Abaixo já falei na reaparição de Judite de Sousa, contida, elegante, profissional, às notícias da noite e ao comentário semanal de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma mulher de fibra e uma profissional extraordinária.
Mas, sobre isso, falo a seguir. aqui, agora, a conversa é outra.
Ora então vamos lá ao cumprimento do que ontem aqui foi prometido. Tínhamos intenção de ir para fora e o hotel estava escolhido. Contudo, na noite em que a reserva ia ser feita, lembrei-me de ver o tempo. Estava de chuva. Pensámos, então, em trocar com o Algarve mas, pouca sorte: o hotel para onde queríamos estava esgotado nesta semana. Pensámos, então, mudar de planos e que, esta semana, mais valia ficarmos por cá. Trás-os-Montes. Mas estar in heaven estava a saber-nos muito bem, estávamos a precisar de descansar e este dolce far niente é tão raro para nós e tão bom. Com a preguiça, ficámos reduzidos a dois dias e meio. Leitor simpático a quem pedi sugestões de roteiro aguçou-nos a vontade e começámos a estabelecer o roteiro mas, para podermos ver um mínimo, sem andarmos a correr, seriam precisos pelo menos uns uns quatro dias.
Então, de véspera, resolvemos deixar Trás-os-Montes para daqui por uns mesitos e ficar simplesmente in heaven, dando apenas um pequeno passeio de um dia.
Alma Mater, se faz favor
Assim fizemos no sábado. Zona centro, praias fluviais, pequenas aldeias e vilas do interior.
Gosto muito do meu País, tão rico na sua diversidade. Seria uma boa actividade para mim: passear e dar conta das minhas andanças. Talvez quando me reformar, quem sabe.
Vindo de autoestrada, estamos tão perto das grandes cidades e, no entanto, é um campo tão genuíno, pequenos povoados tão isolados. Quando aqui escrevo esqueço-me, muitas vezes, que quem me lê pode não estar numa grande cidade como eu mas, sim, numa aldeia ou num pequeno bairro no país profundo. Por vezes falo de nomes de ruas, de locais, como se toda a gente os conhecesse e, no entanto, se calhar alguns dos que me lêem vivem em casas no meio da serra e não fazem ideia de que estou a falar.
E como deve ser diferente o quotidiano de quem vive numa pequena localidade em que todos se conhecem, em que, se uma mulher resolver fazer diariamente uma caminhada, toda a gente ficará admirada, ou, se alguém for apanhado a ler os meus contos malucos, ainda pode correr o risco de ficar mal visto.
E, no entanto, como deve ser bom não ter que gastar todos os dias cerca de duas horas no trânsito, ou passar um ano inteiro, ano após ano, a ter que almoçar num restaurante, a trabalhar num ambiente competitivo, em que há stress permanente e uma necessidade constante de fazer o melhor possível, sem descanso.
Fora das grandes cidades há uma tranquilidade enorme, as pessoas têm outro vagar. Quando estou cá, in heaven, vou de vez em quando ao supermercado aqui perto. Por mais que eu não tenha pressa e por mais mentalizada que vá, venho de lá sempre passada: as meninas da caixa não se comparam em velocidade às de Lisboa que são, elas próprias, umas máquinas. Estas, se for preciso, conversam com as clientes, conversam umas com as outras e, sobretudo, não estão formatadas para serem máquinas. Mas elas é que estão certas, não eu. Pressas para quê quando não há motivo para isso?
Mas, então, vamos lá.
Primeira paragem: Ferreira do Zêzere.
Ferreira do Zêzere fica naquela zona que circunda a Barragem de Castelo de Bode que é uma zona em que as estradas têm curvas e árvores altas e em que os montes se multiplicam, altamente florestados. Lá em baixo, azul, amplo, o Lago Azul.
Para não vos maçar não mostro o clube náutico, os barcos, os veleiros, o ski aquático, as belas casas com uma vista belíssima, as esplanadas incríveis, as árvores majestosas. Naturalmente, a beleza do que se encontra num passeio assim é muita e eu perco-me em centenas de fotografias, quase como se me fosse possível guardar um pouco da beleza para trazer. Depois vejo-me aflita para escolher umas quantas, poucas, para isto não ficar chato e comprido.
Adiante.
Foi nesta zona que almoçámos e encontrámos lá uma pessoa muito conhecida e que admiro e leio sempre posso. Claro que não vou aqui divulgar porque era o que faltava que as pessoas não pudessem almoçar descansadas que aparecesse logo uma fofoca nas redes sociais.
A seguir Figueiró dos Vinhos. Aldeia de Ana de Aviz, que nome bonito para uma aldeia, senhores.
