No post abaixo falo de quimeras e emboscadas e ilustro com imagens invulgares ao som de uma música envolvente. Mais abaixo ainda partilho o vídeo de uma entrevista a Obama que merece muito ser vista e ouvida com atenção (está legendada).
Mas isso é a seguir.
Aqui, agora, poderia falar de mais um episódio no triste caso de Sócrates ou na infelicidade da quebra do emprego em Portugal que se soube no mesmo dia em que o Cavaco andava a vender o trabalho competitivo e flexível dos portugueses aos franceses. Poderia e, se calhar, deveria.
Mas pode exigir-se de uma pobre mortal como eu que mergulhe as mãos em matérias tão pouco sadias? Chego a esta hora e só me apetece fugir daqui para bem longe, para o espaço, onde o ar é limpo ou, então, para o fundo do mar.
Ama-me,
agora,
antes que a palavra chegue.
Caminho pelos dias transportando a minha vontade, os meus sonhos, as minhas palavras. Sou única tal como cada um de vós é único. Não há à superfície da terra outra pessoa igual a mim nem igual a cada um de vós. Eu sei isso, cada um de vós o sabe também.
No ruídos dos dias, a minha voz pouco se ouve nem eu tento que se destaque, desde sempre soube que sou apenas uma entre muitas.
Mas aqui, no silêncio da noite, eu só, amparada nesta doce solidão que não é solidão mas quietude, sou única. Aqui sou eu tal e qual e sem igual.
E, no entanto, se olho o outro lado do espelho, vejo outro ser igual a mim.
Diz o que eu digo, sorri se eu sorrio, avança se eu avanço, hesita se eu hesito. Levanto a cabeça e digo, esta sou eu, vou em frente, não quero saber desse outro ser que caminha junto a mim. Mas logo receio. E se ele se vai? Então, de soslaio, espreito-o e vejo que ele, de soslaio, me espreita também. Quase parece que não passamos um sem o outro.
Mergulhados em azul, o mundo parece ser nosso, e o espelho é água e é céu, e o céu é o chão que eu piso e o chão é o céu que me cobre e junto a mim vai o ser igual a mim, perdidos nos nossos sonhos, brincando com as palavras que se desenham à nossa volta como pássaros transparentes. Baixo a cabeça e ele baixa também a cabeça e, sem nos darmos conta, as nossas bocas aproximam-se perigosamente. São frescos os seus lábios. Fecho os olhos e imagino que ele os tenha fechado também.
Toca-me
antes que haja mundo,
Beija-me
antes que comece o beijo.
Despe-me
para que eu esqueça ter corpo.
Ama-me
até não sermos dois.
E é então que acontece o milagre pelo qual jamais eu poderia ter esperado. Uns passos que atravessam o azul, uma presença material, um afecto animal, e já não sou eu e os meus sonhos, sou eu e outro, dois, e nenhum espera nada do outro, ninguém quer nada do outro, porque assim são os animais, vivendo a suprema liberdade da sua vida inocente.
E não precisamos de palavras para saber que outros tempos virão porque agora nos descobrimos um ao outro, vindos do nada, nascidos do azul, atravessando o espaço imenso, desenhando rastos de afecto, ignorando o peso das sombras, sendo apenas felizes num mundo banhado de sonhos cheios de luz.
Ama-me.
E tudo será depois.
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As maravilhosas fotografias de huskies siberianos são de Fox Groom, Kirovsk, Russia, e descobri-as no Bored Panda. A música é Voice of the violin: In trutina, Joshua Bell. Os excertos, juntos, formam o poema 'Da saudade e da urgência' de Mia Couto no 'Vagas e Lumes'.
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E sigam, por favor, para Quimeras e Emboscadas, onde se juntam uma mulher e um homem belissimamente fotografados por dois grandes fotógrafos ao som de uma envolvente música.
Para os não especialmente apreciadores de beleza deste tipo, há ainda um vídeo de um homem que não deixa de ter um enorme charme e, não menos importante, um imenso poder: Obama. A entrevista não deve ser perdida. Digo eu.
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E, por agora, é isto.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira cheia de sonhos azuis.
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Amália Rodrigues - Fado Da Saudade
ResponderEliminarEu canto o fado pra mim
Abre-me as portas que dão
Do coração cá pra fora
E a minha dor sem ter fim
Que está naquela prisão
Sai da prisão, vai-se embora
Ai, minha dor
Sem o amargo do teu pranto
Não cantava como canto
No meu canto amargurado
Ai, meu amor
Que és agora que eu sofro e choro?
Afinal, agora que adoro
É por ti que eu canto fado!
Eu canto o fado pra mim
Já o cantei pra nós dois
Mas isso foi no passado
Já que assim é, seja assim
Já me esqueceste depois
Já cada qual tem seu fado
O mais feliz é o teu, tenho a certeza
É o fado da pobreza
Que nos leva à felicidade
Se Deus o quis
Não te invejo essa conquista
Porque o meu é mais fadista
É o fado da saudade
Chão é Cama para o Amor Urgente
ResponderEliminarO chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a húmida trama.
E para repousar do amor, vamos à cama.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural'