segunda-feira, maio 30, 2016

Sodoma divinizada


Como descrevi no post abaixo, com um sol ameno, um mar muito azul e gaivotas all over, é com prazer que me entrego à doce preguiça de existir e de ler.

O livrinho que estou a ler é dos que me sabem a doce rebuçado, talvez daqueles de Portalegre, muito bem confeccionados, bem apaladados.

Tenho estado aqui a ver se encontro um excerto que seja bem elucidativo mas acho que vou limitar-me a copiar o início e o fim justamente do texto que dá título ao livro.

Como supor que um poeta tenha um laboratório e sobretudo - para quê?
Mesmo quando faz ciência, o poeta não põe óculos - põe asas.
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Publicou o Sr. Álvaro Maia no Contemporânea um artigo bastante infeliz, criticando um do meu querido Fernando Pessoa sobre a bela individualidade de António Botto. Nesse artigo o Sr. Maia, sem argumentar, cobre o autor das Canções de insultos os mais grosseiros. E através duma pretensiosa e falsa erudição em que só se sente o vazio, não havendo na sua obrinha a mínima substância, não havendo enfim, nada, o Sr. Maia chega ao ponto, na sua bílis invejosa e despeitada perante a alheia formosura do corpo e do espírito que ele, coitado, não pode possuir, chega ao ponto, digo, de negar talento e arte ao grande poeta que é António Botto.

António Botto
Ora mais respeito pelos artistas, Sr. Maia. O senhor não tem o direito de cuspir na Arte lá porque é torto e feio. Se Deus lhe deu essa figura por alguma coisa foi e nessas condições o senhor, que se diz tão religioso, submeta-se sem revolta, sem gestos abomináveis de bílis plebeia, à vontade divina.

António Botto está já consagrado na alma de Fernando Pessoa, uma das mais altas individualidades de toda a nossa literatura, tão rica de Espíritos.

(...) não é para defender António Botto que aqui estou. (...) O que eu quero é precisamente atacá-lo nessa crítica tão insensata quanto vazia.

A propósito da bela individualidade de António Botto, o Sr. Maia ataca a luxúria e a pederastia, Obras Divinas. Incapaz de sentir os prazeres altíssimos da Carne-Espírito que o Verbo consagrou, ataca-os duma forma vil e tola. Como a Razão herética, filha da Serpente e do Anticristo, contraria o delírio da carne divinizada que é uma expressão de loucura bestialmente espiritual a negar a Razão, sacrílega anti-Loucura, anti-Vertigem, o Sr. Maia, esquecendo-se de que o racionalismo é filho dos últimos séculos de heresia e livre exame, enaltece-o encomiasticamente só para satisfazer a sua bílis contra a vertigem luxuriosa da Vida, antítese da Razão.(...)

O pederasta e luxurioso alheado das cousas divinas não é digno de censura por ser pederasta e luxurioso; é-o apenas como quaisquer outros homens  - o do lar, o comerciante honrado, o escroque por não exercer o vício misticamente.

Mas quem o pode hoje exercer no ambiente terreno, naturalista das nossas cidades e em que os nossos companheiros do vício se alheiam de Deus, sua própria essência?... Criem-se templos de Luxúria em que esta tome uma feição litúrgica e só então surgirá o verdadeiro sensualismo místico que há-de exprimir a divinização do Mundo, a divinização de Sodoma estabelecida exaltadamente pelo Verbo e pelo Espírito Santo de Deus!


[Excerto de Sodoma Divinizada - Leves reflexões teometafísicas sobre um artigo, por Raul Leal (Henoch)]

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A legenda da primeira fotografia das gaivotas é uma afirmação da autoria de João Chagas a propósito de Guerra Junqueiro que em 1904 'vai pôr o mundo científico de Paris ao corrente de trabalhos sobre rádio, feitos no seu laboratório' e faz parte do capítulo 'Cronologia, ou quase' do livro Sodoma Divinizada de Raul Leal, organização, introdução e cronologia de Aníbal Fernandes da ed. Guimarães.
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Lá em cima Bryn Terfel & Renée Fleming interpretam Là ci darem la mano (Mozart)

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E aceitem, por favor, o meu convite e desçam até ao azul do sol a sul.

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1 comentário:

  1. <>

    O spoetas têm um grande laboratório:
    a sua capacidade de ver a vida de todos nós de outro modo
    de transformar toda aquela panóplia de tubos e tubinhos, de cores, sais e fumos
    em palavras que podemos afagar quando a vida quotidiana nos atormenta.

    GG

    PS: não tenho nenhum poema de Raúl Leal. Vai sair já um bem frequinho para amanhã

    ;)

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