Alguém deve ter difamado Joseph K., pois que numa linda manhã foi preso sem ter cometido qualquer crime. A cozinheira da sua senhoria, que lhe levava sempre o pequeno-almoço às oito horas, não apareceu nessa ocasião. Nunca tal acontecera. K. aguardou um pouco mais, deitado, observando da sua almofada a velhota da casa em frente, que parecia espreitá-lo com uma curiosidade invulgar. Então, irritado e com fome, tocou a campainha. Bateram imediatamente à porta e um homem que ele nunca vira antes em casa entrou no seu quarto. Era magro e, no entanto, bem constituído; vestia um fato preto justo ao corpo, com uma série de pregas, algibeiras, fivelas, botões e um cinto, tal como um turista, o que lhe dava um aspecto prático, embora ninguém pudesse adivinhar para que servia tudo aquilo. "Quem é o senhor?", indagou K., soerguendo-se. Contudo, o homem ignorou a pergunta, como se o seu aspecto não necessitasse de explicação, e disse simplesmente: "O senhor tocou?". "A Ana devia trazer-me o pequeno-almoço", respondeu K., estudando o sujeito silenciosa e cuidadosamente, tentando descobrir quem ele seria. O homem não se sujeitou por muito tempo a esta análise e, encaminhando-se para a porta, entreabriu-a, dizendo a alguém que devia estar mesmo por detrás dela: "Ele diz que a Ana lhe devia trazer o pequeno-almoço". Em resposta ouviu-se uma curta gargalhada vinda do quarto contíguo e que soou como se várias pessoas a tivessem soltado. Embora, do som, o estranho não tivesse podido descobrir mais do que já sabia, disse a K., como se lhe estivesse a transmitir uma ordem; "Esse pedido não pode ser satisfeito.". (...)
"Não", disse o homem que estava junto à janela, arremessando o livro para cima da mesa e levantando-se. "O senhor não pode sair, está preso." "Assim parece", disse K. "Mas por que razão?", acrescentou. "Não estamos autorizados a dizer-lhe a razão. Vá para o seu quarto e aguarde lá. Foi-lhe movido um processo e o senhor será informado de tudo na altura oportuna. Estou a exceder as instruções que tenho ao falar assim abertamente consigo. Espero, contudo, que ninguém me oiça a não ser Franz, que também se tem mostrado muito franco consigo, ainda que contra as ordens recebidas. Se o senhor continuar a ter tanta sorte como a que teve com os guardas que lhe escolheram, poderá ter esperança no resultado final."
Com o bruxulear de uma luz aumentando, os batentes de uma janela abriram-se de repente; uma figura humana, vaga e imaterial àquela distância e àquela altura, inclinou-se abruptamente para a frente e estendeu ambos os braços ainda mais. Quem seria? Um amigo? Um bom homem? Seria alguém que dele se compadecia? Alguém que o poderia ajudar? Seria apenas uma pessoa? Ou seria a humanidade? Estaria a ajuda à mão? Haveria argumentos a seu favor que tivessem sido negligenciados? Com certeza que havia. A lógica é sem dúvida inabalável, mas não pode opor-se a um homem que quer continuar a viver. Onde estaria o juiz que ele nunca chegou a conhecer? Onde estava o Supremo Tribunal, onde nunca tinha penetrado? Levantou as mãos e estendeu todos os seus dedos.
Mas as mãos de um dos homens estavam já colocadas na garganta de K., enquanto o outro enterrava a faca bem fundo no seu coração e a fazia rodar duas vezes. Com a vista a falhar, K. ainda pôde ver dois homens, mesmo à frente dele, face contra face, contemplando o acto final. "Tal como um cão!", disse ele; era como se esta vergonha devesse sobreviver-lhe.
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O texto acima, em itálico, começa pelo início do livro 'O Processo' de Kafka, continua com um pequeno excerto pouco depois do início e termina com o final do livro (e eu estou certa que a kafkiana história de Sócrates terá um fim feliz ao contrário da história desse outro José, Joseph K).
As três primeiras imagens mostram máscaras tri-dimensionais da autoria de Steve Wintercroft. A última mostra uma colagem da autoria de Kike Congrains.
A música é The Day After, do album From the yellow Room de Yiruma
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Para assuntos levezinhos e amorosos queiram, por favor, descer até ao 'olhos nos olhos' no post abaixo.
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Excelente. "As usual".
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