tivesses pretexto para me fazeres ouvir-te. E eu fazia o que tu me pedias, eu queria o teu bem. Mas nem isso percebeste, pois não? Oh pobre, pobre idiota.

Eu colocava a máscara com que gostavas de me ver fantasiada, eu deixava que me olhasses e te iludisses, eu deixava que tu pensasses que eu te queria bem. Porque eu te queria bem. Apesar de tudo, eu queria-te bem, talvez até te amasse. Mas nunca percebeste isso, pois não? Sempre tão cheio de ti, sempre só tu, tu, tu. Tu e a mulher com a máscara. Eu, a mulher da máscara.

De vez em quando, senti que suspeitavas mas sempre tiveste medo de perguntar. Cobarde. Pobre, pobre cobarde.

Quem te julgas, tu, pobre homem que não sabes amar uma mulher? Tu que não sabes ser amado por uma mulher? Quem te julgues tu, pobre, pobre idiota?

Eu disse-te: um dia digo-te tudo.

Não. Pediste. Não. 

Mas eu digo-te. Há um mundo lá fora, sabes? E é lá fora que eu vivo, eu a mulher com a máscara que um dia ofereceste e com a qual tanto gostas de me ver fantasiada.

Olhavas para mim, dizias-me poemas, sonhavas comigo, desejavas-me -- não digas que não, oh não digas, que o teu desejo era tão visível -- e querias ter-me nos braços, imaginar-me disponível para te ouvir, para te amar. E julgavas que eu não tinha vontade, que a minha vontade era estar disponível para ti. Coitado, coitado.

Mal te sentia a dormir, eu evadia-me do teu casebre, entrava no mundo, esgueirava-me pela porta secreta, subia a escada que me levava ao paraíso e juntava-me a outras como eu, a mulheres que gostam de homens que gostam de mulheres clandestinas, a homens que gostam de prazeres secretos, desconhecidos como eu. Homens e mulheres sem nome, como eu.

Não, pobre idiota, não rias. Poderia dizer-te que ali se discutem e tomam as grandes decisões que mudam os destinos do país, poderia falar-te de como são belas as vozes que dizem poemas roucos como gritos de amor, poderia, até contar-te como são acesas as lutas em torno de ideais, de sonhos, de como por ali passa a grande e a petite histoire. Mas poderia estar a mentir-te porque a ti não me apetece sequer dizer-te a verdade. Que sabes tu da vida, pobre, pobre idiota? Que sabes tu de como a adrenalina que a mente ordena faz vibrar os corpos? Que sabes tu dos instantes de abandono e felicidade? Que sabes tu de alguma coisa?

Por pena, poderia contar-te. Mas não o compreenderias. Tu, pretenso rebelde, insurgir-te-ias, dir-me-ias perdida, louca, acusar-me-ias de orgias - e que mal têm as orgias? -, mostrarias, uma vez mais, desprezo. Pois mostra, estás à vontade, quero lá eu saber do que pensas.

Olha, sabes?, se quiseres, um dia levo-te lá.

Ofereço-te eu uma máscara. Irás, pobre idiota, ver o mundo que desconheces. Irás ver como eu sou quando vejo la vie en rose. Irás ver-me em momentos de prazer como nunca me viste. Verás como me amam os homens e as mulheres que me amam como tu, pobre, pobre idiota, nunca foste capaz de me amar. Poderás dizer que não, que aquele é um lugar de falsos prazeres solitários, falsos porque partilhados, de voyeurs, poderás dizer que é um antro de taras e loucuras, poderás dizer o que quiseres que a mim tanto me dá. Sabes lá tu, pobre idiota, o que penso ou sinto?

Pobre coitado. Para que estou eu a dizer-te isto? Para quê se não percebes nada, nem de mulheres nem de afectos nem de prazeres nem de nada? Pobre, pobre idiota.

Olha, se quiseres ir lá ver-me, inscreve-te no clube. Se te aceitarem - o que duvido, pobre idiota -talvez até me divirta a tentar descobrir-te no meio dos outros mascarados, talvez, até, deliberadamente seduza outros fingindo que é a ti que estou a tentar seduzir. E, mesmo que tenha a certeza que és tu, podes ter a certeza que farei de conta que não te conheço, talvez assim consiga suportar o tédio que exalas.

Ou não. Talvez simplesmente me deixe tocar para que me vejas como nunca me viste, uma mulher gata, uma mulher cujos gemidos atravessam a noite.

_____

E agora, se quiseres que eu te recomende para que te deixem entrar no clube, pobre, pobre homem, faz por me agradares.

Não sabes como? Claro que não sabes. Nunca o saberás. Olha, nada esperes mas fica a saber que te concedo uma última oportunidade, não para algum dia me teres mas para eu continuar a olhar com comiseração para ti: diz-me um poema, ao meu ouvido, mas diz devagar, devagar, vá, lenta, lentamente. Deixa que eu sinta a tua respiração, deixa que eu sinta o latejar do teu sangue, o latir do teu coração, deixa que a tua voz entre docemente em mim, deixa.

Diz. Um qualquer. Pode ser este:
My mistress' eyes are nothing like the sun;
Coral is far more red than her lips' red;


___________________________________

Texto inspirado no artigo:

INSIDE A HAMPTONS SEX PARTY FOR THE ELITE da Harper's Bazaar, 

Jenna Sauers, Jun 28, 2016


[For the first time, London-based ​Killing Kittens brought its upper-class orgy to an exclusive East Hampton estate. Armed with La Perla ​lingerie and an open mind, one writer decided to investigate.]


____

1 comentário: