segunda-feira, julho 28, 2014

Joana Lopes, J. Rentes de Carvalho, Carlos Azevedo, Luís Filipe Castro Mendes, Angélique Kidjo e Jiří Kylián - para estarmos atentos e para não nos esquecermos de sentir solidariedade e compaixão, para compreendermos melhor o mundo, para não nos esquecermos dos outros que somos nós e para, apesar de tudo, não nos esquecermos de apreciar a beleza que nos rodeia


No post abaixo já falei da saia justa em que estavam os jornalistas e comentadores numa altura em que Ricardo Salgado era o dono disto tudo, mas como alguns, apesar disso, puseram a sua consciência e competência profissional acima dos receios e entraves e cumpriram com o seu dever de informar na altura certa - correndo todos os riscos e abdicando de todas as prebendas. E, a propósito, falei dos homens do Expresso. E falei, ainda, de algumas relações pessoais entre comentadores e Ricardo Salgado. E falei de partidos. E de férias de luxo pagas como forma de manter os opinion makers ou os decision makers à mão de semear.

Assuntos desagradáveis, preocupantes, revoltantes.

Só espero é que, em breve, o BES esteja de novo sólido, com uma gestão profissional e que inspire confiança, e que a economia em geral e as economias em particular não saiam muito penalizadas. Quanto à família, lamento. 

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.


Aqui, agora, vou até a alguns textos que, nos últimos dias, despertaram a minha atenção de forma mais marcante. Vou ilustrá-los com fotografias que fiz este domingo in heaven na tentativa de que a beleza da natureza possa atenuar a aspereza dos tempos que atravessamos e que, de alguma forma, se reflectem nos textos que percorrem a blogosfera.



Redemption Song





Desde já agradeço a quem tão generosamente partilhou com os seus Leitores os textos que vou transcrever e perante quem me penitencio pelo abuso de para aqui os trazer na íntegra. Mas a verdade é que tive vontade de juntar os textos. São palavras oportunas, que de certa forma se tocam, e que convidam à reflexão. Muito obrigada.


No Entre as brumas da memória, Joana Lopes escreveu 'O último dia':



João Paulo Baltazar foi um dos muitos jornalistas atingidos pelos despedimentos da Controlinveste. Ontem foi o último dia em que esteve na rádio que ajudou a criar. Deixou no Facebook um texto que abaixo transcrevo, precedido por um comentário de Carlos Vaz Marques.

Carlos Vaz Marques: 
Hoje é o último dia de trabalho do João Paulo Baltazar na TSF, de que ele foi um dos fundadores. O melhor entre os melhores foi despedido. É o fim de qualquer coisa, com certeza. Ainda não sei exactamente de quê, mas seguramente depois disto nada será como dantes. Quero que saibam que amanhã, sábado, quando me ouvirem a editar os noticiários da manhã, não hei-de estar só triste, estarei envergonhado.
João Paulo Baltazar: 
Para acabar de vez com a nostalgia
O matraquear das máquinas escrevinhava o som de oficina – as nossas mãos nas palavras que, cinzeladas, soltavam faíscas. Tac, tac, tac, plim, zzzzzt ... com a cabeça e o coração em cada frase. O magnético cruzamento dos sons, desenrolados das fitas, era parte de uma coreografia que só os melhores dançavam com uma leveza certeira. A rádio era muito física nesses oitenta, derramados nos noventa. Saíamos a correr para a rua, voltávamos com a urgência da notícia (era preciso contá-la melhor, depois do directo), com o desejo de modelar e polir uma história. Tac, tac, tac, plim... zzzt, zzzt, mais um bailado de sons e palavras, com a cabeça e o coração. Gritávamos em uníssono: abaixo o Portugal sentado!!
Antes e depois de cada turno, discutia-se tudo. Era importante criticar, aperfeiçoar, ir um pouco mais longe, vigiar o rigor, desafiar os golpes de asa – amanhã sai melhor! Dávamos os corpos às balas, sim. Por vezes, queimava; depois, sarava. Tudo era muito físico, vibrante, à flor da pele da rádio. Tantos erros, quanta paixão!
Depois (muito depois), o mundo inteiro na ponta dos dedos (ou uma ilusão desse espanto sem fim). Das cassetes e da fita ao quotidiano património imaterial mas sempre com o mesmo apetite de sons, fome de verdade impossível: há que tirar as medidas ao mundo em cada esquina desta aldeia. “Continuamos a discutir isto?” Sim. Vai e volta. Na rede, sem rede. Ligados, sem fios. Tantas voltas. Analógico, digital, cabeça, coração.

Mas, incerto dia, dás-te conta: um pouco mais de silêncio na oficina – tic, tic, tic... Um pouco menos de calor. Gestos um pouco mais em câmara lenta. Até que um dia, perante uma crítica, atiras: “É a tua opinião... cada um por si, topas?”. A economia (a nossa, mais íntima, nos bastidores das notícias) sempre em plano inclinado. Até que um dia te pedem para seres "brand journalist" ou uma merda do género, “ganhas uns trocos extra, não é bom?” E seres... pouco mais, afinal. Até que um dia te dizem que não há outra saída: é preciso organizar mais um "evento" e outro ainda, “fazes nas folgas, ok?”. Até que um dia, o estatuto editorial acorda encolhido numa quase-palavra: EBITDA. Até que um dia nada te dizem, durante semanas, meses, anos a fio. Até que um dia te dizem (ou tu percebes): acabou.
Esta sexta-feira, cumpro o meu último turno na TSF, depois de 26 anos, quatro meses e 25 dias de trabalho nesta rádio.




