No post abaixo partilhei o episódio especial de Downton Abbey feito para ajudar a angariar fundos numa festa de beneficência anual inglesa. É uma paródia pegada e é um prazer ver aqueles personagens a divertirem-se tão abertamente. É que não são apenas os actores que se divertem, são os próprios personagens. Uma festa.
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.
E, se concordarem, vamos com The River Live na interpretação de Joni Mitchell.
Devo dizer que quando ando com um tema atravessado mas não sei por que ponta lhe pegar, temendo não o fazer da forma mais apropriada, parece que fico com as ideias presas pois tudo o que não seja aquilo em que estou a pensar me parece coisa pouca.
Podia falar e pronto, desaparecia a ânsia. Mas não se pode falar com ligeireza ou leviandade de temas que devem pesar, doer, ferir a nossa consciência. Nem se pode errar.
Ora nem eu tenho tempo para grandes investigações nem tenho a disponibilidade mental para me livrar da ligeireza que, por vezes, parece cobrir a minha escrita. Estou cheia de trabalho e, pelo meio, tenho que arranjar tempo para pensar no que tenho que comprar para preparar a parte que me compete na ceia de Natal que não vai ser em minha casa e mais os ingredientes para o almoço que vai ser cá em casa e mais presentes de última hora e mais as coisas normais de casa.
E, enquanto isso, ando com a maldita ideia que não me sai da cabeça. Já pensei passar ao lado, ser-me-ia mais cómodo não me aventurar por territórios que não conheço, que não vejo na nossa imprensa, que não me é fácil confirmar. Mas como, se isso por aqui anda permanentemente a tolher-me os movimentos?
Ainda não vai ser hoje mas, para ver se me amarro já a um compromisso de forma a não poder libertar-me, digo já que o tema é a tortura.
A tortura a que os Estados Unidos submeteram prisioneiros, sevícias impensáveis. Através de relatórios falsos em que se fazia a apologia da eficácia de métodos bárbaros, indignos, desumanos, os EUA foram-se auto-desculpando e ganhando a cumplicidade de muitos Estados para poderem continuar a fazê-lo.
Afinal, sabe-se agora, aquela barbaridade era contraproducente em termos de resultados de interrogatórios, e, portanto, de uma ponta a outra, tudo não passou de um embuste, de selvajaria gratuita.
Os portugueses como vários outros povos sabiam e fechavam os olhos. Aviões com prisioneiros...? Ora, deixa-os estar. Aliás, é bem capaz de tudo não passar de mais um desmando da Ana Gomes. E, como temos sempre mais com que nos ralarmos, mostramos que não estamos nem aí.
Ou seja, lavamos as mãos, coisa em que somos especialistas - nós e quase todos os outros. Quando se trata de não ver o que não quereremos ver, é como se fossemos acometidos por uma oportuna cegueira branca.
E isso custa-me muito. Que raça de gente somos nós que nos desinteressamos mesmo quando, no fundo de nós, sabemos que temos razão para suspeitar? Porque deixamos que alguém torture outro ser? ....Porque pensamos que são terroristas e que, portanto, é bom que se faça de tudo para se lhes arrancar confissões? Mas e se não forem? E será necessário fazer-lhes o que agora sabemos que lhes fizeram?
Ou seja, lavamos as mãos, coisa em que somos especialistas - nós e quase todos os outros. Quando se trata de não ver o que não quereremos ver, é como se fossemos acometidos por uma oportuna cegueira branca.
E isso custa-me muito. Que raça de gente somos nós que nos desinteressamos mesmo quando, no fundo de nós, sabemos que temos razão para suspeitar? Porque deixamos que alguém torture outro ser? ....Porque pensamos que são terroristas e que, portanto, é bom que se faça de tudo para se lhes arrancar confissões? Mas e se não forem? E será necessário fazer-lhes o que agora sabemos que lhes fizeram?
(...) Para além da simulação de afogamento ou da privação de sono (que no caso de um detido ultrapassou sete dias seguidos), o documento refere a imposição de “alimentação anal” e “reidratação anal”, assim como suspeitos com ossos das pernas partidos obrigados a permanecer de pé, acorrentados à parede. O problema não é apenas cada um dos métodos, mas as consequências provocadas pela sua utilização em conjunto, como a simulação de afogamento ou da execução de um detido combinada com privação de sono ou com longos períodos de isolamento. (...)
No entanto, há um pormenor que ainda me angustia mais em tudo isto. Se bem percebi, quem estava por trás de tudo isto, quem ordenava, quem engendrava os procedimentos cruéis, quem chegava a conduzir sessões de sofrimento infligido, quem fazia relatórios enganosos, quem tinha tamanha malvadez dentro do corpo, era uma mulher. Uma oficial da CIA.
