quarta-feira, março 23, 2016

Bruxelas e o terrorismo. A Europa e o terrorismo. O mundo dito civilizado e o terrorismo
Está a chegar a hora dos sociólogos, antropólogos, filósofos, politólogos, psicólogos, historiadores, etc.



O dia todo a trabalhar, não acompanhei as notícias. De manhã tinha sabido que havia drama em Bruxelas mas não sabia exactamente a extensão. À hora de almoço já ouvi falar em mortos e em muitos feridos. Agora estou a ver apontamentos de reportagem e alguns comentários.


Não sou especialista em nada, muito menos em crises deste género. Ouço que isto é uma guerra que está em curso, que há que combater ferozmente os terroristas, que, uma vez mais, falharam os serviços de informação. E tudo estará certo.

Mas a mim uma coisa me faz espécie: não há terroristas com mais de 40 anos? Só putos? Estamos a falar maioritariamente de jovens já nascidos e criados nos subúrbios das cidades ocidentais? Filhos de pais desenraizados? Jovens sem ideais e que procuram uma causa por que lutar?

Não sei. Estou a perguntar por mera ignorância.

A mim, leiga, leiga, mil vezes leiga, parece-me que há neles a motivação e os meios e que é, sobretudo por aí, que há que travar o combate.

Nos últimos anos, os economistas, os gestores e os advogados têm sido a força de elite que tem comandado o mundo: em regra, é gente culturalmente ignorante, desconhecedora de quase tudo o que não seja EBIT, NOPLAT, ROI, ROCE (e por aí vai) e o que é preciso fazer para que os indicadores de criação de riqueza para os accionistas sejam maximizados.

À volta dos núcleos onde se fazem todas as ginásticas para que o capital saia incólume, orbitam as pessoas a quem é preciso sonegar direitos de trabalho, a quem é preciso precarizar os vínculos laborais e, logo, sociais. 

Na periferia dos parques de edifícios onde se instalam as sedes das grandes empresas há bairros sociais habitados por hordas de jovens sem nada que fazer, que passam parte do dia na ociosidade, uns com os outros. Vejo-os por vezes, em grupos encostados aos prédios ou sentados no passeio à porta de casa, capuz da cabeça, conversando, dias a fio. Sem estudarem, sem trabalharem, sem nada fazerem, quais serão as suas motivações?
Lembro-me agora de uma experiência cujo relato li há dias. Colocaram um conjunto de pessoas fechadas num local, sem terem nada que fazer. Contudo poderiam aplicar a si próprias choques eléctricos. Para saberem qual a sensação, estes eram-lhes aplicados choques antes de começar a experiência. Conheciam, pois, a dor. Pois bem, grande parte das pessoas, ao fim de algum tempo, não suportando o tédio, aplicavam a si próprias choques eléctricos. Recomendo a leitura pois talvez explique algumas coisas.
O tédio recorrente a que os jovens se entregam acontece em Portugal, especialmente nas grandes cidades, e, certamente, em todas as grandes cidades europeias.

Durante anos, os executivos têm troçado de quem tem cursos ditos inúteis, aqueles cursos onde se aprende a pensar, a conhecer as civilizações, as culturas, os hábitos, a história, as religiões. Têm sido os profissionais destas áreas que mais têm sentido na pele o peso da crise económica (e civilizacional) que atravessamos. Não sabem gerir empresas, não contribuem para a criação de valor para os accionistas, logo pouco mais são do que parasitas - e, se o não querem ser, pois que trabalhem em caixas de supermercados, em call centers ou onde quiserem desde que não chateiem.
- E isto tem sido, mais coisa menos coisa, o pensamento dominante nas nossas brilhantes sociedades.
Sabemos também como a direita liberal que tem vindo a governar grande parte dos países da Europa (e os EUA, especialmente antes de Obama) é avessa ao Estado Social. Investir na inclusão, em programas de ensino e ocupação, investir na cultura e no conhecimento, é visto por esses crânios como um desperdício de dinheiro. Os mercados dispensam essas frescuras.


E, portanto, sem acompanhamento, entregues a si próprios e sem que ninguém os compreenda e tente integrá-los, tem vindo a desenvolver-se -- nestes meios suburbanos em que há jovens oriundos de famílias desenraizadas onde o desemprego e a pobreza imperam --  um caldo de insatisfação, de disponibilidade para a rebelião, para a vingança, para o crime, para a ficção seja sob que forma for. Ou para o simples combate ao tédio.

Junte-se a isso a cegueira da ganância que leva a que, sobre este clima de medo e insegurança, reinem, imperiais e intocáveis, a indústria do armamento e comércio do petróleo.

Diria eu, na minha ingenuidade, que uma luta objectiva contra estas sérias e difusas ameaças terroristas deveria dar primazia à suspensão do fornecimento de armas e da aquisição de petróleo (e de obras de arte, já agora). E, em simultâneo, constituir núcleos de saber polivalente para saber interpretar todos quantos são potenciais candidatos a ingressarem movimentos terroristas, e com dois objectivos: uns ao serviço dos sistemas de informações e outros para ajudar na inclusão, mas na inclusão a sério, daqueles que hoje são menos que nada nas sociedades ditas desenvolvidas.
E nem estou a falar nas centenas de milhares de refugiados que são acantonados em parques sem quaisquer condições de vida e tratados abaixo de cão. Daqui só pode nascer a revolta.
Uma sociedade decrépita, com uma demografia anémica, com uma economia de rastos, deveria ser capaz de aproveitar esta oportunidade para se rejuvenescer e enriquecer com tanta gente caída do céu, gente nova, com conhecimentos novos, oriundos de outras culturas. Pelo contrário, sem líderes, sem verdadeiros políticos, com o poder nas mãos de burocratas e de medíocres, estamos como estamos.

