No post abaixo falo da opinião do meu marido sobre o poema de Herberto Helder que ontem aqui transcrevi. Relatei a conversa que tive com ele - o que o vai deixar fulo pois está sempre a dizer que, da forma como o descrevo, ainda ficam a pensar que não bate bem da bola (... quando ele acha que quem não deve andar a bater bem da bola é o Herberto Helder).
Um bocado mais abaixo falo da vice-parlamentar da maioria, pê-esse-dê de imagem de marca, coelha de seu nome, que tem uma língua que não acaba, descontrolada, e uma vergonha cuja dimensão é inversamente proporcional à língua. Coelha nem sei se será o nome que melhor se lhe aplica depois da pose em que a vi na AR. Uma coisa de bradar aos céus.
Mas adiante que isso é a seguir. Aqui a conversa é outra.
Queria falar do recente livro de Pedro Paixão, 'espécie de amor', sobre o Miguel Esteves Cardoso, um livro que comecei na segunda feira e que estou desejando que seja sexta para poder voltar a pegar nele.
Mas não é disso que vou falar. Outro assunto se intrometeu.
Li uma notícia que me deixou gelada.
O "Diário de Notícias" é o meio de comunicação social da Controlinveste mais afetado pelo programa de despedimentos hoje comunicado. A empresa não revela dados desagregados mas o Expresso sabe que o matutino é aquele onde mais gente será despedida, embora todos os meios sejam afetados. O desportivo "O Jogo" será o que terá menos impacto.
Desde que a nova administração tomou posse na Controlinveste, saíram já 20 profissionais após negociação. A este número somam-se mais 160 hoje comunicados: 20 deles por rescisão amigável, 140 através de despedimento coletivo. Dos 160 hoje comunicados, 65 são jornalistas e 95 são de funções não redatoriais e de áreas não editoriais do grupo.
A lista das pessoas a despedir resulta de propostas de diretores e foi discutida pela administração há vários dias. Hoje, os gestores reuniram-se de manhã com os diretores dos órgãos de comunicação social em causa (em Lisboa e no Porto), que por sua vez já se reuniram com chefias intermédias. As 160 pessoas serão chamadas, uma a uma, quase todas durante o dia de hoje, admitindo-se que algumas o sejam apenas amanhã. As cartas de despedimento seguem para as suas casas esta semana.
Deixa-me sempre gelada saber que se estão a despedir pessoas. É uma sensação terrível. Terrível sobretudo para quem é despedido, claro, mas também para quem despede.
Já há algum tempo o contei aqui. Há alguns anos, na sequência de uma reestruturação, havia muita gente a mais na grande empresa onde eu então trabalhava.
Na altura, discutiu-se como levar a cabo o que se via que era inevitável. Uns defendiam que se deveria levar apenas os trabalhadores necessários para as novas direcções que se iam criar e deixar para trás, excedentários, os que não tivessem lugar na nova estrutura. Outros defendiam que se distribuíssem todos pelas novas estruturas, sendo os directores a fazer a selecção e a mandar embora os que estivessem a mais. Prevaleceu a segunda hipótese.
Na altura, discutiu-se como levar a cabo o que se via que era inevitável. Uns defendiam que se deveria levar apenas os trabalhadores necessários para as novas direcções que se iam criar e deixar para trás, excedentários, os que não tivessem lugar na nova estrutura. Outros defendiam que se distribuíssem todos pelas novas estruturas, sendo os directores a fazer a selecção e a mandar embora os que estivessem a mais. Prevaleceu a segunda hipótese.
E foi assim que me vi, contra a minha vontade, com um grupo grande de pessoas, cujo 'perfil' não encaixava minimamente no que seria razoável e que eram, no conjunto, em número muito superior ao necessário.
Fiquei chateadíssima. Sem eu ter feito nada por isso, comecei a receber pessoas que vinham entusiasmadas, convencidas que tinham sido recolocadas para irem entrar numa nova fase da sua vida profissional. E eu olhava para elas - sem as competências mínimas, com hábitos de trabalho radicalmente diversos do que eu pretendia para a minha equipa - numa angústia crescente.
Fiquei chateadíssima. Sem eu ter feito nada por isso, comecei a receber pessoas que vinham entusiasmadas, convencidas que tinham sido recolocadas para irem entrar numa nova fase da sua vida profissional. E eu olhava para elas - sem as competências mínimas, com hábitos de trabalho radicalmente diversos do que eu pretendia para a minha equipa - numa angústia crescente.