Se bem percebi, as fileiras cerram-se agora em torno desta mulher que não se identifica, que ninguém identifica, que ninguém sabe quem é. Uma mulher. A Rainha da Tortura. Arrepia-me, aterroriza-me pensar numa coisa destas.
Mas temo não ter percebido bem, temo meter-me por caminhos ínvios, por labirintos dos quais não saiba como sair e, por isso, hoje não vou falar nisso.
Mas aqui fica expressa a intenção: a ver se um dia destes, com mais certezas, consigo escrever alguma coisa sobre assunto tão maligno.
Mas aqui fica expressa a intenção: a ver se um dia destes, com mais certezas, consigo escrever alguma coisa sobre assunto tão maligno.
Por isso, não falando nisto, quero apenas dizer que, uma vez mais, Jorge Bergoglio, o Papa que me faz ter vontade de me aproximar da Igreja (porque, para mim, Igreja é isto, um lugar de verdade e de inclusão, não um lugar de preconceito e expiação), me voltou a surpreender - tal como terá surpreendido meio mundo.
[Permito-me transcrever na íntegra um artigo. Trata-se de um texto intitulado "Do "Alzheimer espiritual" ao "terrorismo da má-língua" - Papa denuncia 15 doenças da Cúria", foi escrito por Ana Fonseca Pereira e publicado no Público.]
Enganaram-se os bispos e cardeais da Cúria que nesta segunda-feira entraram na ornamentada Sala Clementina esperando ouvir as tradicionais felicitações natalícias.
No discurso aos dirigentes do governo central da Santa Sé, o Papa Francisco denunciou, uma por uma, 15 doenças que afligem a hierarquia da Igreja, do carreirismo, à ganância e ao “terrorismo da má-língua”.
Francisco denunciou com uma severidade inédita as tramas e os métodos daquela que é, desde Março de 2013, a sua “corte”, numa intervenção temperada com palavras de incentivo e até algum bom humor.
Mas quem assistiu ao discurso, que o correspondente da AFP descreveu como “um banho de água fria”, diz que na sala se viram muitos rostos fechados e tensos.
A atmosfera contrastou com a informalidade da audiência seguinte, quando familiares e funcionários do Vaticano encheram o auditório Paulo VI e ouviram o Papa elogiar os homens e mulheres “invisíveis” que garantem o funcionamento da cidade e da sua administração.
A atmosfera contrastou com a informalidade da audiência seguinte, quando familiares e funcionários do Vaticano encheram o auditório Paulo VI e ouviram o Papa elogiar os homens e mulheres “invisíveis” que garantem o funcionamento da cidade e da sua administração.
Uma forma de agir que já se tornou habitual no Papa argentino – que no dia do seu aniversário almoçou com os trabalhadores da residência de Santa Marta e mandou distribuir 400 sacos-cama pelos sem-abrigo de Roma –, mas que promete ressoar muito tempo pelos corredores do Palácio Apostólico, tal a dureza das palavras proferidas. Andrea Tornielli, vaticanista do La Stampa, sublinha que em nenhum momento Francisco referiu nomes e fez questão de dizer que os pecados que trazia listados “são um perigo natural para cada cristão, cada cúria, cada comunidade”. “No entanto, identificou-os claramente como estando presentes no ambiente que o rodeia há 21 meses”, escreveu o jornalista, numa alusão às notícias sobre o clima de conspiração e à oposição cada vez mais audível de alguns sectores do Vaticano às reformas que pôs em marcha na Cúria.
Em vésperas de Natal, o Papa convidou os cardeais a fazerem um “verdadeiro exame de consciência”, pedindo perdão a Deus, “Ele que nasceu na pobreza numa caverna em Belém para ensinar a humildade” e foi acolhido “não pelos eleitos”, mas pelos “pobres e simples”. Ao contrário, afirmou, a Igreja de hoje padece de “infidelidades” ao evangelho e está ameaçada por doenças que é urgente “tratar”.
Numa lista exaustiva, Francisco fez o diagnóstico de 15 enfermidades, descreveu sintomas e apresentou remédios, de uma forma “tão lúcida e conhecedora do assunto em causa que voltou a abalar o estereótipo de um latino-americano que não está habituado às ‘complexidades’ de Roma e da Europa, o argumento que os seus críticos tentaram usar para o neutralizar”, escreve o site Vatican Insider.
