Meus Caros,
Se, no post abaixo, ficaram chocados com a minha história sobre o pénis que pediu aumento, terão agora, aqui, oportunidade de ver que não sou indecente a toda a hora (apenas de vez em quando).
Portanto, desviemo-nos dos pénis reivindicativos e entremos num outro comprimento de onda. Uma onda mais zen. Mas zen à maneira - nas palavras de quem sabe do que fala. Felicidade é o tema. O último reduto.
Paul Klee: " A imagem artística não possui nenhuma utilidade especial. O único objectivo que deve cumprir é o de nos tornar felizes"
A criança que entra no mar, sem ondas e com pé, atira com água, chapinha, grita e ri, ri ao sol -- é feliz. A felicidade não é um estado, psicológico ou outro, nem um sentimento ou uma emoção particular. É uma abertura total do corpo ao espaço, aos outros, ao cosmos. Não é um afecto mas uma disposição para viver todos os afectos da maneira mais intensa. Ela mesma tem a intensidade = 0. Por isso acolhe em si qualquer afecto com as intensidades mais variadas.
Há, no entanto, uma afinidade entre o plano da felicidade e o jorrar da alegria: a felicidade (= 0) favorece o máximo de alegria no tempo mais longo (= ∞, a eternidade). A alegria infiltra-se pela alma dentro e torna as emoções fortes e alegres. Mesmo as mais tristes doem sobre um fundo firme e consistente que a alegria forjou.
(...) Na felicidade não há lugar para a inveja, o rancor, o ressentimento ou a maldade. Estes afectos encolhem o corpo e a felicidade dilata-o. São paixões do 'eu' e na felicidade não há 'eu', apenas o acontecer da existência das coisas. A inveja, o ressentimento cobrem o mundo com um véu único e opaco e enfiam-no no eu, enquanto o jogo das cores, os saltos imprevisíveis da alegria tornam impossível o aprisionamento da vida, expandindo-a.
Porque a felicidade permite a maior intensificação dos afectos, o ser feliz é afectado por todo o tipo de emoções com a máxima vibração. A crueldade do mundo, o horror, o mal mais devastador são vividos com lucidez e compaixão extremas. Mas não o destroem, antes lhe dão forças para os combater: a felicidade, como que esquecida de si, torna-a mais densa, não é exactamente porque ela existe e está ameaçada que a barbárie nos afecta a todos?
A felicidade não resulta do somatório sábio de prazeres. Pelo contrário, ela dá valor aos prazeres, acrescentando ao sentir empírico e não empírico um prazer subtil, o prazer de existir. A felicidade transforma assim todo o prazer em prazer de existir: quando se é feliz, o mínimo prazer dos sentidos adquire a consistência aérea que emana do facto de simplesmente existir. A felicidade é o prazer da existência, a existência como prazer. Assim se funda estético-ontologicamente a felicidade.
Como abertura total do corpo ao espaço, às coisas e aos seres, a felicidade não define um estado de espírito fechado que isola o indivíduo na complacência de um prazer que é só dele. A felicidade abre o indivíduo aos outros, torna-o uma singularidade ligada a outras. É uma promessa de felicidade comum. Por isso a felicidade é eminentemente política.
(...) A alegria do devir.
(...) Na felicidade não há lugar para a inveja, o rancor, o ressentimento ou a maldade. Estes afectos encolhem o corpo e a felicidade dilata-o. São paixões do 'eu' e na felicidade não há 'eu', apenas o acontecer da existência das coisas. A inveja, o ressentimento cobrem o mundo com um véu único e opaco e enfiam-no no eu, enquanto o jogo das cores, os saltos imprevisíveis da alegria tornam impossível o aprisionamento da vida, expandindo-a.
Porque a felicidade permite a maior intensificação dos afectos, o ser feliz é afectado por todo o tipo de emoções com a máxima vibração. A crueldade do mundo, o horror, o mal mais devastador são vividos com lucidez e compaixão extremas. Mas não o destroem, antes lhe dão forças para os combater: a felicidade, como que esquecida de si, torna-a mais densa, não é exactamente porque ela existe e está ameaçada que a barbárie nos afecta a todos?
A felicidade não resulta do somatório sábio de prazeres. Pelo contrário, ela dá valor aos prazeres, acrescentando ao sentir empírico e não empírico um prazer subtil, o prazer de existir. A felicidade transforma assim todo o prazer em prazer de existir: quando se é feliz, o mínimo prazer dos sentidos adquire a consistência aérea que emana do facto de simplesmente existir. A felicidade é o prazer da existência, a existência como prazer. Assim se funda estético-ontologicamente a felicidade.
Como abertura total do corpo ao espaço, às coisas e aos seres, a felicidade não define um estado de espírito fechado que isola o indivíduo na complacência de um prazer que é só dele. A felicidade abre o indivíduo aos outros, torna-o uma singularidade ligada a outras. É uma promessa de felicidade comum. Por isso a felicidade é eminentemente política.
(...) A alegria do devir.
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O texto é da autoria do filósofo José Gil e faz parte de 'Poderes da Pintura' da Relógio D'Água
As pinturas são, como é bom de ver, de Paul Klee.
A música é Once Upon A Time in The West (Ennio Morricone) com Yo-Yo Ma
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Isto de uma coisa vir catalogada como inspiracional já me faz recuar à força toda mas, enfim, Kipling é Kipling chamem o que chamarem ao seu poema If, aqui lido por Tom O'Bedlam e, portanto, aqui o deixo porque senti muita vontade de o partilhar convosco.
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Leitor, em comentário, deixou-me referência da versão portuguesa dita por Villaret. Deixo-a aqui, com os meus agradecimentos
Se
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Relembro que abaixo há um post muito impróprio para donas de casa bem comportadas, avôzinhos beatinhos, betinhos de fatinho e gravata ou virgens por ideologia: o post abaixo é mesmo para gente que não se importa de passar por indecente (e estou com estes avisos todos apesar de ser uma brincadeirinha de crianças, mas, enfim, pelo sim, pelo não, acho melhor avisar).
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira, com boas notícias, alegrias, presentes, afectos, bolinhos bons, abracinhos fofos e tudo o que de bom vos apetecer. Be happy.
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“(…) A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido. Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente – as razões têm essa mania de serem discretas. (…) Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem pra isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor – até que venha a próxima, normais que somos.”
ResponderEliminar— Martha Medeiros MEDEIROS
Joao Villaret, "Se": https://www.youtube.com/watch?v=wbSzumecW5c
ResponderEliminarOlá Rosa Pinto,
ResponderEliminarGostei muito deste contraponto. Oportuno, sensível, útil.
Muito obrigada.
Um bom fds!
Olá Anónimo!
ResponderEliminarGostei muito e já coloquei no post. Além do mais, assim, o poema pode ser entendido por muito mais pessoas.
Obrigada.
Bom fds!