Entretanto, comecei a ser pressionada para dispensar os que estavam a mais. Claro que estrebuchei, que achava o método completamente desumano, que quem tinha tomado a estúpida decisão agora se desensarilhasse dela. Mas nas grandes empresas as coisas não funcionam assim. Os que tinham tomado a decisão já estavam noutras funções ou tinham mais que fazer e o que era preciso era pôr 'as coisas' 'no são'. Ponto.
Eu não tinha dúvidas de quais os que deveriam sair mas uma coisa é raciocinar em abstracto e outra é ter as pessoas na frente, conhecê-las, simpatizar com elas.
Empatei enquanto pude mas depois não tive como não enfrentar a situação. Não se tratava de despedir mas de negociar a saída - eufemismo que se usa para se dizer que não há despedimentos. A pessoa não é obrigada a sair mas fica a saber que não tem trabalho e que ficará sujeita a transferência para outro local ou a que, às tantas, se verá metida num processo de despedimento colectivo em que as condições serão piores. São raros os casos em que as pessoas não aceitam. Perante uma situação terrível como esta, as pessoas portam-se como ratinhos assustados que se deixam engolir pela cobra que têm pela frente.
Assim, num dia que jamais esquecerei, chamei, um a um, os sacrificados ao meu gabinete.
Uma senhora chorou muito, dizia que pensava que ia ficar a trabalhar onde agora estava, que estava a gostar, que até estava perto de casa, que, quando era mais nova, lhe tinha morrido uma filha e que ela só tinha sabido quando chegou a casa porque trabalhava longe de casa (na altura ainda não havia telemóveis). Falava a chorar e olhava a ver se descobria em mim algum sinal de esperança. Certamente encontrava apenas o meu olhar vazio. Eu já antes tinha desesperadamente tentado encontrar-lhe um outro lugar mas sem sucesso.
Um outro, enorme, daqueles homens corpulentos, olhou-me com espanto, Porquê eu? e, por fim, já me olhava com raiva e parecia que ia virar-me a secretária em cima. Apoiava-se na secretária e olhava-me nos olhos, furioso.
Um outro, enorme, daqueles homens corpulentos, olhou-me com espanto, Porquê eu? e, por fim, já me olhava com raiva e parecia que ia virar-me a secretária em cima. Apoiava-se na secretária e olhava-me nos olhos, furioso.
No meio daquela situação horrível, um disse que era justamente o que queria, agradeceu. Por pouco, não me fui abaixo nesse momento. É nos momentos de súbita descompressão que, depois de estar a aguentar-me, geralmente me vou abaixo. Mas não. Mantive-me inteira até ao fim.
Quando aquilo acabou, eu estava de rastos. Mal conseguia falar. Durante as conversas, eu tinha conseguido manter-me calma (as pessoas dizem que eu, em situações de stress, mantenho uma calma que até assusta), e tentado transmitir alguma confiança - iriam receber uma boa indemnização, iriam receber subsídio de desemprego, se calhar nem precisariam de tocar na indemnização, e entretanto apareceria outra coisa ou até poderiam criar o seu pequeno negócio. Tanta gente fez isso nesse tempo.
Mas, por dentro, eu estava destroçada. As pessoas ficam em pânico, choram, ficam numa angústia terrível, o pavor de não saberem o que é o dia de amanhã é arrasador e sentem-se revoltadas, porque me escolheu a mim?, porquê eu?. E uma pessoa percebe todos esses sentimentos e sabe que um dia pode estar do lado de lá de uma qualquer outra secretária.
Nesse dia não consegui falar disso, nem de manhã antes de sair de casa nem durante o dia, por telefone, com o meu marido, nem sequer com nenhum dos meus colegas. Não é que me sentisse envergonhada ou arrependida (porque a gestão passa por coisas destas: muitas vezes é preciso sacrificar uma parte para que a outra possa prosseguir) mas estava simplesmente desfeita.
Depois, à noite, em casa, nem sei porquê, uma palavra qualquer que não me caíu bem foi o pretexto, desatei num pranto que não acabava. Ainda me lembro bem de como me sentia nesse dia.
Depois as pessoas saíram, despediram-se de mim com respeito, agradeceram eu ter falado com elas, cara a cara, ter tentado fazer o melhor por elas. Alguns colegas meus não conseguiram e atiraram o assunto para a Direcção de Recursos Humanos. Ou seja, as pessoas tiveram aquela conversa não com o respectivo director mas com um funcionário que conduziu o assunto de uma forma meramente administrativa.
