quinta-feira, julho 16, 2015

A incandescência de tudo na sombra do mar


É que a pintura tem em si uma força inteiramente divina que não somente, como se diz da amizade, lhe permite tornar presentes os ausentes, mas ainda faz surgir após muitos séculos os mortos aos olhos dos vivos, de tal modo que são reconhecidos para grande prazer daqueles que olham com a maior admiração pelo artista.

Leon Battista Alberti, De pictura, II







A montanha Sainte-Victoire é o emblema da destituição do objecto. Eis um maciço que oferece, simultaneamente, a solidez de um corpo (que se mantém uno) e a realidade do tempo (que fluidifica tudo). Sainte-Victoire desaparece como objecto para reaparecer como corpo irradiante. A montanha pintada presentifica o tempo, a passagem que não se fixa a nenhuma posição, e a tela é o lugar da trepidação interna a cada forma (e a cada instante).

A tela abre -- dilata e planifica -- o instante pictural. Ela é a pele dos corpos ressurrectos, o exacto reverso de La peau de chagrin (esse outro extraordinário livro do Balzac sobre o desejo -- e que Cézanne tanto admirava). Ali, na vida, a pele não cessa de minguar na proporção inversa dos desejos realizados; aqui, na tela, a pele dos corpos excresce -- e a vida -- a vida desejante -- vai sempre além de si mesma. Na tela, uma outra vida eclode do corpo mortal.




Os devaneios da pintura,
os anelados cabelos do poema, o jorrar da música,
e também o respirar negríssimo
do medo e do desejo.

Tudo

baixo e liso como a terra e o verme,
a moleza da carne,
as ramagens que se esvaem na transparência dos rios.

Tudo

o que nos dá a ver este evangelho vivo
que reduz o homem à sua segunda natureza,
cega, insultuosa,
feita humilhação, pavor sem nome.



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As pinturas de Cézanne representam a montanha Sainte-Victoire

Os textos (em prosa) são excertos de Incandescência [Cézanne e a pintura] de Tomás Maia

O poema é Tudo de Armando Silva Carvalho in 'A sombra do mar'

Lá em cima, Angela Gheorghiu interpreta a ária "Vissi d'arte" na ópera de Puccini 'Tosca'

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No post abaixo poderão ver uma anedota sobre um alentejano.

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