Condenar os crimes não chega, é preciso perceber o que está na raiz do pensamento dos criminosos. E eu, quando vejo as fotografias deles, o que vejo são putos. E o que sinto é que é preciso ver mais longe, mais fundo, e deixar que as pessoas que sabem pensar e que conhecem a história, os hábitos, as religiões, o funcionamento da mente, sejam chamadas a ajudar o mundo civilizado que tão entregue tem estado a gente incivilizada.

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Termino com poesia

Há vídeo novo do Cine Povero

De Jorge de Sena :: Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya / Dito por Mário Viegas



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As fotografias são da autoria de  Hidenobu Suzuki e mostram a Primavera no Japão

Glenn Gould interpreta, de J.S.Bach: Concerto No.5 in F-minor for Harpsichord and Strings (BWV 1056)

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quarta-feira muito feliz.

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5 comentários:

  1. Concordo com o que aqui diz. Muito bom Post! Uma bela reflexão. Investir no combate à inclusão, na educação, na pobreza, etc. No fundo, em políticas sociais diferentes das seguidas até agora. Mas, não basta, quer-me parecer. Sendo tão leigo como você, julgo que alguma coisa mais, paralelamente, ter-se-á de fazer. No plano militar, talvez, para tentar aniquilar por exemplo, o ISIS, controlar, através de medidas excepcionais, por parte dos diversos governos ocidentais, a venda de armas (ligeiras, mas também pesadas) aos destinatários, etc. Oxalá é que o que está a passar não leve ao fim gradual desta Europa que fomos concebendo. E construindo. O fim de Schengen, do Euro e por fim da UE. O que será a Europa daqui a, por exemplo, 20 anos? Um reduto de países mais autoritário, com menos liberdade, mas com mais segurança? Mais pobre economicamente em virtude de eventuais medidas extremas que se tomaram? Mais insignificante politicamente por causa disso? E o Terrorismo combateu-se eficazmente, ou alastrou? Em tempos, derrubaram-se regimes que eram democraticamente condenáveis, que não foram derrubados por essas razões, embora constituíssem o pretexto, mas outras: o petróleo e outras económicas (e políticas), como o de Sadham Hussein, Kadhafi e agora o enfraquecimento de Bashar al-Assad, na Síria. Poder-se-ia talvez ter combatido esses regimes com sanções económicas e político-diplomáticas, em vez de os ajudar a derrubar. Como se fez com Cuba e ainda se faz com a Coreia do Norte. Mas, não. Na verdade, com o fim daqueles regimes, que controlavam com mão de ferro os excessos islâmicos e onde as mulheres eram mais livres face aos preceitos islâmicos, em qualquer desses três países, veio o caos interno, a desagregação desses países e seus territórios e pior ainda o terrorismo e fanatismo islâmico brotou, expandiu-se e hoje é o que sabemos. Antes, deparavam-se-nos Estados que embora hostis politicamente não constituíam uma ameaça directa, sobretudo à Europa. Hoje sofremos na pele atentados em série, no coração da Europa. Até quando?
    P.Rufino

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  2. JOAQUIM CASTILHOmarço 23, 2016

    Olá UJM!

    Excelente!!!! Sem a sua licença vou divulgar!!! Do melhor que tenho lido sobre os atentados terroristas!!!

    Obrigado

    JOAQUIM CASTILHO

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  3. A Todos,

    Obrigada.

    há bocado ouvia falar na televisão que seria importante que a Arábia Saudita deixasse de financiar estes movimentos que estão na génese do terrorismo.

    Contudo, penso que a questão não passa apenas por aí pois para terem tanques e outro armamento que é usado na Síria ou nos países onde há exércitos é preciso financiamento.

    Contudo, para os atentados que têm ocorrido na Europa não é preciso muito dinheiro já que com pregos e produtos químicos ou panelas de pressão fazem bombas com elevado poder destrutivo. Ou seja, na Europa ou, mais geralmente, nos países que não estão em guerra, combater este tipo de perigo é muito difícil pois são jovens que se arregimentam via facebook, que combinam entre eles fazer este género de 'aventuras', jovens naturais destes países, que estão por todo o lado, especialmente nos bairros sociais, entregues a si próprios.

    Acho que enquanto as coisas não forem pensadas com serenidade, vai-se andar nisto (a fazer cartoons, a acender velas, a deixar flores, a fazer minutos de silêncio, a inundar as televisões com comentadores, e, claro, a deixar que os burocratas andam atrás do próprio rabo).

    Mais do que um problema de terrorismo, o que há é um problema de falta de inteligência nas lideranças mundiais. Acho eu.

    Uma boa noite ou um bom dia a Todos, conforme a hora a que me leiam. E, de novo, muito obrigada!

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  4. Olá UJM, tenho estado acantonada na aldeia e agora que voltei estive a ler de uma enfiada vários dias de posts seus. Quero dizer-lhe que escreve muito bem, tem aquele dom da simplicidade que torna fluído um discurso rico em palavras e ideias. Um bom fim-de-semana. Rita

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