No post abaixo já vos mostrei o meu primeiro presente de Natal. Foi um Leitor que mo ofereceu e isso deixa-me duplamente contente. Não podia deixar de expressar publicamente o meu sentido agradecimento.
Mas isso é a seguir. Agora, aqui, a conversa é outra. A vossa atenção, por favor.
Nesta estação do ano está tudo cheio de rosas de todas as cores, com nomes nas etiquetas. Tudo muito bem arranjado, com nomes como: "Madame Herriot, Madame Poincaré, Belas de Noite, Veludos, Rosas-de-França, Batalhas do Marne", por aí fora. Todas bem cuidadas, em quadradinhos de terra, com estacas.
Sabe, a mim faz-me bem andar pelo jardim, tenho de fazer exercício com a perna que me resta.
E depois, meto pela Avenida Foch, viro na Avenida Joffre, meto pela Rua Pétain, à beira rio, depois dou a volta à Rotunda dos Aliados e fico lá a ouvir os cegos a tocar acordeão.
Sabe, os cegos foram todos postos juntos uns aos outros, ao fundo. Foi uma história engraçada, a do acordeão! Antes de poderem tocar acordeão, aquilo de ficarem todo o tempo no escuro quase os enlouquecia. Tinham de ser vigiados constantemente, sobretudo quando iam para a beira-rio. Um dia, um deles comprou uma flauta barata. Começou a tocar. Era de fazer chorar as pedras! A madre superior veio vê-los e disse: "O que vos falta é um acordeão!" Eles disseram: "Como?!" A madre acha que sim?", disseram. "Imagino, imagino!...", disse a madre. "Eu sei tocar acordeão", disse um deles. E, então, uma rapariga rica da cidade comprou um acordeão para os cegos. Ficaram todos contentes.
Quando saem, ao domingo, todos em bando (metem em carrinhos de mão aqueles que, além de serem cegos, já não têm pernas), levam com eles o acordeão.
Sabem que não podem tocar em público, é proibido. Mas mesmo assim levam o acordeão com eles e, de vez em quando, lá tocam um pouco, num recanto do jardim.
Casimir cala-se e põe-se a comer uma compota de pêssego que Julia lhe tinha dado, lambendo os bigodes. Os raios dourados do sol deslizam pela erva e brincam. A colina está azul, ao longe, um azul que entra pela porta. O vento ondula pelos olivais fora.
Heaven with a view |
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O excerto que transcrevi faz parte de O Grande Rebanho (Le grand troupeau no original) da autoria de Jean Giono (francês, 1895-1970) - o mesmo autor de 'O homem que plantava árvores' - numa tradução de Álvaro Manuel Machado, um livro sobre a Primeira Guerra Mundial que tem momentos crus, dolorosos e outros de grande sensualidade e leveza.
Se tiver coragem, amanhã transcrevo a continuação deste texto.
A música é a Orchestre Musette Gigetto et Marcel interpretando "Le p'tit bal musette ", numa gravação de 1930.
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Relembro: desçam, por favor, se quiserem ver o meu primeiro presente de Natal deste ano.
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