Criticou os que ficam demasiado presos à burocracia, os que recusando abandonar as suas tarefas “se esquecem que o mais importante é sentar-se aos pés de Jesus”, ou aqueles que, pelo cargo que atingiram se julgam essenciais e a quem convidou a visitarem os cemitérios “onde estão tantas pessoas que se consideravam indispensáveis”. Foi mais duro, quando denunciou o “Alzheimer espiritual” dos que se afastaram de Deus e “vivem dependentes das suas paixões, caprichos ou obsessões”, ou quando criticou os que se tornaram “vítimas do carreirismo e do oportunismo”, os que protegem os interesses de um círculo fechado e os que “tentam preencher o seu vazio existencial arrebanhando bens materiais”.
Denunciou uma vez mais a cultura da má-língua, mas com palavras duríssimas para um Papa: trata-se, afirmou, da “doença dos cobardes”, dos “semeadores da discórdia” e “assassinos a sangue-frio” da reputação dos seus irmãos. “Tende cuidado com o terrorismo da má-língua”, afirmou, antes de exortar os presentes a trabalharem pela unidade da Igreja.
Para temperar o duro sermão, Papa terminou com uma nota de bom humor – recordou ter lido algures que “os padres são como os aviões, só são notícia quando caem” – e pediu a todos que mantenham no seu ministério uma boa dose de “auto-ironia e sentido das limitações”. Mas, no final ouviu-se apenas um aplauso tépido e o ambiente continuou pesado mesmo quando Francisco saudou um a um os cardeais para, por fim, lhes desejar Feliz Natal.
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Grande Francisco. Corajoso Francisco. Bem podemos e devemos rezar por ele como ele tanto nos pede.
Que as suas palavras ecoem por todos os centros de poder sejam eles a Cúria, a CIA, os Senados deste mundo, os Bancos das praças financeiras deste mundo, as Comissões (Europeias ou outras), os aparelhos de Estado ou os aparelhos partidários, numa escala global ou numa escala mínima - que parem todos para pensar na vã ilusão da imortalidade e da inimputabilidade, que percebam a sua cobardia e arrogância, que se envergonhem e arrependam.
E que todos aprendamos a cultivar a bondade, a generosidade, a auto-ironia, o sentido das limitações e, já agora, por favor, o bom humor.
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Para Francisco I, com agradecimento e afecto, um tango
Mariposa
Grupo Corpo, música de Ernesto Lecuona
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As fotografias são de Emmanuelle Brisson
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Relembro: caso vos apeteça ver o vídeo feito por graça pela equipa de Downton Abbey com a participação especial de George Clooney (que esbanja o seu charme pelas mulheres da família, nomeadamente pela impagável Avó Violet), desçam, por favor, até ao post já a seguir.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.
..
e no entanto ela move-se - https://dre.pt/application/file/65974078
ResponderEliminarBob Marley
Tortura é também o PR obrigar-nos a gramar este infame governo durante 4 anos!
ResponderEliminarGoze um Feliz Natal na companhia dos seus, com muita alegria e muita paz de espírito e…apetite q.b!
Um abraço,
P.Rufino
Sem palavras. Nada mais horrível que um ser humano sub-julgar outro...tantas formas de o fazer, tanto sofrimento. No entanto existe.
ResponderEliminarPensamento positivo, sempre! - e acreditar que mais dia menos dia tudo será diferente, pelo menos NÓS lutaremos.
Bom Natal e um beijinho.
Um Santo Natal e Festas Felizes para si e sua Familia, estimada UJM.
ResponderEliminarMelhores Cumprimentos
Vitor
ResponderEliminarBoa noite UJM!
Sabe, aquela Tese, o estudo, querer perceber as mentes deles, daqueles que obrigam os chefes de Estado de um País pequeno e dependente do resto do Mundo a ser conivente, a ter de aceitar e acarretar ordens, aconteceu por este assunto. A moral e a dignidade do Homem não lhe permitiam estar completamente livre após aqueles pedidos forçados para a autorização da circulação.
Os EUA têm muito poder sobre países como por ex: Portugal. (É por isso que existe uma base aqui controlada por eles, e mais coisas, enfim.)
Assim como Durão Barroso queria continuar no seu belo lugar de marioneta de milhões de euros..
Mas o Homem foi embora, e Decidiu investigar, estudar a fundo, e deixar um livro ao Universo, para que as pessoas tivessem conhecimento, trazer o assunto à actualidade, para que se debata e se investigue, só a sociedade unida poderá impedir. Ele sabe do que fala.
Se quisesse manter o assunto apagado sem poeira, não tinha escrito e trabalhado para o livro.
Estou com receio que mude a sua opinião sobre um Grande Homem, e decidi adiantar a minha opinião e sobre algumas cenas que li e investiguei sobre o tema (embora muito superficiais).
Agradeço ao UJM a sua escrita tranquila e cheia de liberdade!
Continuação de Boas Festas para si e para a sua família!
VRS