Ao lado da casa de uma das minhas avós, já o contei, vivia uma senhora de porte imponente, que tinha um atelier de costura, com muitas 'raparigas', costureiras. Ela, a patroa, era a modista e nós, em casa, chamávamos-lhe 'a vizinha modista'. A vizinha tinha dois netos, uma das quais uma rapariga muito independente que quis fazer a universidade no estrangeiro. Vinha de férias e ela própria já vinha com modos de estrangeira. Até que um dia apareceu com um namorado que era o dobro dela. Ela era baixinha e miudinha e ele era um gigante. Negro. Preto retinto. Aquilo foi um choque para toda a gente. Estrangeiro e preto. Toda a gente ficou como que com pena. Lembro-me de a minha mãe se fartar de rir com uma coisa que a vizinha modista disse à minha avó. 'parece ser um bom rapaz apesar de ser preto'. Aquilo, para mim, ainda por cima acentuado pelo riso da minha mãe, soava-me a disparate de alto calibre. Lembro-me que na altura se discutia o assunto e de os meus pais se interrogarem como reagiriam se eu, mais tarde, viesse a arranjar um namorado preto. Por acaso não calhou, os meus namorados foram todos brancos. Mas na escolha em definitivo pelo último pesou bastante o facto de ser bem moreno e de, quando apanha sol, ficar com ar de marroquino.
Adiante.
O filme que fui ver tem a ver com uma inesperada relação afectuosa entre uma mulher branca (bela actriz, a Charlotte Gainsbourg, a menina de seus pais), e um homem negro, Omar Sy (um homem negro lindo).
Mas o filme não é sobretudo sobre isso. Tem muito a ver com uma realidade terrível, uma realidade invisível. Quando penso em dramas humanos nas sociedades ditas modernas e civilizadas penso sobretudo no drama dos imigrantes. É gente que veio sem nada de países em guerra ou que vivem afogados na pobreza mais absoluta, que vem em busca de um sonho, mas que tem que se anular, quase esquecer a sua identidade, viver num mundo oculto, sem direitos, explorados, acossados. Quando vejo aqueles barcos em Lampedusa, carregados de gente esfaimada, sedenta, desidratada, enrolados em plásticos como um desgraçados, muitos sendo recambiados sem compaixão, dá-me tanta, mas tanta pena. Gente igual a nós, com afectos, com laços, com ambições e que, no entanto, vive na penumbra do mundo.
Não vou contar o filme mas, independentemente da tristeza pungente que por vezes transparece, tudo é mostrado com humor, com uma grande ternura. Ri-me imenso, ri-me de gosto, devo ter sorrido grande parte do filme, uma ironia, uma graça. E uma música. Há uma cena deliciosa de uma festa, uma alegria, tudo uma boa onda que dá gosto. E é um filme francês e eu gosto tanto da língua francesa, soa-me bem.
Não encontrei o trailer legendado em português. Apenas o encontro no cinecartaz mas não o consigo colocar aqui, apenas posso deixar o link.
Coloco com legendas em inglês pois sei que muitas pessoas não sabem francês.
Excerto da sinopse do Cinecartaz do Público:
Samba Cissé (Omar Sy) é um imigrante senegalês que sonha fazer carreira como "chef" de cozinha. Contudo, apesar de viver em Paris há mais de dez anos, nunca conseguiu a autorização de residência de que tanto precisa para atingir os seus objectivos. Durante este tempo, foi sobrevivendo com pequenos trabalhos mal remunerados, tentando sempre regularizar a sua situação. Um dia, é apanhado pela polícia e encaminhado para o serviço de estrangeiros e fronteiras para ser deportado. É então que conhece Alice (Charlotte Gainsbourg), uma mulher que há anos luta contra uma depressão e que trabalha como voluntária numa organização de apoio a imigrantes ilegais. Apesar de saberem que deveriam manter a distância para não se envolverem emocionalmente, Samba e Alice vão encontrar um no outro aquilo de que tanto necessitam para avançar com as suas vidas.
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Se puderem, não deixem de ver que, de certezinha, vão gostar.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom sábado.
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A sua descrição do filme despertou-me uma grande vontade de o ver. Vi "amigos improváveis" com o mesmo ator e adorei!
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=-enQsGXufnU
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