sexta-feira, fevereiro 12, 2016

Eis que se abre um pouco mais a grande porta do infinito:
"Ladies and gentlemen, we have detected gravitational waves. We did it!"






No outro dia escreviMas sei que há uma flor navegando pelos ares, que há água e estranhas formas de vida noutros planetas, que há milhões de sóis, milhões de céus, milhões de sonhos perdidos em órbitas desencontradas, palavras flutuando sobre as ondas que as marés siderais levam e trazem, medusas aladas, anjos, luas, pedrinhas, memórias, braços que procuram abraços, sons estelares, infinitos nadas; e lugares escuros, sem tempo, onde passado, presente e futuro se misturam. 



Não escrevi por escrever: escrevi porque é assim que vejo o vasto espaço que nós habitamos -- nós seres ínfimos, insignificantes, pouco inteligentes, uns entre muitos outros seres dispersos pela inimaginável vastidão. Vejo o vasto espaço como um imenso mar feito de partículas infinitamente pequenas que, em situação normal, isto é quando não existem brutais explosões, deslizam suavemente como vastas marés, um ondular suave que transporta memórias (restos de impactos, restos, restos não sei de quê, talvez pós de pedrinhas, invisíveis areias vindas de longínquas luas, poeiras do que antes foram pessoas, agora talvez anjos), um espaço atravessado por sons provenientes do movimento dos astros, dos astros que morreram, dos que são sugados para o interior de si próprios, dos que se expandem mais do que exponencialmente. Vejo isto na minha cabeça. Vejo a partir do que leio. Vejo talvez a partir de sonhos vindos não sei de onde. Estava a escrever aquilo e, como disse no fim do texto, era como se não fosse eu a escrever -- de tal maneira que não consegui dar título ao que escrevi.


Falar da Física tem este misterioso efeito sobre mim, falo sem saber do que falo, falo como se os rastos de luz que aquilo que não se vê deixa na atmosfera guiassem as minhas mãos. Sinto-me cega, tacteando o invisível, querendo descobrir o desconhecido, o intangível, o imaterial, percorrendo caminhos que não vejo, que nunca vi e que me levam não sei onde. Cega, inocente como uma criança, inventando histórias impossíveis, dou por mim a acreditar que por vezes em mim coexistem aquilo que fui, que fui nesta minha vida, com aquilo que fui num qualquer outro corpo (seja de mulher, seja de cavalo ou gaivota), e também com aquilo que sou agora e com aquilo que serei. Uma fusão intraduzível em palavras. E também sinto, por vezes, que estou perto daqueles a quem posso tocar com as mãos mas também perto dos que, estando longe, estão aqui, agora, ao meu lado, porque me lêem, porque me querem bem, porque, como dizia a Rita num comentário a um texto mais abaixo 'somos todos mais parecidos do que nos julgamos', tão parecidos que nos tocamos, nos interseccionamos e que, parte de mim, está agora convosco tal como agora que escrevo tenho aqui comigo alguns de vós. Sei que escrito assim pode parecer uma coisa de doidos mas é o que eu sinto como verdadeiro, sem que consiga explicar o que quer que seja a propósito disto -- melhor: sem que queira explicar.


A verdade é que, se eu deixar de me impor barreiras e deixar que o meu pensamento flua, ponho-me a dizer coisas sem um nexo identificável. E, como disse, não tento sequer pôr ordem nas minhas palavras não vá perder-se o fio de ariadne que me conduz através do infinito labirinto. Eu que gosto tanto de brincar a transformar o mundo em modelos e que me delicio com os milagres da simulação que se aproxima tão tangencialmente da inteligência artificial, em momentos assim, seria incapaz de verter o meu despensamento em expressões algébricas. Pelo contrário, toda eu me movo na mais pura abstração e se tivesse que descrever por onde ando, falaria de espaços que são abertos, sem formas identificáveis, uma imensidão sem princípio nem fim, percorrida por algo que não é silêncio nem som, por um movimento que não se sente, sem sombras nem luz, onde o tempo não existe e onde tudo é tudo. E penso que gostaria de ser capaz de me exprimir sem recorrer a estas palavras que estão puídas de tanto uso pois queria falar de realidades primevas, espaços e tempos em que a razão dispensava a expressão, em que a emoção existia envolta em silenciosos e apenas pressentidos frémitos.