Parece quase mentira que se encontrem praiazinhas assim, tão idílicas, entre o arvoredo, com o riacho antes tombando em pequenas cascatas. E tem nadadores salvadores e tudo. A praia é pequena, o riacho está represado, as águas são límpidas e não devem estar frias pois as pessoas andam à vontade e com gosto.
E a de Ribeira de Alge, perfeita, igualmente aninhada entre serra, pedra, árvores. De cima já se ouvem os risos de quem lá está.
E a de Ribeira de Alge, perfeita, igualmente aninhada entre serra, pedra, árvores. De cima já se ouvem os risos de quem lá está.
E, depois, entre floresta e xisto, o Casal de S. Simão e as Fragas de S. Simão. Muito bonito. Outra praia pequena, linda.
Deixa-se o carro lá em cima, junto à estrada e depois desce-se, a pé, por uma estrada coberta de musgos, com árvores gigantes. Cá em baixo, junto à praia há um pequeno parque de merendas, três ou quatro mesas, e lá estavam famílias, grupos de amigos, ou nas mesas ou em toalhas no chão. Piqueniques animados, um convívio sem pressas, no meio da natureza mais limpa. Um verdadeiro encanto, isto é a autêntica qualidade de vida.
Seguimos então para Pedrogão. Barragem do Cabril e mais uma praia fluvial. Desta vez uma piscina dentro da barragem com um parque de campismo lá em cima, com casinhas em equilíbrio nas encostas de xisto.
Não fomos a banhos pelo que não experimentei aquela água tão azul mas só podia ser uma maravilha.
A seguir, Vila de Rei a caminho de Sertã. Vendo aquelas serranias tão densamente arborizadas, o meu marido comentou que, se houvesse lá um incêndio, seria impossível apagá-lo. Nem de propósito, este domingo vi na televisão que houve mesmo um fogo mas que destacaram logo umas centenas de bombeiros e um avião e que, como atacaram em força no início, oconseguiram conter.
Paragem no Centro Geodésico do País, na Serra da Melriça.
Bem no alto, uma fantástica vista total a 360º. Num círculo perfeito, Portugal desdobra-se em montes e vales, podendo até adivinhar-se a serra da Estrela, num esfumado azul, bem ao fundo, e a Gardunha e a Serra de Aires e Candeeiros e outras.
Para cada ponto cardeal que olhemos lá está uma parte deste País tão belo, tão limpo, tão íntegro. Pode parecer excessivo e até ridículo eu dizer isto mas é o que penso. Olha-se e pensa-se que por mil anormais que tentem desgovernar e destruir este País não o conseguirão nunca porque Portugal tem uma força telúrica que parece poder resistir a qualquer sanha que venha a enfrentar.
A seguir, Abrantes. Apetecia-me parar numa esplanada, comer um doce regional. Tenho esta coisa de gostar sempre de ir saborear um doce regional.
Abrantes é uma cidade muito arranjada, muito bonita.
No largo em que nos sentámos para lanchar, três esculturas num grande banco corrido, como se estivessem também a contemplar o entardecer. Muito bonito. Aliás, toda a cidade está convertida às artes, há esculturas e instalações em cada recanto.
Umas broazinhas de noz e mel e umas deliciosas trouxinhas de palha de ovos. Boas, boas. Ando numa de Somersby mas não havia, percebi que nem sabiam de que se tratava. Bebi, pois, um sumo de laranja feito na hora, bem fresquinho, bem bom. Deixámo-nos ficar na esplanada a descansar.
Fui fotografando algumas casas que se viam do largo. Esta aqui abaixo é uma graça. Estava a fotografá-la e a pensar que gostava que a dona da casa assomasse ao varandim. Mas não vi. Aliás, vê-se pouca gente na rua. Nestas cidades ou vilas do interior não há muito o hábito das pessoas virem para a rua usufruir o espaço público.
Depois fomos dar uma pequena volta pela cidade.
Num largo, uma surpresa. Ao centro, uma escultura, quase uma mão aberta ou uma flor escorrendo água, mas, no ar...
Uma teia aérea e, suspensos na teia, dezenas de sapatos usados. Engraçado. Nesse mesmo largo um muro de mármore com desenhos em mármore de outras cores, embutido.
Mais à frente, uma viela, e mais uma inesperada escultura. Abrantes vale bem uma visita nem que seja apenas para descobrir a arte que ocupa a sua rua. Tentei sempre descobrir os autores mas as placas ou estavam escondidas ou não as vi.
Não estou a mostrar todas as obras com que me cruzei mas são inúmeras. Penso que deveriam estar assinalados mas, enfim, não o estando mais com vontade ficamos de andar de rua em rua a ver o que encontramos.
