quinta-feira, janeiro 14, 2016

De novo o Gerês -- e de novo o espelho no espelho, o sonho, a realidade [Primeiro de três novos postais ilustrados]




Há em mim um fascínio por imagens ao espelho, ou, mais que um fascínio, talvez uma dúvida: onde está a verdade? Na coisa em si ou na forma como ela se reflecte? Uma vez li mais ou menos isto: nós temos uma ideia do que é um gato, sabemos descrevê-lo, representá-lo. Mas como é que o gato se vê a si próprio? E qual a ideia mais verdadeira: a que temos do gato ou a que o gato, que não é capaz de nos falar nisso, tem de si próprio? 

E eu? Sou o que acho de mim ou aquela que os outros vêem? 

A verdade é que não sei mas, por via das dúvidas, não ligo muito ao que eu acho de mim nem ao que os outros acham - nenhuma das opiniões deve ser muito exacta. Por isso, vou vivendo sem grandes deambulações mentais. 

Por estas bandas, o fascínio pelas imagens espelhadas tem muito por onde se exercer. Fotografo e fotografo. Quando chego ao computador, faço uma experiência: viro as fotografias ao contrário e tento ver se eu me deixava enganar. E sim, muitas vezes acreditaria que o reflexo é a verdade. E penso que, se calhar, é. 


Ou, mesmo que não se pense em nada quando se olha para uma paisagem assim, é bom, apaziguador. A beleza é, por vezes, absoluta. E, quando o é, é conciliadora.


E, depois das nuvens e das névoas, o sol apareceu, o céu ficou quase limpo, os patos começaram a gritar, chamaram-se uns aos outros e, em grupo, foram festejar para a água espelhada onde as casas se reflectiam. 

E eu fiquei a vê-los nadar entre casas coloridas, deslizar pelas janelas, pelos telhados. E brincaram, em círculos, e, agitando as águas, modificaram a superfície das casas, abriram janelas, trouxeram vento às árvores. O reflexo deixou de ser diferente da 'verdade' porque um bando de patos brincalhões, na maior das facilidades, se sobrepôs a todas as filosofias a que eu me quisesse entregar.


E eu, assim sendo, deixei-me de pensamentos profundos e deixei-me ficar, deleitada, a contemplar a beleza que se desenhava à superfície. 
Ou será que as casas se projectam a três dimensões pela água abaixo? Será que os peixes entram e saem nas casas, transpõem, sem qualquer dificuldade, paredes e muros? Será que os peixes desconstroem a topologia das coisas, abrindo e fechando corpos transparentes que se projectam na imaginação das águas? -- Pergunto.
... 

5 comentários:

  1. Os olhos como os gestos, dizem quase sempre mais de nós que palavras, que se tornaram tão baratas, vulgares e vazias, um reflecte o que nos vai na alma, o outro no coração.
    E assim, nestas belíssimas imagens, simples, mas complexas de emoção e paixão, nos revela quem você é, o que lhe vai na alma e que generosamente compartilha connosco . Como uma janela através do qual deslumbramos o que incendeia os seus amores que a inspiram e a movem.
    Por que será que a maioria se preocupa fanaticamente e ocamente com nomes, títulos, conceitos sociais mais que digeridos, quando o melhor de nós, transpira no efêmero.
    Quanto ao Marcelo e outras enfadonhas figuras, é triste de observar que o percurso deste país, é um de de-evolução?? não evolução, e na política é onde se observa melhor este jogo de ignorante, desinteressada, inculta cidadania versus criminoso em Armani, chico esperto, e, ocorreu-me agora a palavra perfeita, Chulo. Haha ha
    Tenha um bom dia, cara UJM

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  2. É difícil encontrar tão extraordinária reportagem, cheia de beleza e poesia – e sentimento, sobre o Gerês, como esta que aqui nos tem transmitido. Uma pequena maravilha!
    P.Rufino

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  3. É com uma certa surpresa que ouço aqui a música dos meus irmãos.

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  4. Ora essa, Pedro. Quem lhe disse a si que são seus irmãos? Fez algum teste de consanguinidade?

    Meus irmãos, isso sim. E já não é a primeira vez que tenho por aqui estes meus manos. Gosto muito deles, especialmente do mais velho, o que já tem a voz grossa.

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  5. Por acaso fiz :) passam dele 12 anos lá para Maio.

    Um dia destes experimente ouvir os gregos. Não cantam mal...

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