No post abaixo já vos mostrei o tal coelhinho que comeu a criança, o avô e o circo, que acha que os jornalistas e comentadores são uma raça de preguiçosos e que só não os come porque deve achar que têm muita espinhas.
Mas aqui, agora, o registo é outro. Aqui, agora, falo de quando eu sou mais eu: in heaven.
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Para a Olinda
que no sábado passado me pediu um pouco do perfume deste meu bocado de terra in heaven
Eu podia passar o fim de semana inteiro a varrer e a limpar que não ia conseguir transformar a terra que me cerca num jardim francês, daqueles que têm buxos, veredas certinhas, arbustos aparados, nem uma folha a toldar a visão de quem passa. Aqui há vida em estado selvagem e eu tento não perturbar o seu livre curso.
Apanhamos a maior mas de resto eu vigio a passagem do tempo, as sombras, as folhas que vão perdendo o correr da seiva, que vão amarelecendo, tombando, a caruma que se acomoda, as marcas da chuva, do vento, voltando à terra.
Depois de aqui me ver representada, eu e o meu corpo perecível, e de achar que há beleza em todas as formas da natureza, afasto algumas folhas, limpo um pouco, e prossigo.
No fim de semana passado havia um calor húmido que vinha da terra, a terra em período fértil exalando odores que atraem quem a queira fecundar. Sobre a camada fina de terra que cobre a rocha que une este espaço amado ao interior do planeta nasceu já um musgo macio.
Ou então é apenas o folhedo outonal que amolece, que se entretece entre si.
São de carne macia, tentadores.
Não sei se são gostosos ou venenosos, não arrisco.
Nem lhes toco, apesar de me apetecer tê-los nas mãos, sentir-lhes a pele, o folheado do interior.
Vou andando pelo campo e por todo o lado, junto ao tronco dos pinheiros, debaixo de pedras, na beira dos caminhos, há cogumelos.
Ou então é apenas o folhedo outonal que amolece, que se entretece entre si.
E, por todo o lado, despontam cogumelos, gordos, lustrosos, camaleonicamente confundindo-se com a terra, com as folhas, com as pedras.
São de carne macia, tentadores.
Não sei se são gostosos ou venenosos, não arrisco.
Nem lhes toco, apesar de me apetecer tê-los nas mãos, sentir-lhes a pele, o folheado do interior.
Vou andando pelo campo e por todo o lado, junto ao tronco dos pinheiros, debaixo de pedras, na beira dos caminhos, há cogumelos.
Há também os brancos, capelines rendilhadas, suaves seres que despontam onde menos se espera.
Vou em silêncio, baixo-me maravilhada.
De vez em quando assusto-me. Ouço um restolhar, um animal invisível que corre, por vezes parecem saltos, correrias também assustadas. Vejo os arbustos que se agitam, temo que seja alguém que por ali ande mas depois tranquilizo-me, penso que deve ser um coelho.
Mais adiante, passa à minha frente, descarado, olhando-me de soslaio enquanto caminha ronceiro, um gato. Depois, quando o fito, foge. Não sei se tem dono e se vem aqui espreitar ou se é vadio e fez desta minha terra a sua casa.
Há também as lagartixas que se banham ao sol, que passeiam pelos recantos, que levantam a cabecita querendo adivinhar o que se passa e que fogem quando me percebem.
Da copa das árvores vem o canto dos pássaros. Por vezes cantam intensamente, uma desgarrada, uma folia. Outras vezes assustam-se à minha passagem, batem as asas numa aflição e voam para longe. Mas logo devem voltar. Cada vez mais se ouvem mil cantos pelo ar.
Ao fim da tarde reparei numa louva-a-deus* numa das portas. Elegante, ela.
Observei-a com atenção. Mexia as patinhas, limpava-se, ajeitava-se. Não me estranhou. Virou os grandes olhos para mim e ficou ali a observar-me. Depois continuou a sua higiene. Fico muito contente quando vejo que sou aceite por estes seres que vivem livres e certamente felizes e que da minha casa fazem a sua casa. Tomara eu ser livre e despreocupada como eles. Não sou ainda mas sou quase.
Observei-a com atenção. Mexia as patinhas, limpava-se, ajeitava-se. Não me estranhou. Virou os grandes olhos para mim e ficou ali a observar-me. Depois continuou a sua higiene. Fico muito contente quando vejo que sou aceite por estes seres que vivem livres e certamente felizes e que da minha casa fazem a sua casa. Tomara eu ser livre e despreocupada como eles. Não sou ainda mas sou quase.
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* Tinha dito que era uma libelinha, embora estivesse na dúvida. Leitor atento e com quem sempre muito aprendo esclareceu-me - e eu, confesso, até me senti a maior das cabeças de alho chocho. Tanto que eu gostava de observar as louva-a-deus na minha infância e agora parecia ter-me esquecido delas, esse insecto espantoso que tem, ainda por cima, um nome tão inspirado.
Já corrigi no texto e aqui fica expresso o meu agradecimento.
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E porque este é mesmo um mundo maravilhoso, partilho convosco um vídeo lindo que um Leitor a quem muito agradeço me enviou
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What a wonderful world - with David Attenborough
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Relembro: se descerem um pouco mais, quebrar-se-á a magia. Um láparo gordo está lá para estragar a festa.
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ResponderEliminarCara UJM
Trouxe-me de facto a magia desse seu recanto a que, aliás, ninguém fica indiferente quando dele fala.As imagens são belíssimas, os cogumelos a fazerem gala desse amarelo torrado que nos fala do Outono e as suas palavras, as suas palavras: um poema.
Muito obrigada. :)
O soninho já está em dia (ou em noite) e o coração vai se ritmando contente e perfumado com os sons e os odores da vida. Como estes, trazidos do seu heaven...
Beijinhos
Olinda
Cara UJM, a sua "libelinha" é na verdade um louva-a-deus, que é um excelente "inseticida", pois é muito voraz. Devora moscas, mosquitos e outros insetos que lhe apareçam à frente. O louva-a-deus é tão voraz que, depois do acasalamento, a fêmea muitas vezes come (literalmente) o macho!!!
ResponderEliminarOlá Olinda,
ResponderEliminarAndava a ser desviada para outros assuntos mas sempre com esta aqui atravessada. Devia-lhe isto e, ainda por cima, é tema sobre o qual me dá muito prazer escrever e cujas imagens partilho sempre com alegria.
Ainda bem que gostou.
Um fim de semana muito bom para si.
Beijinhos!
Olá Fernando,
ResponderEliminarJá fiz a correcção no texto e até abri uma nota, no fim, para destacar a correcção. Desatei-me a rir com a minha parvoíce. Tinha-me esquecido completamente das louva-a-deus. Estava a escrever libelinha e a achar que não devia ser mas também não me parecia que fosse gafanhoto e, veja-se bem, nem me lembrei das louva-a-deus e, no entanto, em pequena, adorava ficar a vê-las.
Não sabia da voracidade delas. Incrível. A natureza é cheia de surpresas, não é?
Obrigada.
Um bom fim de semana, Fernando.
Num quintal/jardim,são a guarda avançada das plantas ,onde estiverem não usar inseticidas...Elas resolvem o probema. Tal como as aranhas,não matar !Estes bichos vivem de melgas,moscas ou mosquitos !Já não viveriam ,facilmente nas desumanas cidades...
ResponderEliminarOlá jeitinho,
ResponderEliminarAdoro cogumelos. Parece a terra da Alice no país das maravilhas. Onde está o coelho atrasado????
Beijinhos Ana