quarta-feira, abril 06, 2016

Ando aqui num dilema


Agora que, a propósito dos Panama Papers, já falei nas vítimas dos offshores, já deixei informação de como passar informação para quem dela pode fazer bom uso e já trouxe para a nossa companhia o bom do João Vuvu e a sua mulher a dias entretidos numa prosa muito didáctica sobre pichas* (sic), partilho convosco um dilema que me traz aporrinhada.



Contextualizo. Não conheço pessoalmente praticamente ninguém que tenha um blog. Por isso, não posso testemunhar aquilo que se diz que muitas pessoas, ao escreverem, criam personas que pouco têm a ver com o que são na realidade. Ouço dizer que se apresentam como belas, elegantes e muito felizes e que, regra geral, são criaturas feias, baças, solitárias, tristes. Ou que se armam em desenvoltas e desempoeiradas e, ao vivo, são umas atadas, enjoadas, pouco entusiasmantes. Se isso é a regra, não sei.

Mas sei que, quando aqui escrevo, ou ficciono descaradamente e fica claro que estou a contar histórias inverosímeis ou, então, sou a escrever o que sou ao vivo.

Não faz parte da minha natureza ser hipócrita ou vendedora de banha da cobra. Se mantenho o anonimato, como já algumas vezes o disse, é apenas porque, trabalhando num grande grupo, não quero que as opiniões que aqui manifesto a título meramente pessoal se possam confundir com o que sou a nível profissional. Era o que me faltava que alguém andasse a dizer 'olha o que ela diz, trabalhando onde trabalha...' ou que os meus colegas se benzessem 'Jasus, c'a ganda maluca' e nunca mais me levassem a sério. Nunca transportei a minha profissional para dentro da minha vida pessoal nem vice-versa e não é agora, aqui, que me vou arriscar a que alguém as misture. Talvez não tivesse mal nenhum mas eu é que me sentiria limitada e não me passa pela cabeça sentir-me condicionada enquanto aqui escrevo.

No entanto, os meus filhos, a minha nora e o meu marido lêem o que escrevo e, portanto, diariamente ficam pasmados ou atrapalhados ou assustados ou divertidos -- ou confirmam aquilo que já sabiam. E nunca, em todo este tempo, acharam que eu estava a dar uma ideia falsa de mim ou que eu tinha distorcido a realidade. Ou seja, testemunham directamente que não engano ninguém ao escrever.

Mas tenho que confessar que, por saber que os meus filhos me lêem, volta e meia modero o volteio, abrando a maluqueira, controlo o desbragamento. Só em relação a eles, não ao meu marido que ele já me conhece de ginjeira, já não se admira com nada. Pelo contrário, quando às vezes temo ter pisado o risco, fico surpreendida por ele encolher os ombros, achar que não tinha nada de mais. Provavelmente, já está vacinado, já nada o deixa chocado. Mas, em relação aos meus filhos, não quero que se sintam incomodados (se calhar, volta e meia, ficam mas, enfim, há muito tempo que já devem ter percebido que não é por eu ser mãe deles que vou deixar de ser como sou e, portanto, se ficam é apenas ao de leve e também já devem estar mais do que vacinados)

Só que acontece agora uma coisa que me anda a deixar dividida.

A minha mãe nunca quis ter um telemóvel dos mais recentes, queria um simples, com teclado e poucas funções. Temia baralhar-se e querer fazer uma chamada e andar ali a dar ao dedo e não deslizar em cima do sítio certo.

Só que, agora, decidiu aderir a um tarifário diferente, com dados incluídos, e, portanto, resolveu que desta é que ia para um smartphone, touch screen -- tudo aquilo que sempre esconjurou. Está só à espera que fique concluído o processo de portabilidade do número entre operadores para dar o salto quântico da vida dela. No meu telemóvel já estive a ensiná-la a usar o google, a fazer pesquisas, e toda se entusiasmou com receitas de culinárias, modelos de ponchos, dúvidas de saúde, etc. Fiquei caladinha como um rato no que se refere a isto do Um Jeito Manso mas não tenho dúvidas de que os meus filhos, que gostam de me atazanar o juízo, não vão perder a oportunidade de me encalacrar. Estou mesmo a ver: 'Então, vó, já viste o que a mãe escreve todos os dias...? Anda cá que te explico como vais ver...'. Ora, nem me imagino a escrever à vontade, sobre todas as maluqueiras que me ocorrem, sabendo que a minha mãe vai ler. Ou como escrever coisas que sei de antemão que a vão fazer chorar? Não é possível.


Por outro lado, custa-me pensar que, se calhar ia gostar de ler algumas coisas, e que não será justo privá-la disso. Mas aquilo que a fará envergonhar? Ou deixar perturbada, por pensar que afinal não conhece a filha?

Tenho estado aqui a pensar se não devo tentar fazer um pacto de silêncio com os meus filhos. Mas não sei se eles vão nessa. Aliás, tenho ideia de que já uma vez lhe falaram nisso, ela é que nem deve ter prestado bem atenção.

Um dilema isto, palavra de honra. Que chatice.

Como será que as pessoas destravadas como eu fazem? Deixam que os pais leiam o que escrevem?

A sério. Que coisa. Isto anda a ralar-me. Não sei mesmo que fazer. 

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* As pichas referidas na conversa entre o João Vuvu e a mulher a dias, segundo fiquei a saber, são camarões minúsculos.

As fotografias de Mature Women provêm do The Sartorialist.

Lá em cima, Maria Bethânia e Caetano Veloso cantam com a mãe, Dona Canô, Tristeza do Jeca.