Querer equacionar, neste contexto, como foi que tudo começou parece-me pensamento fútil. Não começou. O imenso infinito onde muitos mil sóis, muitas mil luas, muitos mil seres navegam em elegantes movimentos ou desaparecem recuando ao âmago da sua origem ou se expandem em louca exuberância é um contínuo sem princípio nem fim. Se não há começo não há, pois, quem o tenha começado. Mas, se não há um deus fundador, há, sim, muitos mil deuses. É a feliz aleatoriedade que por vezes é mãe da harmonia e da felicidade, é a beleza das descobertas ocasionais, é a suavidade das convergências improváveis, é a infinita mão que nos protege, feita da memória de todas as boas mãos que alguma vez existiram, é o bailado milagroso que se dança dentro nossa cabeça e do qual nasce a nossa capacidade de olhar, de ouvir, de sentir, de amar, de escrever poesia, de escrever palavras sem dono, injustificáveis como números primos.


Nesta quinta-feira, à hora de almoço, olhei o telemóvel, espreitei as notícias. E só não caí de joelhos porque me segurei. Tinha sido anunciada a descoberta das ondas gravitacionais. Pensei logo nas minhas ondas das marés siderais. Fechei os olhos, arrepiada. Finalmente. Depois abri os olhos, procurei mais informação. Só me apetecia ir para o campo, para o meio das árvores, ou para  a beira do mar, deitar-me, encostar os ouvidos à superfície do planeta, tentar ouvir os seus segredos, adivinhar o mistério que ele esconde. Mas depois pensei que o segredo não está no interior da terra. E depois pensei que não há segredo. E depois pensei que o que há é beleza, a magia da infinita beleza, a mágica beleza do infinito.


Onda gravitacional é a onda que transmite energia por meio de deformações no tecido do espaço-tempo, ou seja, perturbando o campo gravitacional. A teoria geral da relatividade prediz que massas aceleradas podem causar este fenómeno, que se propaga com a velocidade da luz.(...) Em 2016, pesquisadores do projeto LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) observaram "distorções no espaço e no tempo" causadas por um par de objetos com massas enormes interagindo entre si. Acerca da descoberta, David Reitze, diretor do projeto, em uma entrevista coletiva em Washington, disse: "Nós detectamos ondas gravitacionais. Nós conseguimos".



O avanço científico está a ser recebido com uma das descobertas do século. A equipa internacional que fez a descoberta diz que esta primeira deteção das ondas gravitacionais significa a entrada numa nova era na astronomia.

O físico teórico alemão Albert Einstein (1879-1955) defendeu, na Teoria da Relatividade Geral, que o celebrizou, que os objetos que se movem no Universo produzem ondulações no espaço-tempo e que estas se propagam pelo espaço. Previu, assim, a existência das ondas gravitacionais e demonstrá-la de forma direta era o último desafio em aberto da Relatividade.



E leio, sobretudo, a contagiante alegria de Carlos Fiolhais: HABEMUS ONDAS GRAVITACIONAIS! 

Como disse um dos cientistas envolvidos, até agora só tínhamos olhos para o espaço, Agora temos também "ouvidos". E o espaço não é um sítio de pasmaceira, é um cenário de acontecimentos violentos, que nos fornece feéricos espectáculos de luz e cor.
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Vídeos sobre as Ondas Gravitacionais




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No meio de guerras com armas de toda a espécie, incluindo as financeiras, eis que mais uma porta maravilhosa se abriu. E, portanto, se, por um lado, vivemos tempos sombrios, por outro, atravessamos uma época de luz.
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Lá em cima, Renée Fleming interpretou a Canção à Lua de Dvorak

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E, depois disto, caso sejam dados a gostos estranhos como mergulhar na lama, mais propriamente no imenso lamaçal em que está transformada a comunicação social portuguesa completamente infestada pelos PàFs e pró-PàFs, queiram, então, por favor, deslizar até ao post já a seguir onde falo da forma implacável como Manuela Ferreira Leite lhes baixou os fundilhos e lhes aplicou umas valentes nalgadas. E aplaudi, claro está.