Não apenas há obras mais clássicas como muito modernas. Esta aqui abaixo representa figuras femininas a abastecerem-se de água num chafariz.
Mas logo à frente, num outro largo, nova instalação aérea junto a uma escultura digamos que mais convencional, instalada no passeio, de bronze.
Desta vez a teia tinha arcos de esfregões de palha de aço. Muito engraçado. E há esplanadazinhas, dá vontade ali estar.
De regresso ao largo inicial onde tínhamos lanchado, reparo numa outra das figuras sentadas. Agora a figura representa um homem de idade. Dá vontade a gente sentar-se também ali, desfrutar a calma do lugar. As outras figuras estão lá mais ao fundo, nesta fotografia mal se vêem.
Depois, já na saída, mais um local do caraças. Não tomei nota e agora não sei dizer o que é. Uma escola? Mas de quê? O muro com desenhos fantásticos, um muro enorme, giríssimo. E, lá atrás, no edifício aquele letreiro ou pintura: Tomorrow I will be sleeping alone. Porquê este statement? Gostava de saber.
Subi as escadas, andei por ali a espreitar. No jardim mais uma estátua. Uma mulher. Muito bonito. O sol estava dourado e as paredes amarelas, as flores amarelas e laranjas, tudo aquilo estava cheio de uma luz que, em doçura, se esvaía.
Saímos de Abrantes já caía o sol e fiquei com vontade de lá ir de novo, tudo tão bonito.
Tirando todas estas palavras simpáticas há agora um mas. Há sempre um mas.
E é o mas de sempre. Por várias vezes nos perdemos e a excepção foi justamente Abrantes, de onde não tenho nada de menos bom a dizer. De resto, ao longo de todo o passeio, não há uma santa placa com indicações em inúmeros, inúmeros!, cruzamentos. Uma pessoa quer dar com uma coisa e não há uma seta, uma indicação. Dentro de localidades como Ferreira do Zêzere, por exemplo, andamos de rua em rua sem saber onde vamos dar ou como sair dali. Quem de lá é, deve achar que todos conhecem tudo, não precisam de tabuletas. Ok, acredito. Mas quem não é de lá? Adivinha? É uma canseira andar para a frente a para trás até descobrir o que se quer.
E nas estradas a mesma coisa. Vamos à procura de um local e, quando damos pelo caminho para lá, já era, era na estrada à direita. Só se vê a placa depois de lá ter entrado ou de ter falhado a saída. Em vez de assinalarem com antecedência onde vão dar os desvios, não. E depois a gente quer voltar para trás e está quieto, como não há bermas e como é tudo às curvas, o traço é contínuo, não é possível inverter o sentido de marcha.
Por exemplo, às tantas, já nem me lembro onde, queríamos apanhar a A13 que é a auto-estrada que serve aquela zona... mas pensam que havia indicações para lá chegar? Nem uma. Quando demos com ela, depois de várias tentativas frustradas, e já lá estávamos, é que apareceu a primeira placa. Não dá para atinar com isto. Um perfeito desmazelo.
O País é maravilhoso, tem locais quase virgens, de uma beleza inacreditável, mas dá ideia que, quem poderia e deveria divulgá-los, prefere fechar as belezas a sete chaves. O turismo, no que se refere ao turismo do interior, que poderia dinamizar a pequena economia local, é inexistente. Não apenas não há qualquer esforço em divulgar as maravilhas, em rentabilizar tanta riqueza natural, como não há sequer respeito ou compreensão por quem se afoita a fazer-se à estrada.
Mas, enfim, eu, como boa portuguesa, refilo, refilo mas continuo a amar este País tão lindo.
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Agora que acabei, olhei para trás, para rever o texto e, tamanho é o lençol, que até me assustei. Tomara que não estejam fartos. Gosto de partilhar estes meus pequenos passeios não apenas para inspirar alguns dos meus Leitores, pode ser que lá queiram ir também, mas sobretudo pelos que não têm possibilidades e que, de outra forma, não conheceriam estes lugares. Talvez seja pretensão minha, mas é isto que me move quando para aqui estou, horas a fio, a escrever tudo isto.
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A música lá em cima é Alma Mater de Rodrigo Leão
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Relembro: sobre o regresso de Judite de Sousa à sua vida profissional habitual, falo no post abaixo. E mostro como estava bonita.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira.
Alto astral e bola para a frente, haja o que houver.
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Belo roteiro, UJM, cheio de boas ideias. Por mim, agradeço-lhe imenso!
