No post abaixo já conversei com a Leitora JV na sequência de um interessante comentário que ela escreveu. Dei a esse post o título Viver ou amar. Ler ou fazer amor. Esperar ou procurar.
Claro que o 'ou' que usei não deve ser lido de forma exclusiva - mas isso muitas vezes não se escolhe. Por vezes a vida é mesmo avara. No entanto, nada nos impede de reflectir sobre o assunto pois, da reflexão, pode, quem sabe?, surgir uma atitude diferente perante a vida.
Não sei se sou a pessoa mais indicada para este tipo de reflexões mas isso não me inibe: dou a minha opinião com espontaneidade e sem receio de que alguém possa desdenhar da sua simplicidade porque gosto de pensar que as minhas palavras podem ser de alguma utilidade ou, pelo menos, que sejam um entretenimento razoável enquanto ouvem a música que escolho e vêem as imagens que coloco.
Mas, enfim, isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.
A palavra a um escritor: Bate-me à porta, em mim
Fui à Feira do Livro.
Durante anos e anos percorri uma e outra e outra vez a Feira do Livro. Primeiro, menina ainda, com os meus pais. Depois com um namorado. Depois com um outro que se tornou marido. Depois com os filhos. Depois de novo apenas com o marido. Hoje com o marido, a filha e já os filhos dela (o meu filho não quis ir, achou que ia ser uma aventura conseguir controlar as quatro crianças. Fez bem pois, mesmo só com dois, já foi o bom e o bonito e, pelo meio, até apanhámos um susto que nos deixou gelados: por uns instantes deixámos de ver o mais pequeno, parecia que o tínhamos perdido; o pavor que senti nem queiram saber; mas afinal estava por perto só que, numa fracção de segundo, mudou de direcção e não estava em nenhum dos lugares onde seria expectável que estivesse; mas foi uma sensação de pânico - que a mim me sugou o interior, nem sei explicar - enquanto não o vimos a brincar, na boa, até perto de nós).
Durante anos e anos percorri uma e outra e outra vez a Feira do Livro. Primeiro, menina ainda, com os meus pais. Depois com um namorado. Depois com um outro que se tornou marido. Depois com os filhos. Depois de novo apenas com o marido. Hoje com o marido, a filha e já os filhos dela (o meu filho não quis ir, achou que ia ser uma aventura conseguir controlar as quatro crianças. Fez bem pois, mesmo só com dois, já foi o bom e o bonito e, pelo meio, até apanhámos um susto que nos deixou gelados: por uns instantes deixámos de ver o mais pequeno, parecia que o tínhamos perdido; o pavor que senti nem queiram saber; mas afinal estava por perto só que, numa fracção de segundo, mudou de direcção e não estava em nenhum dos lugares onde seria expectável que estivesse; mas foi uma sensação de pânico - que a mim me sugou o interior, nem sei explicar - enquanto não o vimos a brincar, na boa, até perto de nós).
Bom, mas falava eu da Feira do Livro.
Antes não havia internet, o acesso à informação era mais difícil. Então, eu ia uma primeira vez apenas para percorrer os stands e recolher catálogos; nesse primeiro dia, para além dos catálogos, apenas trazia os livros que fossem livros do dia e nos interessassem. Depois, em casa, fazia listas com os livros que eu e o meu marido queríamos e fazia contas, depois voltava atrás e riscava uns quantos até que a selecção fosse comportável. A seguir, passava a limpo e fazia um roteiro. Quando lá voltava já sabia o que queria comprar em cada stand.
Falei no plural mas quem tem mais a pancada dos livros sou eu pelo que, para ele, tudo aquilo era excessivo.
De facto, o meu marido e os meus filhos acabaram por ficar um bocado traumatizados porque quer a primeira incursão quer a segunda implicavam fazer o percurso completo e, às tantas, já estavam fartos, cheios de calor, cansados. E no segundo dia regressávamos carregados como burros de carga. Por vezes, apetecia-me voltar uma outra vez e era sempre uma luta, não queriam, se iam, iam contrariados.