16 comentários:

  1. Desde os Beatles que não se via tanto entusiasmo por um microfone.

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  2. Refere-se ao eco do longínquo som da colisão dos buracos negros, Pedro?

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  3. Referia-me à histeria que um aparelho de medição da Academia de Lagado consegue provocar nas massas de humanistas com as quais a nossa existência é abençoada todos os dias. Inesperado, no mínimo.

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  4. Ora Pedro, não se arme em blasé. Não acha importante que se conheça um pouco melhor o espaço/tempo que habitamos? Não gosta, nem que apenas por momentos, de se elevar um pouco acima da treta dos 'mercados' e das laparices saloias do dia a dia e pensar um pouco no que é isto do 'universo'?

    Mas diga lá: se lhe parece futilidade este entusiasmo pelas ondas gravitacionais, quais os temas que acha verdadeiramente dignos de interesse? Estou curiosa.

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  5. Ainda bem que me pergunta isso. No outro dia um amigo sul-coreano da Universidade de Columbia - do laboratório de sistemas bio-electrónicos, que só me dou com cientistas blasés :P - fez-me chegar algo verdadeiramente digno de interesse e que fiz questão de partilhar com o maior número de pessoas possível.

    http://www.jstor.org/stable/40919835?seq=1#page_scan_tab_contents

    Fica para reflexão.

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  6. Tinha que ser, não é, Pedro? Aliás, ao fazer-lhe aquela pergunta, quis apenas testar se se mantinha na mesma onda adolescente, de provocação desnecessária, ou se o pousio já lhe tinha trazido algum tino. Não trouxe, mas deixe estar, não fique triste que até lhe acho alguma graça.

    E olhe, desculpe lá a minha simpatia, mas volte lá a escrever que eu acho que escreve como um príncipe. É certo que, volta e meia, mais como um daqueles príncipes malucos (mas malucos mesmo, dos encartados), mas, enfim, também não se pode ter tudo, não é?

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  7. Eu não estava a provocar, mas apenas a partilhar o meu estado de espírito. Não tenho nada melhor para fazer a estas horas, de facto, e aproveitei. Classificar como adolescente toda uma área da mais séria investigação científica que se faz nos dias de hoje, parece-me injusto.

    http://www.history.ac.uk/reviews/review/733

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  8. Está certo. Também não sou eu que vou desmerecer dos seus interesses até porque há malucos para tudo e, de resto, quem sou eu para traçar a fronteira entre interesses normais e interesses anormais?

    Mas, se me permite, olhe lá: será que você não é um gémeo separado à nascença do Candidato Vieira? A modos que me parecem muito parecidos.

    Outra coisa: não quer abrir uma excepção e ir lá ao Anjos pôr uma música daquelas com os seus manos ortodoxos? Ou, se aquilo lá está mesmo de pousio, não quer deixar-me aqui uma?

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  9. Você não leu com a devida atenção o cânone literário da Idade Média e em especial o livro do meu velho mestre Rabelais. Tem de se elevar dos mercados e da saloice e dedicar atenção ao que realmente importa.

    Não me consta que tenha nascido rico ou filho da classe parasitária da capital do Império. Logo, não me deu para humanista português, o que foi pena.

    Primeiro que tudo, precisa de ouvir (como vem recomendado no Evangelho) a Divna Ljubojevic, muito justamente a nossa mais famosa e popular irmã. Do mundo grego, também muito conhecida:

    https://www.youtube.com/watch?v=AFV39py-6O8

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  10. Não, não li. Um dia ainda hei-de espreitar a ver se tenho serenidade para me pôr, com tempo e vagar, a descobrir esses mundos.

    E, sim, tento elevar-me, Pedro, e, por isso, tantas vezes, me deixo ir na divagação pelo espaço, sem querer saber para onde é que as ondas do espaço me levam.

    Quanto a si tenho muitos dúvidas de que não seja um humanista de verdade mas da espécie dos 'diletantes acidentais'.