Refizeram as suas vidas. Mas eu, até hoje, não me consegui refazer do sentimento de prepotência involuntária, de injustiça. Eu, que sempre defendi que se deve procurar o melhor de cada pessoa, que é possível encontrar um trabalho adequado para cada pessoa, não tive como não convidar pessoas a irem para o desemprego.
E depois, nestas coisas, tem que haver alguma frieza. Nas reuniões, fazia-se o ponto de situação relativamente aos que já tinham saído. Cortar gorduras era na altura uma expressão já muito em voga. Nunca consegui empregá-la. Para mim pessoas são pessoas e em circunstância alguma admito tratá-las como gorduras de uma empresa.
Mas a vida continua. Há ciclos que vão e voltam. E vão surgindo oportunidades, as pessoas vão-se adaptando a tudo. Uns arranjaram trabalho, outros criaram mesmo a sua pequena empresa. Talvez tenham percebido que a culpa não era minha, que eu fui apenas o instrumento.
O mal deste país é - sempre foi - a sua economia muito débil. Por uma razão ou por outra, a história tem levado o país para o abandono do seu tecido produtivo. As leis europeias impunham o fim de muitas indústrias, tantas, o abandono da agricultura (e de toda a indústria à volta dela), o fim da pesca - e o país mansamente foi acedendo a facilitar o seu próprio declínio.
A destruição acentuada do país começou aí. O resto, tudo o que se tem passado depois, o desemprego, a dívida, a emigração, resulta do enfraquecimento a que foi levada a economia do país.
Um jornalista falou do que se passou na Controlinveste com palavras que merecem ser lidas em silêncio, com o respeito que a situação impõe. Um dia na vida. Pedro Santos Guerreiro uma vez mais assina no Expresso um grande, grande artigo. Tomara que ele próprio nunca tenha que passar por uma situação assim, seja de que lado da secretária for. Tomara que vós, meus Caros Leitores, também não. Tomara que este País consiga encontrar um rumo certo, crescer, acolher todos. Ser um lugar de felicidade para as suas pessoas.
Tomara que um dia o País progrida, que a economia cresça, que se aposte do conhecimento, no desenvolvimento. Para que acabem estes terríveis dias em que se morre um pouco, estes dias para esquecer.
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A música é de Antony and the Johnsons: "Cut the World"
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Relembro: sobre crítica literária caseira a propósito do último livro de Herberto Helder e sobre as piruetas desengonçadas da lápara sem pudor na língua, é favor descerem até aos dois posts seguintes.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira.
Este artigo é uma merda,quer pela maneira como está escrito quer pelo tema!
ResponderEliminarsabe , adoro está frase porque é mesmo actual, de Rommel "uma morte singular é uma tragédia , milhões é estatística"
ResponderEliminarestes 160 são uma morte singular e têm direito a uma notícia sentida de um companheiro de profissão, nos dias anteriores era estatística
hoje ouvi o Scolari a dizer que não interessa ser o melhor craque se não for campeão da copa.
ResponderEliminarPOR FAVOR JOGUEM COMO EM 82 E NÃO GANHEM NADA
eu até acho este despedimentos bastante civilizados, com 18 anos vi homens com família constituída, sentados em frente ao hall fabril, em gabinetes envidraçados, sem nada para fazer , durante o horário de trabalho, outros para o fundo da empresa, o equivalente a solitária na prisão.
ResponderEliminarUm aguentou assim 3 anos, enquanto corria processo em tribunal.
saí antes de me acontecer o mesmo, o ataque foi a melhor defesa
alguns executores nazis, e outros a mando de estaline, suicidaram-se, a isto é que chamo estar verdadeiramente perturbado pelo que fizeram, o resto é comichão
Porquê este Post? Desabafo? Remorso? Psicanálise?
ResponderEliminarOlá UJM!
ResponderEliminarO comentário que lhe enviei hoje não era para este post mas sim para o Post sobre o HH!
Ai o alemão que me está a atacar!!
Um abraço!
Olá Anónimo,
ResponderEliminarNão sei a que artigo se refere, se ao artigo do Pedro Santos Guerreiro se ao meu post mas, Se se refere ao primeiro, não concordo. Se se refere ao que eu escrevi, olhe... temos pena...
Mas volte sempre que pode ser que um dia eu esteja mais inspirada.
Olá Anónimo,
ResponderEliminarNão sei a que artigo se refere, se ao artigo do Pedro Santos Guerreiro se ao meu post mas, Se se refere ao primeiro, não concordo. Se se refere ao que eu escrevi, olhe... temos pena...
Mas volte sempre que pode ser que um dia eu esteja mais inspirada.