ResponderEliminarInteressante esse passeio que deu. Sucede que aqui há umas 2 semanas, estive exactamente, mais coisa, menos coisa, por esses sítios. Saímos daqui numa 6Feira e regressámos no final de Domingo. Acontece que minha mulher tem umas primas que, por razões familiares, têm ali, a dois passos de Figueiró dos Vinhos, casas (e a casa e capelinha no Cabeço do Peão, actualmente desabitada e sem uso, abandonadas, á espera de uma solução, pois são várias as herdeiras, que não se entendem), de campo muito bonitas. Embora residam em Cascais, vão até lá com frequência e desafiaram-nos para lá irmos passar um fim-de-semana. O marido de uma delas, em casa de quem ficámos, decidiu-se, aqui há tempos, reformar-se antecipadamente e, como é Eng.º. Químico, passou a dedicar-se à produção de vinho (e algum azeite), o qual já apresenta uma agradável qualidade. De quando em quando, lá vamos até aquelas bandas. E assim foi uma vez mais, desta vez. E por ali andámos a percorrer alguns dos sítios que menciona. Uma zona com paisagens muito bonitas, do Zêzere, ás aldeias, ás vilas, às praias fluviais, etc. O único problema é, como bem refere, a maldita sinalização, ou indicações. Nós desta vez decidimos ir por dentro, fugindo á autoestrada, atravessando a ponte de Vila Franca de Xira e dali seguimos até Constância, que está bonita atravessando aquela ponte de ferro com sentido único (o que obriga a uma espera longa, sempre que se tem de aguardar o sinal verde). Depois Tomar, que está igualmente bem conservada. A A-13 é cara e só a fizemos no regresso. E, como a sinalização é má, voltámos a perder-nos, ao querer andar em passeios. Em Pedrogão Pequeno tenho um amigo que também tem lá casa de família. Enfim, tudo por ali é muito agradável e bonito. Essa aldeia, Ana de Aviz tem de facto um nome que dá gosto. As infraestruturas para ali se passar umas curtas férias são boas, as Câmaras fizeram bom trabalho, em dúvida. E Abrantes está uma encantadora cidade interior (em tempos ainda por lá passei, em serviço militar. Calhou-me! Sabe, ainda quase namorisquei com a filha do comandante, um coronel. Coisas da vida!). Um outro passeio bonito que sugiro, é seguir, depois de Abrantes, até Vila Velha de Rodão, pela A-23, visitar a terra e ir ver as Portas do Rodão e depois passear em Castelo-Branco, igualmente bem estimada, Idanha-a-Nova, Idanha-a-Velha, Proença-a-Velha, Monsanto e Monfortinho. Terras encantadoras, excelentes queijos, paisagens belíssimas, boa comida e gentes simpáticas.
ResponderEliminarP.Rufino
Olá Helena,
ResponderEliminarÉ um passeio de um dia para quem parta de Lisboa e é um encanto. O nosso País é uma maravilha. aquilo de não haver setas é que é uma coisa. Só não acaba em zaragata no carro porque já passámos essa fase. Ele pergunta-me: 'E agora para onde é que vou?' E eu respondo: 'Sei lá. Por acaso sou de cá?'. Depois ele vai num sentido e vai dar a um beco sem saída. Vira para trás e, por onde parece lógico, é sentido proibido. E por ali andamos até dar com a saída. Ou vamos na estrada à procura do Penedo Furado. Carros atrás uns dos outros, sem poder ultrapassar. Quando se dá pela saída à direita que não tem seta nenhuma com antecedência, só mesmo já lá a caminho, não dá para fazer travagem a fundo senão levamos com os de trás em cima. Enfim, o castigo de sempre quando nos aventuramos à descoberta.
Mas, enfim, se encaramos isso com descontracção, como fazendo parte do pitoresco da coisa, levamos na boa.
Um abraço, Helena.
Olá P. Rufino,
ResponderEliminarÉramos para ter ido por Constância que está uma graça e íamos lá almoçar mas depois lembrámo-nos que, na última vez, estivemos quase 3 horas para almoçar, um restaurante com esplanada perto do rio, boa comida mas um serviço para esquecer e mudámos de rumo, não fosse repetir-se a proeza.
São lugares lindos, parece que mudamos de comprimento de onda. E gostei muito de Abrantes. Quando por lá passava era de raspão e agora gostei de por lá andar a cirandar.
Temos um belo País. O pior é a falta de atenção para com os turistas. E se nós, que somos de cá, nos perdemos a torto e a direito, como será com os estrangeiros...?
Enfim. Muito a fazer para aproveitar o potencial turístico do País.
O meu pai também fez tropa em Abrantes. Fala disso com alguma saudade, parece que se divertiu bem por lá.
Um abraço, P. Rufino.