    E estou agora a ouvir a música que enviou. Se fosse igual a si, agora dizia um disparate qualquer a despropósito mas, como não sou, digo-lhe que estou a gostar muito. Não sei é como é que, ouvindo esta música que parece que desce dos céus (ou que nasce de dentro da terra?), vou ser capaz de acabar o cartaz com o Maçães que estou a fazer.

    Mas agradeço, Pedro. Foi simpático da sua parte aceder ao meu pedido em vez de ser palerma. Obrigada.

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  11. Não é a música que desce do céu, mas é ela que nos leva até lá. De música descida directamente dos céus conta-se que os anjos deram uma ajuda na composição de um dos mais famosos hinos. E se os anjos celestes o compuseram, o nosso anjo terreno canta-o:

    https://www.youtube.com/watch?v=AFV39py-6O8

    Mas como nem só de hinos vive o homem, nós também apreciamos prazeres mais terrenos. Há muitos que lhe chamam o mais sagrado livro do Antigo Testamento. Também se canta:

    https://www.youtube.com/watch?v=vm8LoqkUmEc

    E coisas mais terrenas e populares:

    https://www.youtube.com/watch?v=c4j50PTzOH4

    Depois da literatura latina será tempo de aprender também o alfabeto cirílico. Depois poderemos falar de diletantes, que é coisa que não sei o que seja.

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  12. "nós também apreciamos"? Nós quem? Armado em mestre, Pedro? Já falamos majestaticamente?

    Bem.

    Já estou a ouvir a última mas agora vou desligar porque já acabei o meu turno da noite. Amanhã ouvirei. Mas tenho que lhe dizer que me surpreendo consigo. Quem ouve música destas consegue, ao mesmo tempo, portar-se de forma tão xxxxx (ia a empregar uma palavra mas apaguei, não quero melindrá-lo; substituí por xxxxx por acaso, à falta de melhor)?

    Não aprenderei alfabeto cirílico tal como não lerei a Bíblia (acho eu). Tantas coisas que ficarão pelo caminho. O tempo é finito. Temo é não fazer as melhores escolhas.

    Mas, enfim, não me vou pôr, a estas horas, com dúvidas existenciais.

    Agradeço os links: foi simpático da sua parte, a sério.

    Vou dormir. E continua a chover. E a música que estou a ouvir tenta agarrar-me. Mas vou.

    Gostei de falar consigo, Pedro.

    Um bom sábado.

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  13. Nós - ortodoxos, ou como é mais apropriado e é por esse nome que durante séculos (ainda hoje) que são conhecidos os cristãos ortodoxos: gregos.

    Não vai, mas devia. Foi em russo que a Margarita e o Mestre foi escrito. Só quando tenho a minha Margarita é que me armo em mestre. E naquilo a que chama Bíblia estão as melhores histórias de assassinos, ladrões, canalhas, putas, cornudos, profetas, bêbados, guerra, traição, e isto só falando na primeira parte. Na segunda também se aprende alguma coisa.

    Lembra-me aquela malta que nos livros de Cálculo deixam sempre de fora as propriedades dos números reais não vá a coisa borregar ahahah

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  14. Permita, Pedro, que faça uma observação: o Pedro pode achar-se o último dos verdadeiros gregos, o último dos iluminados, o último dos sabedores, ao mesmo tempo cumpridor dos bons preceitos da aprendizagem e zelador do cumprimento alheio (Que nunca se deixe para trás o Antigo Testamento. Que nunca se omita a leitura de Rabelais. Que nunca se deixe de fora o estudo das propriedades dos números reais. E etc) mas terá que concordar que, a ser tudo isso, terá que abrir uma ressalva. Ortodoxo é que não. Ou um ortodoxo que se preze acaba um texto armado em pipoca com um 'ahahahaha'....?

    Sejamos coerentes, Pedro. Nós, os verdadeiramente ortodoxos, não gostamos cá dessas expressões desviantes.

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  15. E isto é o que acontece quando se desce ao Pireu.

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  16. Sério? Só mesmo no Olimpo? Que chato que deve ser.

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