No Tempo Contado, J. Rentes de Carvalho escreveu "The human touch":


De uma entrevista com o sociólogo Carl Rhode (1953), publicada no semanário neerlandês Elsevier no passado dia 12, traduzo o final: 

"Num mundo em que se torna vaga a fronteira entre o verdadeiro e o falso, o real e o virtual, sentimos cada vez mais a precisão de 'a little bit of human touch'. 
Mais do que nunca iremos ansiar por um muito pessoal e sincero apreço, reconhecimento, atenções, serviço, tudo, enfim, o que reconhece e acentua o nosso valor como indivíduo e como ser humano. 
Essa necessidade é intensificada pelo facto de que, neste momento, vivemos numa cultura mundial de desconfiança e desespero, causada pela profunda crise económica. 
Não acreditamos na integridade nem nas boas intenções dos políticos, dos banqueiros, dos administradores, dos empresários. Temos nojo de toda essa gente que, sem escrúpulos, destrói a nossa prosperidade e o nosso bem estar. Sentimo-nos inseguros, remetidos a nós próprios. 
O que nos leva a ansiar por atenções e sinais que, sinceramente genuínos, nos falem à alma e ao coração. 

- É isso válido para todos? 
– É um sentimento generalizado. Nas longas pesquisas que temos feito sobre o ADN social das diversas gerações, constatamos que essa necessidade de 'human touch' se repete com notável frequência, revelando um importante 'soft spot'. Esse anseio de um trato humano que se constata em todos as camadas da sociedade, é algo que seriamente deve ser levado em conta."




No The Cat Scats, Carlos Azevedo escreveu An empire of ugliness:


Num dos ensaios que integram The Hall of Uselessness: Collected Essays (New York
Review Books, New York, 2013, p. 42), Simon Leys conta um episódio que presenciou há uns anos. Leys encontrava-se num bar onde um aparelho de rádio tocava música banal que não merecia a atenção de ninguém. A dada altura, começou a passar o Concerto para Clarinete de Mozart e todos os clientes ficaram em silêncio. Subitamente, um deles levantou-se e sintonizou noutra estação de rádio. De seguida, começaram todos a falar novamente, sem prestar atenção à música. A palavra ao escritor: 

"At that moment the realization hit me – and as never left me since: true Philistines are not people who are incapable of recognizing beauty; they recognize it to well; they detect its presence anywhere, immediately, and with a flair as infallible as that of the most sensitive aesthete – but for them it is in order to be able better to pounce upon it at once and to destroy it before it can gain a foothold in their universal empire of ugliness. Ignorance is not simply the absence of knowledge, obscurantism does not result from a dearth of light, bad taste is not merely a lack of good taste, stupidity is not a simple want of intelligence: all the are fiercely active forces, that angrily assert themselves on every occasion; they tolerate no challenge to their omnipresent rule. In every department of human endeavour, inspired talent is an intolerable insult to mediocrity. If this is true in the realm of aesthetics, it is even more true in the world of ethics. More than artistic beauty, moral beauty seems to exasperate our sorry species. The need to bring down to our own wretched level, to deface, to deride and debunk any splendour that is towering above us, is probably the saddest urge of human nature."

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E a poesia. No Tim Tim no Tibete, Luís Filipe Castro Mendes - desculpe, Alcipe - escreveu Insónia de um velho:



Tinha acabado de ler um mau romance. Francamente mau.
A difusa irritação que me impedia de dormir
levou-me a sair da cama e a ir reler velhos papéis,
memórias de alegria, passados textos,
fotografias de pompa e circunstância
e algumas recensões antigas, em fotocópias baças.

Nenhuma vida é feita só de passado:
vejamos, eu estou ainda aqui!
O novo mundo desperta-me tanto nojo quanto perplexidade,
mas os meus filhos espalhados por dois continentes e quatro países
e a minha persistente curiosidade
pelo acontecimento que forçosamente há-de vir,
do meio de todo este horror e de toda esta mesquinhez
(que não são, oh não, de modo algum, um exclusivo deste tempo..)
levaram-me enfim a fechar a luz sobre tantos papéis velhos
e a vir dirigir-me aqui aos meus quinze leitores, meus irmãos,
meus hipócritas como eu.



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E, para ver se trago para aqui um pouco mais de luz, termino com dança, com Petite Mort (que não deve ter tradução literal) numa coreografia Jiří Kylián, pelo Nederlands Dans Theater.





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A música lá em cima, no início, era Angélique Kidjo interpretando o clássico Redemption Song de Bob Marley com o Kuumba Choir Singers.

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Relembro: sobre os Homens do Expresso a propósito de Ricardo Salgado, sobre os presentes e deferências com que este tratava jornalistas, empresários (e partidos?), e sobre mais umas quantas coisas, desçam, por favor, até ao post já a seguir.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira.

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1 comentário:

  1. Muito obrigado pela referência, UJM. É um prazer partilhar, e esse prazer é acrescido quando alguém, como é o caso, aprecia essa partilha e efectua o mesmo gesto.
    Um abraço!

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