Muitas vezes me tenho já aqui interrogado sobre o que é a felicidade.
Numa altura em que há mil livros de auto-ajuda - qual deles o mais estúpido - e numa altura em que proliferam os negócios em torno da leveza, do sorriso permanente, da juventude eterna, em que o sucesso continua a ser principescamente remunerado (ainda agora li que a Google Inc. aceitou pagar à nova directora financeira, Ruth Porat, 64,2 milhões de euros até 2019. O valor em causa inclui um bónus de 4,6 milhões de euros que a directora vai receber 30 dias depois de começar a trabalhar na empresa), acho que o verdadeiro segredo para alcançar a felicidade continua a ser pouco digno de atenção quando o natural seria que fosse a conquista maior que a humanidade deveria perseguir.
Mas faço um parêntesis para falar da indecente Ruth e do seu absurdo ordenado: a mim aquele valor parece-me obsceno, tal como sempre me pareceu obsceno que alguns gestores com funções normais recebam tanto de ordenado base como de bónus – e espanta-me que isso ainda aconteça nos dias de hoje apesar de estar provado à saciedade o que isto implica no desempenho dos gestores, levando-os a fazer de tudo no curto prazo mesmo que isso comprometa o médio/longo prazo ou mesmo que implique fechar os olhos a alguns alertas que a sua consciência faça soar, e, ainda, apesar de a sociedade começar, finalmente, a estar desperta para a fractura social que se agrava de cada vez que alguém aceita ser remunerado com valores que são várias vezes o que ganha o comum dos mortais.
Conheço pessoas ricas, que se acham talvez mais felizes por serem tão ricas, mas eu, do que lhes conheço, não vejo razão para grandes felicidades, tanto mais que parte significativa da sua vida é usada, afadigadamente, a tentar aplicar eficazmente tanta riqueza. E conheço pessoas que, por muito terem, se desabituaram de gerir o que têm e, com o tempo, vão perdendo o que tinham e acabam num sufoco. E conheço pessoas que acham que a felicidade é coisa de pobres de espírito, que inteligente e sábio que se preze sabe bem que felicidade é coisa que não faz sentido e, portanto, cultivam a amargura, o desencanto. E conheço muitas pessoas simples, que não têm muitos bens materiais nem uma cultura por aí além mas que cultivam os afectos e uma vida vivida com equilíbrio e a quem vejo, com frequência, sorrisos de realização e felicidade.
Podia continuar a enumerar casos, tipos, situações, mas a conclusão seria sempre a mesma. Não sei a receita que assegura a felicidade. Mas sei que me sinto frequentemente feliz e sei que, na maior parte das vezes, isso está associado a coisas do mais simples que há.
Ao contrário de colegas meus que metem na cabeça progredir na carreira custe o que custar e que transformam a sua vida numa luta permanente, arranjando inimizades, sempre num stress, a sentirem que, a todo a hora do dia, têm que mostrar serviço porque, a toda a hora do dia estão a ser avaliados, eu nunca me dei a esse trabalho. Também sempre fiz questão de que ficasse claro para toda a gente que o trabalho é parte importante na minha vida mas não a mais importante. No trabalho tento dar de mim o máximo mas gerindo essa dedicação de forma a que ela não prejudique o meu tempo vital, que é o tempo que me reservo para o usar da forma que me dá mais prazer, com a família, amigos, comigo própria.
Tenho em mim a vontade de aprender, sempre a tive e tomara que sempre a mantenha. Mas não tenho a preocupação de mostrar o que sei, não tenho a preocupação de saber tudo o que há para saber, não tenho a preocupação de memorizar o que sei. Portanto, retenho do acto de aprender o lado lúdico. Não me importo que, no que se refere ao conhecimento, achem que há em mim superficialidade ou leviandade pois não sinto nisto, como em praticamente nada da vida, que tenho que provar alguma coisa a alguém. Cada um que ache o que quiser.
Também, este meu lado de não me importar grandemente com o que os outros pensam sobre mim, dá-me uma descontracção natural.
