Da Pacem Domine
Chant of the Templars
Apesar de os meus pais me terem baptizado e ter feito a Primeira Comunhão e a Comunhão Solene, a minha ligação à religião praticamente terminou aí. Não professo religiões pelo simples facto de que não.
E, no entanto, respeito quem o faz. Aqui há tempos, falando com uma pessoa que tinha que ser operada, dizia-me ela que a religião dela não permitia que se fizesse ou mexesse em sangue (se não estou em erro era isto) e que, portanto, tinha que descobrir um médico e um hospital em que isso fosse respeitado. Fiquei admiradíssima, nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Contudo nem questionei, muito menos critiquei, gozei ou tentei demover. Ouvi aquilo intrigada e calada - e ponto final.
Por isso, tenho que confessar: se o Islão pressupõe a não representação do Profeta – e eu não faço ideia se, de facto, pressupõe ou não, apenas estou a admitir como hipótese – então eu acho que, não é por se seguir uma outra religião que já se estará moralmente livre de o fazer em relação a outras ou de gozar com isso.
Da mesma forma que se alguém, por motivos de crença, não come porco, eu, lá porque a mim isso não me faz confusão, não acho que tenha o direito de lho dar a comer. Eu, por exemplo – e não é por motivos religiosos mas sim culturais – não consigo sequer pensar na ideia de comer carne de cão. Só de pensar nisso sinto uma sensação de repulsa, e não acharia graça nenhuma a piadas que passassem por comer carne de cão.
Contudo, claro que não me ocorreria passar para a violência junto de quem publicasse artigos com isso embora, assumo, ficasse seriamente incomodada se tal acontecesse com frequência tanto mais que recearia que se banalizasse a ideia de que comer cães é uma coisa normal e aceitável.
E note-se que estou a falar de um aspecto cultural. Um aspecto de índole espiritual e religioso ainda deve provocar reacções mais extremadas – admito eu.
Não conhecia o Charlie Hebdo antes do que agora aconteceu. A minha sabedoria a esse nível ficava-se pelo Canard Enchainé. Contudo, mal soube que, por terem feito cartoons ironizando Maomé, tinham sido mortas várias pessoas o meu pensamento único foi de repúdio e horror. Tirar a vida a uma pessoa está fora de questão em qualquer circunstância. Mesmo que não tivesse sido aquela mortandade mas sim o que já tinha acontecido antes (terem incendiado as instalações), acharia condenável e inadmissível.
Mas, dito isto, acho que não é o ser banal desenhar o Deus dos católicos que confere alguma superioridade ideológica e moral que torne admissível parodiar as crenças dos outros. Ou seja, acho que haverá mil formas de fazer humor com os extremismos fanáticos, com a bestialidade hedionda sem representar graficamente os símbolos da religião se isso é um tabu sério para os seus devotos.
E embora mil milhões de vezes sejam poucas vezes para condenar a violência dos terroristas, acho uma provocação dispensável que se tenha voltado a fazer capa com isso, tanto mais que se sabe que isso incendeia ódios, desperta sentimentos primários e irracionais de vingança e que pode desencadear situações extremas de violência.
É certo que no caso dos terroristas qualquer coisa lhes pode fazer desencadear reacções irracionais. No outro dia, como aqui falei, degolaram um deles apenas porque fumava. Por isso, nem é a pensar nos terroristas que estou a pensar quando digo que é dispensável fazer coisas que choquem as convicções profundas de carácter religioso de um grupo considerável de pessoas: é a pensar, sobretudo, nos muçulmanos pacifistas, tolerantes.
Cada pessoa é livre de comer peixe assado as vezes que quiser e onde quiser. Contudo, sabendo que pode provocar um incêndio florestal de consequências imprevisíveis, é pouco avisado que acenda uma fogueira no meio do mato para o assar. E isto nem é por alguém lhe coarctar a liberdade, é apenas uma questão de bom senso, de respeito pela natureza, e uma inteligente avaliação de riscos.
Ontem, quando ouvi o Papa dizer que seria normal ter a reacção de dar um murro em alguém que insultasse a mãe, ri.
Se há coisa que costuma provocar reacções de raiva é que chamem p... à nossa mãe. A mim nunca me disseram tal coisa (pelo menos à minha frente) nem me dá para andar ao estalo com os outros mas até admito que, num contexto de discussão acesa e ânimos exacerbados, a mão me pudesse saltar para aplicar o justo correctivo em alguém que estivesse mesmo a pedi-las. Mas o que mais me divertiu foi isso ter partido do Papa que, mais uma vez, se assume como uma pessoa comum e não como um ser paranormal. No decurso de uma conversa que decorria em registo informal, saíu-lhe esse exemplo e provavelmente, agora, ele já o considere uma gafe mas, bolas, gafes qual o ser humano que as não comete?
Do que ele disse não me pareceu que estivesse a justificar os assassinatos no Charlie Hebdo, tanto mais que fez questão de reforçar que não se mata em nome de Deus, apenas me pareceu que estava a defender que a liberdade tem limites, alguns dos quais se prendem com o respeito pela fé dos outros. Por isso, não alinho na condenação histérica que já por aí vai como se o Papa fosse um anjo caído em desgraça; e acho que melhor faríamos se fossemos todos mais tolerantes e compassivos uns com os outros, respeitando-nos mutuamente, tentando compreender-nos uns aos outros, querendo a paz sobre tudo.
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Esta coisa das religiões já ultrapassa o limite do aceitável.
ResponderEliminarCerto. Devemos, É OBRIGATÓRIO , respeitar os outros , na fé e não só.
Matar? Qual a desculpa que justifica o injustificável?
Não gostamos de uma publicação, então, não a vamos ler. Insultaram-nos? Então, existem os tribunais.
Quanto ao Papa Francisco que Deus lhe perdoe. Não pensou bem no que disse. Mas está lá a filosofia do pôr-se a jeito. Por cada filho da p*** dito, se fosse normal implicar violência, teríamos um arraial de murros diário. Pensem nas escolas.
Quem nunca lhe apeteceu dar um murro, por esta ou aquela razão? E? Pois os valores que interiorizamos não permitiram a execução. Bem hajam (os valores).
Beijinho