segunda-feira, abril 18, 2016

Solar dos Zagalos
- ou a prova de que somos um povo que não se dá ao respeito, uma gente que não sabe valorizar o que tem de bom, um País que, na maior passividade, despreza o que deveria abraçar, um País sem visão estratégica.
Parece que nascemos para sermos pobrezinhos e parvinhos. Que raiva.


Pronto. Antes dos gregos já tinha feito uma máquina de roupa, já tinha feito sopa e arroz de frango e já tinha jantado. Ainda antes disso, tinha andado na passeota (e já conto por onde) depois de ter ido ver o mar e, imaginem, ter ido almoçar ao sol, refastelada numa esplanada perto da praia, onde se comem belos pitéus gregos. Justamente: gregos. Agora, depois dos gregos e das gregas, já arrumei roupas e papéis, já arrumei tralha que parece que muda de sítio sozinha, já escolhi a farpela para amanhã, já pintei as unhas (cor transparente) e, portanto, já estou de volta ao batente.

De qualquer forma, quem não seja dado a acompanhar os meus passeios, pode saltar já daqui para a palavra de dois ilustres Leitores cujas palavras relativas ao tema 'as mulheres de Atenas' abrilhantam o Um Jeito Manso.

Agora vou, então, dar conta do que visitei hoje de tarde. Volta e meia, do nada, ocorre-me ir ver qualquer coisa. Desta vez nem sabia se estava aberto ao público e, a bem dizer, nem sabia bem onde era. Mas a internet no telemóvel e o gps no carro levam-nos a todo o lado.

Lá fomos. Solar dos Zagalos. A única vez que, já lá vão uns bons anos, quisemos visitá-lo estava fechado, não me lembro se encerrado para obras ou se naquele dia não era dia de estar aberto. Hoje tivemos sorte.



Um guarda à porta, e um senhor simpático a tomar conta. Quando chegámos, estava uma jovem com duas crianças. Depois não a vi mais. Penso que nem terá ido ao primeiro andar. Mais ninguém. Um espaço imenso apenas para nós. Um desperdício.

O solar é enorme, muito bonito, e está inserido num espaço amplo e ajardinado, com múltiplos recantos, com desníveis, muros, bancos, um lago, ampla vegetação.


Por dentro, praticamente vazio. Em algumas salas umas cadeiras absurdas, cadeiras baratas com estofo verde, despropositadas naquele contexto. Tenho ideia que em algumas salas até cadeiras de plástico havia. 

Em várias salas há necessidade de manutenção, humidades, salitres. Dá muita pena ver um edifício destes neste estado de quase abandono.

Tem uma exposição de cerâmica e, numa das salas de entrada, uma exposição temporária com uma meia dúzia de peças bonitas. E penso que essas salas são as únicas que estão arranjadas de uma forma coerente e com dignidade. 




Contudo, o resto é quase confrangedor. Dói ver salas com aquela beleza, tectos pintados, azulejos, belos soalhos, uma arquitectura digna, e tudo vazio, com ar decadente, alvo da indiferença do mundo.

Diria eu, que tanta coisa banal tenho visto promovida a coisa valiosa, que um país ou um município que tenha a sorte de ter no seu património um edifício como este, se deveria desdobrar em criatividade para poder ter um espaço destes sempre vivo, pujante de actividades.


Aqui deveriam fervilhar artistas, actividades culturais de toda a espécie -- sessões e workshops de dança, sessões e workshops de música de todos os géneros (jazz, rock, clássica, etc), de teatro, grupos de leitura, exposições de pintura, escultura, fotografia, cerâmica, aqui deveria haver um bar com produtos de qualidade, aqui dever-se-iam fomentar encontros, palestras. 

Não haverá alguém que se proponha explorar aquele espaço numa perspectiva cultural? Não haverá fundos para a reabilitação deste edifício? 


O próprio senhor que lá estava me disse que as verbas são curtas e que as prioridades serão outras. Percebo. Entre intervenções prementes a nível de saneamento básico ou intervenção social, entre apoio escolar ou reparação de vias públicas, talvez que a recuperação e a activação cultural do Solar dos Zagalos seja prioridade quase nula. Contudo, esta é sempre a lógica perversa da mula do inglês a quem se foi cortando a ração, cortando a ração, até que morreu, ficando o seu dono pior do que estava antes.


O investimento na cultura, acredito eu e já o disse aqui tantas vezes que temo ser maçadora, é um investimento virtuoso. Este é o tipo de investimento que, sendo bem planeado e toda a sua exploração bem acompanhada, vai pagar-se e ainda gerar receitas suplementares. O turismo será sempre, e creio que cada vez, mais uma actividade económica fundamental para o país. E refiro-me não apenas a turismo nacional que tenderá a crescer mas, sobretudo, ao turismo internacional que vai encarando Portugal como um destino de qualidade, seguro, civilizado.


