Sobre a entrevista do Passos Coelho que não vi e sobre o Joaquim Aguiar que a comentou e que disse coisas bizarrésimas que quase tiraram o José Miguel Júdice do sério e sobre o Augusto Santos Silva que foi outra vez desfeiteado pela TVI falo a seguir.
Aqui, agora, se me permitem, mudo de registo porque isto de andar com o láparo colado aos dedos há alguns dias já me está a causar brotoeja.
Tempo de rêverie, de palavras perdidas, de pedrinhas na palma da mão e sorrisos, de sons doces como suaves embalos, de afinidades, de descobertas. Tempo de boa onda em tempo de verão.
Vista de longe a vida pode parecer uma via única, sem obstáculos, sem imprevistos. Uma pessoa foi posta a caminho e as oportunidades vão aparecendo e a pessoa vai escolhendo, esta sim, esta não, e vão-se cruzando outras pessoas e umas nós vêmo-las, outras não, e das que vemos, com umas simpatizamos e tornamo-nos amigas e de outras não, e por umas sentimos uma empatia especial e por outras não e vamos continuando a caminhar que a vida é um percurso contínuo -- até que um dia o percurso há-de chegar ao fim.
Certo é que, por vezes nos enganamos, voltamos atrás, desviamo-nos, corrigimos a trajectória; mas, à distância, vistos de cima, pareceremos simplesmente uns pequenos seres a caminho de um qualquer sítio.
E, no entanto, vendo por dentro de nós, quantas hesitações, quantos segredos, quantos espantos, sobressaltos, surpresas, alegrias. Quantos acasos inexplicáveis, quantas mil vidas antigas convergindo em momentos únicos, quantos mistérios, sonhos escondidos, desejos inexplicáveis, quantas maravilhosas descobertas, quantas mil vidas suspensas à espera de serem vividas.
Não serão quatro caminhos mas muitos mais, e todos, um dia, parecem convergir e tudo parece desenhar-se de forma perfeita, estranhamente perfeita. E nós no centro dos misteriosos mundos que convergem.
[E há tantos exemplos de encontros inesperados e tão perfeitos. Esta Gota de Água é um exemplo disso]
E surgem então palavras que parecem ter asas, palavras que escavam taças que recolhem outras palavras e as palavras falam de dor e de alegria, mas talvez sejam apenas sonhos, talvez pequenos milagres. E, sem que o consigamos perceber, tudo parece fazer sentido.
Um olhar, um sorriso, uma proximidade, tudo tão inexplicável, tudo tão imprevisto, tão efémero. São palavras. São gestos inocentes. São histórias.
Mas eu esqueço as palavras, esqueço. Habituo-me a esquecer. O que esqueço não existe. Só me interessa o que ainda não descobri, as palavras que vou ouvir, o que vou receber de oferenda: rosas azuis que são uma toada inventada que me leva nos braços, o olhar insubmisso de um tigre que nunca será visto, o livro ou o pensador de que nunca ouvi falar, um abraço que um dia se pressentiu, a voz baixa de um poema dito em surdina, uma igreja alucinada ou outra douradamente alumiada, uma sombra de que ainda ninguém falou, uma litania longínqua, um sorriso que apenas um certo espelho conhece.
Mas eu esqueço as palavras, esqueço. Habituo-me a esquecer. O que esqueço não existe. Só me interessa o que ainda não descobri, as palavras que vou ouvir, o que vou receber de oferenda: rosas azuis que são uma toada inventada que me leva nos braços, o olhar insubmisso de um tigre que nunca será visto, o livro ou o pensador de que nunca ouvi falar, um abraço que um dia se pressentiu, a voz baixa de um poema dito em surdina, uma igreja alucinada ou outra douradamente alumiada, uma sombra de que ainda ninguém falou, uma litania longínqua, um sorriso que apenas um certo espelho conhece.
Labirintos, espelhos, palavras ditas depois de alguém as ter dito iguais, incompreensões que se tornam irrelevantes, para quê perceber tudo quando o mundo é o lugar de todos os mistérios?, a vontade de que a magia não se dissolva, de que as nuvens tão suaves não se dissolvam. Quero ouvir falar de mosteiros, de caminhos, de acordes, de cânticos, de cantos, de poemas, de acordes infinitos, de corações que estremecem. E eu rio. Rio. Eu feita de mil rios que se juntam dentro do meu peito, rio, rio. Não sei de nada, não quero saber de nada, quero apenas continuar a sentir a inocência que vive dentro de mim, quero apenas continuar a deslumbrar-me pelo que não compreendo.
Limites - por Jorge Luis Borges
Desvenda-se-me o pensamento como um manto que, devagar, se vai desdobrando. Mas parte do manto fica sempre nas pregas de dentro, invisível. Não chego a saber com o que se pareceria se visse a luz do dia. Mas talvez um dia, quando desdobrado de uma outra forma, eu veja essas partes e julgue que nunca antes as tinha visto. Não sei. Desconheço-me. Penso que sou de uma maneira e, embora saiba que há muito de mim que ainda nunca vi, julgo que as partes secretas não me serão completamente estranhas. Mas não sei.
A parte de mim que desconheço é-me mostrada quando ouço nomes de que nunca ouvi falar, conjugações inesperadas de palavras ou pontos de luz: poemas, nomes de lugares, músicas, nomes de pinturas, misteriosas manchas de cor. Como se uma janela aberta sobre uma paisagem completamente nova se abrisse diante de mim e, ao fundo, um espelho com a minha imagem rodeada de mil coisas desconhecidas. Olha, abre os olhos, vê como é longínquo o horizonte e como, até lá, é vasto e diverso o mundo – é como se eu escutasse. E olho, vejo mil tons de muitas cores, mil acordes de muitas músicas, mil perfumes por inventar, mil carícias por sonhar, mil palavras infinitamente conjugadas. Extasiada vejo o muito que tenho para ver e é ao ver-me assim, inexperiente, inocente, que me descubro nas pregas do tempo que ainda não vivi.
Ventos silvando na noite, ariscos lobos, serranias e sons encantatórios, pássaros transparentes de infinitas asas, sonhos. E depois surgirá, branca e limpa, a luz.
Abro a janela à manhã que me traz um dia novo com um tempo que pertence ao futuro. O rio, o mar, o azul que me lava o olhar, as palavras, as palavras.
Abro a janela à manhã que me traz um dia novo com um tempo que pertence ao futuro. O rio, o mar, o azul que me lava o olhar, as palavras, as palavras.
E a vossa respiração aí lendo estas palavras estranhas que vos escrevo. Onde o sentido? Onde a razão? Compreendem o que vos digo? Sabem porque as escrevo? Tomá-las-ão nas vossas mãos? Ficarão algumas na vossa memória?
Eu esqueço-me do que escrevo. Não sei porque escrevem as minhas mãos palavras tão desprendidas da minha vida, palavras que nem sei se são minhas. Talvez sejam apenas palavras que se desprendem de um espelho. Pétalas de uma rosa feita de mar azul. Não sei. Nem quero saber.
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E agora vou dormir. Já estou a dormir.
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[Estou já incapaz de incluir a 'ficha técnica' das imagens e vídeos aqui incluídos].
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Não é que me pareça adequado mas permitam que vos relembre que, no post abaixo, o registo é outro: a entrevista do PPC, o Tiro-ao-lado-Aguiar, a TVI que se anda a portar descabeladamente, etc.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.
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Que lindo a Gotinha de Água. Que se lixe a troica mais o coelho, pois!!!!!!
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