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Recordo que, abaixo, encontrarão mais informação sobre os Panama Papers, nomeadamente um vídeo sobre as suas vítimas e, para não acabaram a vossa jornada por aqui com um amargo de boca, terão à vossa disposição a inenarrável conversa entre João Vuvu e a sua mulher a dias.


5 comentários:

  1. Mantenha esse seu anonimato, faz muito bem. Ninguém tem de saber quem é. E se quiserem, que vão ao Totta, como antes se dizia. E depois, o que importa é o que escreve, não quem escreve.
    Por mim, quero lá saber se tal e tal Bloguista, ou Leitor/a de Blogue tem 1, 20m, pesa uma quantidade avantajada de arrobas, tem 150 anos, é vesga/o, é maneta, é coxo (ou manco, como se diz no meu Porto), se é preto, amarelo, ou branco, careca, narigudo/a, pançudo/a, tem pé chato, etc. O que interessa é o que diz e comenta. Ou se gosta do que escreveu, ou não. E se não gosta come menos (ou, no caso, não lê, ou lê menos).
    Já quanto ao anonimato familiar, como no caso que referiu, de sua mãe, se calhar é melhor deixar tudo como está, mas a UJM é que sabe. A título de exemplo, conto-lhe uma coisa: aqui há uns três anos e picos, deu-me para escrever uns contos eróticos, que, naturalmente, nunca me passaria pela cabeça publicar, era mesmo o que me faltava dar em contista (!), mas que circulei junto de alguns amigos próximos. Rimo-nos um pouco com tudo isso. Não sei se foi um dos irmãos, se um amigo, sugeriu-me que talvez o meu (idoso pai) achasse graça e já que andava um pouco adoentado, aquilo era capaz de o arribar. Hesitei, mas lá lhe dei a ler uns dois ou três, dos mais leves. Ia-lhe dando uma coisa! “Tu escreveste isto? É muito forte!” Não os leu todos, “só um, o resto folheei, aquilo era demais para mim”. Estava todo encavacado. Tive pena dele. Lá o consolei. Acabou a rir e aconselhou-me: “nunca por nunca reveles a tua mãe esta tua veia maluca!” É preciso ver que ainda hoje se refere aos homossexuais como “invertidos”, pois custa-lhe (envergonha-se, de dizer outra palavra). Já o pai dele, meu avô patusquíssimo duriense, teria lido com gosto. Mas, cada pessoa é uma personalidade diferente.
    P.Rufino
    PS: também não possuo smartphones e quejandos. Tenho um de funções limitadas e nem me passa pela cabeça dar 100 euros ou mais por uma porra de um TLM. Acho obsceno, pura e simplesmente. Assim como também não tenho esses horrendo televisores, enormes, de grandes ecrãs. Tenhum um flat, mas pequeno. O que NÃO dispenso é o Tlf fixo e fixo é mesmo isso, está fixo, num local, numa sala. Antigo, dos pretos, nada disso de andar pela casa, para isso já tenho o "Télé". Toca e vou lá atender e só sei quem é depois de atender. Gosto assim. Recuso-me igualmente a ter um GPS no carro. Quiseram instar-me um. Ia-os comendo vivos! Prefiro mapa. E quando me perco em Lisboa, ou algures, pergunto: "Oh, sff, onde fica a rua tal e tal, ou o beco tal e tal?" Quem tem boca vai a Roma, pois eu vou a todo o sítio com o mapa e a minha boca. Já minha mulher é mais moderna. É lá com ela!

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  2. Não se preocupe. Ademais não acredito muito que o facto de sua mãe "a ler" a apoquente ...
    Pelo que aqui se lê - cabeça desempoeirada - deve ter genes de sua mãe semelhantes e o facto de ela agora querer ter um iPhone já diz muito. Pode estranhar (será ?) mas depois vai entranhar. Já não diria o mesmo de seu pai. Os homens têm sempre umas ideias esquisitas acerca das suas meninas.
    E bom, continuo a querer ler textos autênticos, sem mordaças ou "contraintes".
    Mozi

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  3. Pois é Jeitinho, Tazinha, o que for. O que acho mesmo é que a sua mãe nunca vai lá chegar se os seus filhos não a "picarem" para tal. Já percebi que eles gostam de lhe "atazanar o juízo" como diz, mas acho que eles vão perceber que é uma pena que tenha de sair deste registo.
    Claro que embora já seja maior e vacinada, nunca deixará de ser a menina de seus pais e embora eu ache que a maior parte das vezes a sua mãe até ia achar graça, outras vezes irá pensar: como é que ela escreve isto publicamente? Avise os seus filhos, sim, e continue a voar alto como é seu costume.
    Beijocas

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  4. Ía escrever aqui um comentário, mas depois pensei "e se a mãe da UJM lê este comentário e não gosta?" Por isso, se me dá licença, vou dirigir-me directamente à sua mãe: Olá mãe da UJM, o meu nome é Rita e costumo ler o que a sua filha escreve. Gosto muito de o fazer não sei se pelas ideias, se pelo modo em que são descritas, se pelo à vontade de quem as escreve, mas passo aqui alguns momentos agradáveis da minha vida. Como deve saber melhor que eu nunca paramos de crescer, pelo que espero que partilhar este canto consigo seja mais uma etapa de crescimento para mãe e filha."

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  5. oh pá! eu acredito nos genes..isto não há cá pão para malucos...se a filha é o que se vê..a mãe não lhe fica atrás!

    Que comentário ternurento da Rita.

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