Comprei no sábado uns sapatos para usar ao fim de semana, uma espécie de ténis compensados, de uma espécie de pele branca pintalgada. São super macios e confortáveis. Mas o meu filho, quando os viu, ficou espantado, que não eram sapatos para a minha idade, que lhe parecia mais coisa de adolescente. Como não obteve coro por parte da irmã, virou-se para a minha mãe ‘Vó, diz lá, achas que são apropriados para a mãe…?’. A minha mãe riu, encolheu os ombros e disse, ‘sei lá, já lhe vi tanta coisa, já estou tão habituada a tudo nela que já tudo me parece normal’. Achei graça. Mas, de facto, quando faço escolhas, seja a que nível for, penso no que me agrada ou no que agrada às pessoas envolvidas mas não me deixo tolher pelo receio da opinião alheia (a bem dizer nem me lembro de tal coisa).
Mas, portanto, se alivio de sobre mim a carga do que de certeza não contribui para a felicidade (a ambição permanente, o receio da censura alheia, etc), por outro também me afeiçoo sobretudo a coisas simples. Não querer ser mais ou melhor que os outros, não fazer juízos precipitados, ser tolerante. Ou olhar o rio ou as árvores ou um quadro - quando os olho não penso em mais nada senão no que me é dado contemplar e isso traz-me uma paz enorme. Também me traz felicidade ler um livro que esteja bem escrito e onde eu leia coisas que me interessam, ou um poema. Ou ouvir uma música que me transporte para outra dimensão. Ou ser generosa para com os outros. Ou comer um petisco bom (e pode até ser batatas cozidas temperadas com azeite, coisa de que muito gosto). Ou fotografar e achar que consigo apanhar aquele movimento, ou a luz ou ocasião que são belos, raros ou especiais. Ou mostrar o prazer que alguém me proporciona. Ou, claro, receber e retribuir afagos, abraços e beijos em relação a quem mais amo, estar com eles, saber deles, apoiá-los, mostrar-lhes como são importantes para mim. Coisas assim.
Li que Jorge Bergoglio, Francisco I, o Papa tão próximo da vida real, quando falava na homilia da missa do Domingo de Ramos, que inicia a Semana Santa, disse que "o estilo" dos cristãos deve ser o da humildade e não o da "vaidade, do orgulho e do êxito”
E é isso.
Também vi no outro dia uma reportagem no Bored Panda sobre uma tribo a que chamam os ciganos do mar. Vejo as fotografias e invejo a felicidade que se adivinha em quem ali vive. O despojamento, a alegria do contacto com a natureza, a partilha de afectos, a simplicidade - tudo isso traz certamente a felicidade.
Transcrevo:
Traditionally, the Bajau resided in small boats, sailing day and night with the currents, counting only on their fishing gear to make a living. This is how they earned the title of the “sea gipsies”. Others used to live in hiding and many still live nowadays in the middle of nowhere, on floating villages built on the coral reefs. Today, many have come ashore to live on small islands, but continue to develop their perfect knowledge of the oceans, whilst selling their fish on a small scale.
Réhahn, a french photographer, spent a few days with these sea gipsies. He will keep forever in the depths of his heart the feeling of peace and serenity that emerges from these places, of these people who have nothing in common with our lives and who live only for and by the water.
Belo texto , estimada UJM .
ResponderEliminarMelhores Cumprimentos
Vitor
Achei muito inspirador o seu post e concordo plenamente com tudo o que escreveu. Que bom encontrar pessoas que pensam assim :)
ResponderEliminarOlá UJM!
ResponderEliminarAcabei de ler o seu último texto e gostei imenso.A felicidade tem em tudo a ver com a atitude perante o que nos acontece e o que nos rodeia,mesmo se por vezes a vida traz imprevistos que nos poderiam deixar completamente infelizes.Atravesso um desses momentos e áparte a surpresa inicial perante uma situação tão difícil e de desfecho imprevisivel,é-me no entanto possível descobrir momentos de felicidade que noutro contexto não teriam sido possíveis.Seja sempre feliz!
Adorei o post!
ResponderEliminarA Felicidade é contagiosa, assim como a Alegria de viver. As fotos (lindas) mostram-no.
Obrigada por partilhar.
Conceição T