No post abaixo falei das araras, papagaios, galinhas e outras aves que infestam os balcões de televisão onde têm assento permanente toda a espécie de paineleiros e comentadores, gente a metro, todos da mesma cor, todos amestrados para falarem a uma só voz, paf-paf, paf-paf.
Não sendo dados a bucolismos (que é o que se vai seguir) podem, daqui, saltar já para lá.
Não sendo dados a bucolismos (que é o que se vai seguir) podem, daqui, saltar já para lá.
Aqui, agora, gostava que viessem comigo pela terra molhada e perfumada, pelos campos coloridos com as cores do outono. Aceitem passear comigo in heaven.
O campo está coberto por uma neblina. Penso que estou dentro de uma nuvem. As árvores gotejam, os musgos crescem, a terra está um veludo macio. As pedras escorrem, os arbustos adensam-se. Há aquele cheiro de que tanto gosto, um cheiro a terra molhada, um cheiro íntimo e feminino, e, à medida que ando, o perfume ganha novos aromas, uma mistura de flores, depois junta-se o cheiro forte e limpo do eucalipto, mais à frente o das folhas em decomposição das figueiras, logo o dos pinheiros, aquele cheiro doce de que tanto gosto, depois já mais intenso, o da caruma misturada com o alecrim, com o rosmaninho, com o da madressilva.
E sente-se ao de leve o cheiro a lenha queimada, e esse cheiro que vem não se sabe de onde, mistura-se com a leveza húmida e branca da névoa e eu poderia deixar-me ficar assim, abrigada, apenas aspirando este ar fresco e molhado, olhando as cores, debruçando-me sobre as pequenas flores, sobre as pedras que despontam por entre os musgos, as gotas de água que se formam sobre redes quase invisíveis.
Para mim este é um ambiente de beleza em estado puro. Aqui sinto-me livre de preocupações, como se, estando aqui, estivesse livre de tudo o que, na cidade, me pesa e cansa.
Não sei definir beleza tal como não sei definir o que é arte ou felicidade. Mas sei que, passeando-me em silêncio neste mundo em que a natureza vive em liberdade, sinto um bem estar indefinível, como se estivesse imersa em arte, em beleza, como se vivesse um sonho.
Por esta altura, acontece um milagre -- mas nem faz sentido eu falar apenas num único pois, na realidade, tudo isto é um milagre. Mas vou falar num em particular: o do aparecimento súbito de inúmeros cogumelos. Fascina-me este fenómeno. Tantos. Por todo o lado, ou isolados ou em grupos. Cor de mel ou brancos. Carnudos, de aspecto macio.
Para quem tenha o coração fechado à magia, talvez estas minhas manifestações de deslumbramento pareçam exageradas. Mas a verdade é que passar por aqui e ver como, do nada, irrompem da terra estes surpreendentes corpos, me deixa encantada. Não lhes toco, apenas os admiro. E fotografo, claro.
Este enorme, da última fotografa, parece uma taça, cheio de água. Mas são efémeros estes bichinhos lindos. Dá pena. Para a semana talvez já os veja reduzidos a quase nada, talvez já nem existam. Definham rapidamente, desaparecem.
Enquanto aqui andei quase nada se ouvia. Não há a alegria ruidosa das cigarras no verão ou o canto, em coro, da passarada ao fim da tarde. Nem senti os coelhos a fugirem. Nada. Um silêncio total. Eu, em silêncio, sem sombras, sem pesos, leve e feliz dentro de uma nuvem.
Mais acima, a árvore das folhas que se põem da cor do fogo tinha os dois últimos frutos. Escaparam, nem sei como, à gula dos pássaros. Cor de carne, macios, pesados e húmidos, a rebentarem de doçura. Fotografei-os. Inocentes deixaram-se fotografar na sua beleza sumarenta. Depois tomei-os nas minhas mãos. E comi-os, a sua carne macia escorregando na minha boca. Doces, doces dióspiros.
Ontem, quando a tarde arrefeceu, recolhi a casa. Tão bom estar assim, a chuva a cair de mansinho, as cores do outono a entrarem pela porta de vidro. Pedi: acende a salamandra, por favor. Apetecia-me o calor crepitante das pinhas, o cheiro bom do azinho.
E, passado uns minutos, já se ouvia o som do fogo subindo da lenha, o perfume bom que se solta do que, até há pouco tempo, eram ramos e pinhas das nossas árvores, já se sentia aquele quentinho aconchegante que me faz sentir ainda mais em casa. Um ninho in heaven.
Depois, quando olhei lá para fora, vi no vidro o reflexo do fogo. Parecia que as chamas nasciam do chão, na rua. Como se tudo se tivesse unido: o interior da casa - a cortina, o fogo dentro da salamandra - o muro e o banco de pedra, a grevílea e o musgo que começa a cobrir a terra em volta do tronco, os pés de pyracantha, as folhas caídas da azinheira, a grande rocha que tenho ao pé da porta e que nos serve de banco. A minha casa no paraíso, o lugar de todas as magias, de todos os sonhos, de todas as alegrias, de todos os os amores.
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A música é de Rodrigo Leão: Alma mater
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Recordo que sobre a chusma de comentadores a metro e, em particular, sobre umas curiosas estrelas da Quinta dos Comentadores da TVI (que dão pelo nome de Sofia Vala Rocha e João Miguel Tavares) falo no post já aqui a seguir.
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Tão bom. Dias assim podiam ser eternos.
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ResponderEliminarPor aqui nada é exagerado.
É a magia da palavra, a magia dos sentidos.
É o cheiro da natureza que se evola e nos embriaga,
num toque de pura poesia.
Bj
Olinda
amo a cor-de-laranja
ResponderEliminartambém tenho cortinas nessa cor
muitos apontamentos por toda a casa e mesmo nas roupas
uma cor que me acompanha desde a infância sem que disso tenha tido consciência
todas as estações têm o seu encanto específico
mas
o outono vence as companheiras desta jornada universal
vivendo num apartamento
as minhas janelas são emolduradas por grandes leques e mantilhas em que existe uma harmonia perfeita entre os ocres, castanhos, amarelos, laranjas, verdes entre cortados por pequenos pontos prateados que como estrelas em noite de lua cheia vão cintilando numa combinação perfeita com uma farta franja também ela de um cinza prateado.
amo as minhas janelas, também elas com cortinas em laranja e ocre.
beijos
GG
numa de clica aqui e acoli deparei-me com este vídeo
ResponderEliminarnão sei por quê mas lembrei-me da umjeitinho ;)
http://www.tabonito.pt/como-se-faz-um-estacionamento-perfeito
GG