À hora a que publicar este texto estarei sem computador, no país profundo, longe de casa. Não terei ouvido notícias, pouco saberei do que se passa no país, quanto mais no mundo. Estou, por estes dias, num retiro. Não será propriamente um retiro espiritual mas, ainda assim, é um retiro. Como sempre, não conseguirei fazer nem um pouco de turismo - e se eu gosto destes sítios por aqui, de passear nas ruas, de me sentar numa esplanada. Mas não me será possível.
À hora a que vocês, Caros Leitores, estiverem a ler isto, estarei eu ou a dormir ou a ouvir outras pessoas dizendo de sua justiça. Como essas pessoas estarão, certamente, a dizer coisas interessantes, não estarei, nessa altura, a dormir. Terei já encontrado gente que não via há algum tempo, sorriremos, gostamos sempre de rever amigos, conhecidos. E teremos comido manjares feitos por deusas, teremos elogiado a comida, sempre tão boa.
Como sempre terei comigo um livro. Desta vez será Butcher's Crossing de John Williams, livro em que pegarei a medo. Quando se gosta muito de um escritor, não se lhe deve exigir demais.
É como gostar de um blog: a gente deve deve dar tréguas ao seu autor, não esperar que esteja sempre nos seus melhores dias, deveremos perdoar-lhe se o virmos preso no seu labirinto. Mesmo quando a gente sabe que ele é bom e tem a certeza que um dia será capaz de fazer ainda melhor, a gente não deve mostrar-lhe que espera, a gente deve dar-lhe largueza, tempo.
Stoner é um livro excepcional. Não era, pois, minha intenção voltar tão cedo ao seu autor, queria esquecer-me de como tinha escrito um livro tão incomum, queria que, no dia em que a ele voltasse, fosse já sem memória daquela escrita seca, no osso, que tanto me prendeu. Mas, como sempre, constatei que sou fraca. A verdade é que não gosto de contrariar os meus apetites. Não me preocupo por não ser forte, preocupo-me é se não for de encontro ao que puxa por mim. Saíu este livro e nem pensei mais nas minhas boas intenções, comprei-o logo. Esperar por amanhã...? Ná, isso não faz o meu género. Mas tomara que não esteja a lê-lo e a pensar que o outro livro lhe saíu melhor, tomara que não, porque é absurdo fazer esse tipo de comparações.
Mas, dizia eu, terei comigo o livro. Dúvida, dúvida será se terei lido alguma coisa. Nestas ocasiões nem sempre se volta ao quarto de hotel, tarde e más horas, com disposição para grandes leituras, ainda para mais sabendo que, no dia seguinte, a alvorada será ao raiar da alba.
Antes de o guardar na mala, terei espreitado o início e o fim. Gosto sempre de começar por aí, pelo fim.
Tendo em conta a direcção indefinida que tomara, não sabia para onde ia, mas sabia que com o correr do dia o destino lhe viria à mente. Avançava sem pressas, sentindo atrás de si o sol que despontava vagarosamente e endurecia o ar.
E terei lido que John Williams (1922-1994) escreveu apenas quatro romances, este em 1960. O Stoner foi escrito cinco anos mais tarde que este Butcher's Crossing. E terei lido também que era neto de agricultores, criado no Texas, que trabalhou em rádios e jornais até se alistar na Força Aérea em 1942. E que esteve destacado na Índia e na Birmânia até ao fim da Segunda Guerra Mundial. E que estudou na Universidade de Denver e que concluiu na Universidade de Missouri o doutoramento em Literatura Inglesa. E que regressou a Denver onde conciliou a vida académica com a literatura até se retirar em 1985.
E terei olhado o seu rosto e terei pensado como é fácil perceber pelo rosto de um homem como é a sua natureza: de um John Williams de feições fortes, quase telúricas - que certamente não vestiria fatos de riscas ou camisinhas afectadas, com botões de punho - não se poderia jamais esperar uma escrita fútil, com artifícios ou efeitos de estilo.
Sobre este livro, leio na contracapa:
Em 1870, Will Andrews chega a Butcher's Crossing. É jovem, fartou-se de Harvard, quer descobrir na natureza o seu 'eu inalterado'. E naquele vilarejo, num Oeste prestes a ser domado, encontra o seu mentor: Miller, um caçador de poucas falas, que conhece o refúgio da última grande manada de búfalos.
Seduzido pela promessa de aventura, o protagonista junta-se à expedição. Serão quatro homens em marcha, por terra bravia, numa luta épica contra o tempo, a sede e os elementos. Até que chegam ao vale, um paraíso perdido povoado por milhares de búfalos. O que se segue é uma carnificina, o batismo de sangue de Will, a sua viagem iniciática ao coração das trevas.
Que, desde que o vi, este livro chamou por mim é um facto. Que a primeira impressão que me causou é marcante como devem ser as primeiras impressões também. Veremos como progredirei nele. Depois vos darei conta.
Finalmente: talvez à hora a que publicar isto já se saiba o que decidiu Cavaco Silva. Não é coisa que me interesse muito. Cavaco foi ultrapassado pelos factos. Tal como a gente da coligação PàF se diz perplexa com o que está a acontecer, também Cavaco ficou preso nas teias de aranha que habitam a sua mente. A hora de Cavaco Silva está, pois, prestes a extinguir-se. O País atrasado, cavaquista, pafiano, acabou. Pode não ter acabado hoje mas está a caminhar inexoravelmente para o fim. São personagens já fora da história, com o seu quê de patético.
O futuro contará com aqueles que têm um olhar novo sobre o mundo, gente que percebe que o tempo que conta é o que está por vir e que o futuro somos nós que o fazemos, segurando as rédeas do destino nas nossas mãos -- e que os dias que temos pela frente são um campo aberto.
Finalmente: talvez à hora a que publicar isto já se saiba o que decidiu Cavaco Silva. Não é coisa que me interesse muito. Cavaco foi ultrapassado pelos factos. Tal como a gente da coligação PàF se diz perplexa com o que está a acontecer, também Cavaco ficou preso nas teias de aranha que habitam a sua mente. A hora de Cavaco Silva está, pois, prestes a extinguir-se. O País atrasado, cavaquista, pafiano, acabou. Pode não ter acabado hoje mas está a caminhar inexoravelmente para o fim. São personagens já fora da história, com o seu quê de patético.
O futuro contará com aqueles que têm um olhar novo sobre o mundo, gente que percebe que o tempo que conta é o que está por vir e que o futuro somos nós que o fazemos, segurando as rédeas do destino nas nossas mãos -- e que os dias que temos pela frente são um campo aberto.
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As fotografias são de Marcin Sobas e mostram um lugar maravilhoso: Moravia na República Checa.
A música é Happiness does not wait - Olafur Arnalds
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma sexta-feira muito feliz.
Pois imagino o que escrevera amanha sobre a escolha de Cavaco. Nao propriamente da escolha, mas do discurso. Uma vergonha, algo nunca visto. Para Cavaco, certamente que eleicoes sao desnecessarias. Acho que hoje vi ali um fascista. Manuela
ResponderEliminarUJM,
ResponderEliminarquando voltar à superfície ficará a saber que resposta a Cavaco Silva já foi servida e, como a gravidade da situação o exigia, foi servida quente.
Nada me admirará se, dentro de 5 ou 6 semanas, Cavaco Silva, derrotado pela inevitável cascata de acontecimentos que não controla, abandone o cargo e regresse, com o rabo entre as pernas, à Fonte de Boliqueime natal.
A suceder, seria a 1ª vez que Cavaco Silva prestaria um serviço á Nação.