Olá Bob,
ResponderEliminarSão 160 aqui, 100 acolá, 20 ali, 5 lá. São muitos e muitos sem esperança de voltarem a arranjar trabalho, pelo menos por cá ou pelo menos nos tempos mais próximos. É terrível. Mesmo como estatística é terrível.
O País tem que levar uma reviravolta rapidamente antes que não fique pedra sobre pedra.
Olá Bob,
ResponderEliminarPubliquei o outro comentário antes de o ter publicado.
Numa empresa em que trabalhei há já bastante tempo, também havia durante algum tempo uma sala grande em que estavam os excedentários. Era uma coisa horrível. Uma humilhação. Acabavam por não aguentar. Era tão terrível que os outros colegas os evitavam, quase pareciam que tinham vergonha de ter trabalho e eles não.
São situações terríveis.
No entanto, tive um colega que aguentou essa situação ultrajante sem se deixar afectar. Recusava-se a sair apesar de não ter qualquer trabalho. Começou a escrever, escreveu dois livros e publicou-os. Saíu quando atingiu a idade da reforma, na boa.
Mas que me lembre foi o único.
Olá Bob,
ResponderEliminarPubliquei o outro comentário antes de o ter publicado.
Numa empresa em que trabalhei há já bastante tempo, também havia durante algum tempo uma sala grande em que estavam os excedentários. Era uma coisa horrível. Uma humilhação. Acabavam por não aguentar. Era tão terrível que os outros colegas os evitavam, quase pareciam que tinham vergonha de ter trabalho e eles não.
São situações terríveis.
No entanto, tive um colega que aguentou essa situação ultrajante sem se deixar afectar. Recusava-se a sair apesar de não ter qualquer trabalho. Começou a escrever, escreveu dois livros e publicou-os. Saíu quando atingiu a idade da reforma, na boa.
Mas que me lembre foi o único.
Olá Anónimo das perguntas,
ResponderEliminarEscrevi este post porque a notícia dos despedimentos na Controlinveste me impressionou. Quando entraram estes novos accionistas temi isto. Qualquer dia não há jornalismo. Mas também é verdade que os novos meios vêm condicionar a viabilidade económica dos jornais. Faz-me impressão, fico de coração apertado, vejo ao país a desfazer-se mas o que vejo também é que, aos poucos, vamos perdendo a capacidade de reagir porque o poder decisão está a mover-se para outras 'geografias'.
E escrevi sobre a minha experiência pessoal porque, muitas vezes, quem é despedido ou assiste aos despedimentos, não percebe que quem lá fica é apenas conjunturalmente mais afortunado. Mas não há lugares garantidos nem quem lá fica é forçosamente um algoz.
Só isso.
Remorso não tenho. Já passei por tantas situações, algumas tão injustas para mim, já vi tanta coisa, tanta, tanta, que sei bem que não é fácil uma pessoa manter-se inteira. Mas eu sinto-me inteira. Não tenho ideia de ter alguma coisa de que me arrependa. Posso lamentar, o que é diferente.
Quanto a desabafar, talvez. Tantas vezes a gente sente vontade de o fazer, não é?
Olá Anónimo das perguntas,
ResponderEliminarEscrevi este post porque a notícia dos despedimentos na Controlinveste me impressionou. Quando entraram estes novos accionistas temi isto. Qualquer dia não há jornalismo. Mas também é verdade que os novos meios vêm condicionar a viabilidade económica dos jornais. Faz-me impressão, fico de coração apertado, vejo ao país a desfazer-se mas o que vejo também é que, aos poucos, vamos perdendo a capacidade de reagir porque o poder decisão está a mover-se para outras 'geografias'.
E escrevi sobre a minha experiência pessoal porque, muitas vezes, quem é despedido ou assiste aos despedimentos, não percebe que quem lá fica é apenas conjunturalmente mais afortunado. Mas não há lugares garantidos nem quem lá fica é forçosamente um algoz.
Só isso.
Remorso não tenho. Já passei por tantas situações, algumas tão injustas para mim, já vi tanta coisa, tanta, tanta, que sei bem que não é fácil uma pessoa manter-se inteira. Mas eu sinto-me inteira. Não tenho ideia de ter alguma coisa de que me arrependa. Posso lamentar, o que é diferente.
Quanto a desabafar, talvez. Tantas vezes a gente sente vontade de o fazer, não é?
Olá Joaquim,
ResponderEliminarQual alemão, qual quê...! Eu é que escrevo tanto que não é fácil acertar com o que se quer. Eu que o diga que volta e meia ando perdida...
Um abraço!