O tecto da sala de cima : Leda e o Cisne

O turismo de qualidade centrar-se-á cada vez mais em torno de actividades culturais ou na procura de lugares com história, onde exista oferta de 'produtos' de qualidade e serviços abrangentes (lugares para dormir, lugares para comer, lugares para fazer compras, lugares para passear, transportes).


No caso concreto do Solar dos Zagalos, há todas as condições para ser um pólo de atracção cultural. Está perto de Lisboa, perto das praias, perto de um grande centro comercial, perto de hotéis, junto a uma via rápida que dá acesso a auto-estrada, a comboios, a metro de superfície, a barcos, está perto do Convento dos Capuchos que pode ser encarado como outro importante pólo cultural.

E é tão amplo o espaço que, provavelmente, poderia albergar uma residência para artistas ou até um turismo de habitação.



Parte do tecto da capela acima

Bem mais de metade do que ganho vai para impostos e não me ouvem aqui queixar-me disso. Acho que esta coisa pública tem andado a ser gerida com os pés (ou melhor: com as patas) e os obscuros interesses financeiros têm posto e disposto, e feito de nós --  e de todos quantos se apresentam como uns mansarrões --  autênticos gatos-sapatos. Mas os mais desfavorecidos, os desempregados ou os que, por circunstâncias da vida, mais vulneráveis estão não têm culpa disso e têm direito a uma vida digna e a ter as mesmas oportunidades que os que têm tido mais sorte. Por isso, se tenho que trabalhar mais de metade do ano para nem cheirar o que ganho, pois que seja.

Parte do imenso jardim: tirando nós, apenas um homem sentado num banco.
Uma desolação ver um espaço desde sem vivalma.

Agora uma coisa tenho que confessar: custa-me ver como são míopes e pouco espertos aqueles que, de uma forma geral, estão à frente dos destinos do País, aos mais variados níveis, custa-me ver a forma pouco inteligente como usam o dinheiro dos meus impostos, dos meus e de toda a gente.

Ainda não há muito tempo estive em Óbidos. Contei-vos. As ruas cheias de gente, as lojas abertas e cheias, os hotéis cheios, os restaurantes cheios. Óbidos soube apostar na cultura, nos seus monumentos, nas livrarias, nas feiras. E ganhou a aposta.

Mas casos destes não são frequentes. De forma geral, o poder de decisão está entregue a burocratas, a funcionários, a gente acagaçada ou a yes men -- não a gente com mundo, com motivação, com uma visão de futuro ou, simplesmente, com os ditos no sítio (e aqui, não me refiro apenas a cidadãos mas obviamente também as cidadãs que, de forma geral, até os têm em melhores condições que os seus congéneres masculinos).
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Apesar de tudo, recomendo vivamente uma visita ao Solar dos Zagalos, nem que seja para verem como tenho razão, que é uma pena que aquele espaço não seja revitalizado. Ou para verem se descobrem maneira de pressionar a Câmara de Almada nesse sentido. Ou se têm qualquer outra ideia. E, de qualquer forma, verão que é um lugar muito bonito e com uns jardinas onde se pode estar no maior sossego a descansar, a ler um livro -- ou a não fazer nenhum que também é bom.


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Lá em cima, a música era Elegie for Viola and Piano Op. 30 de Henri Vieuxtemps, numa interpretação de Robert Diaz (viola) e Robert Koenig (piano)
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Aconselho-vos, ainda, a descer até ao post seguinte e a lerem as palavras de quem sabe do assunto. Dou a palavra a dois Leitores que sabem das Mulheres de Atenas mais do que os que estiveram lá para contar. E se, depois de terem lido o que se segue, ainda pensarem que, a partir do que lá se viveu, se poderão fazer comparações para a realidade actual só vos digo que darei carta branca ao Leitor José Neves para vos dizer que não!!!! até ao fim dos vossos dias. Combinado?

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3 comentários:

  1. Não conheço. Mas, fica-me alguma desolação pelo que nos diz aqui. Um dia destes vou até lá. Afinal, aqui tão perto! É pena casos destes não serem assim tão poucos, bem pelo contrário.
    P.Rufino

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  2. Um dos problemas do património em Portugal é que de tanto querer preservá-lo imaculado e sem estragos, deixam-no a estragar-se. Faltam festas, feiras, concertos, residências, actividades para as crianças e tantas outras utilidades que prolongariam com certeza a vida de muitos solares e jardins. Rita

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  3. É isso mesmo, Rita. Tem toda a razão.

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