Ultimamente quase não vou lá. A Fnac, parecendo que não, com os seus descontos para aderentes e com as suas promoções e as feiras de livros que volta e meia se encontram por aí, vieram democratizar a aquisição de livros. E, sobretudo, cada vez mais, para comprar um livro, preciso de o folhear, tomar-lhe o pulso, perceber como flui a escrita. Ora, no meio da balbúrdia que é a Feira, isso não me é possível. Só se lá fosse a um dia de semana à noite mas, durante a semana à noite, apetece-me é estar em casa.
Os locais com muita gente parecem-me incompatíveis com a aquisição de livros, coisas que, cada vez mais, gosto de associar a algum vagar, a algum recolhimento.
Mas a minha filha queria ir com os miúdos e, claro, não conseguiria arrastar para isso o marido pelo que nos sugeriu uma ida dominical. Depois de tanto a ter sacrificado em miúda, não poderia recusar-lhe isso.
Pelo meio compraram-se bolas de berlim da praia, waffles, e houve gelados e, já ao fim do dia, às sete e tal, uma fatia de pizza, e estivemos na relva a lanchar e depois, com os miúdos no parque infantil, e foi, apesar de tudo, uma bela tarde, uma festa para os rapazinhos que até receberam balões.
E, para descansarmos, abancámos debaixo de um toldo onde se vendia o Mar de Ricardo Henriques com ilustrações de André Letria e onde os miúdos estiveram entretidos a fazer um chapéu de pirata e desenhos e recortes.
Eles estiveram entretidos e nós estivemos à sombra, sentados, sossegados e encantados a vê-los a fazer os seus trabalhos.
O André Letria tem um jeitão com crianças, conseguiu pô-los a trabalhar com a maior das facilidades.
A minha filha comprou uns quantos livros. Eu não. Ela até estava admirada comigo, habituada que está à minha compulsão. Mas não consegui mesmo. Sempre com medo que algum deles se escapulisse, depois ora não queriam andar de mão dada, ora queriam ir espreitar não sei o quê, e depois gente e mais gente. Impossível.
Por isso, com uma mão a ver se segurava algum deles pela mão ou pela gola e com a outra a ver se dava para tirar alguma fotografia, assim foram as minhas andanças.
Mas o que quero referir aqui é outra coisa. Os escritores. Há (sempre houve) o hábito de haver escritores junto aos stands das respectivas editoras a dar autógrafos. Dantes, quando não havia as grandes megas-editoras, eles estavam em pequenas mesas, por vezes com chapéu de sol, ao lado dos ditos stands. Agora as grandes editoras têm grandes espaços com muitas cadeiras, toldos, palcos, onde se concentram, por vezes, vários escritores.
Vejo-me sempre perante uma dificuldade: geralmente já tenho o livro que lançaram recentemente e outros. Por isso, não me faz muito sentido ir comprar livros repetidos apenas para ter um autógrafo.
Depois, é frequente vê-los a conversarem animadamente uns com os outros. Que jeito dá chegar ali, interromper a conversa? Até parece falta de educação.
Depois há os que estão desoladamente sozinhos, sem que ninguém ali pare. Dá pena. O Embaixador Seixas da Costa também já falou disto. Vários escritores ali à espera que algum leitor se digne parar, sozinhos durante uma tarde inteira; ou, então, com algum amigo que nitidamente ali está para ajudar a passar por aquela provação. Custa-me tanto ver. Por vezes tenho vontade de me acercar mas temo que pareça que o faço por pena, que se sintam envergonhados. Cobardemente, faço de conta que nem vejo.
O meu marido ontem até perguntava, Porque será que se sujeitam a isto? Se calhar faz parte do contrato que têm com as editoras, admito eu.
O meu marido ontem até perguntava, Porque será que se sujeitam a isto? Se calhar faz parte do contrato que têm com as editoras, admito eu.
Mas depois, para quem supera estas barreiras, há o acto, em si, de pedir o autógrafo. O que dizer?
Mia Couto, um escritor/escultor e um homem muito bonito, aqui a olhar para a minha filha |
Hoje à minha filha aconteceu uma coisa. Ela adora o Mia Couto. Quando o viu, foi a correr comprar o último livro e ali foi para lhe pedir um autógrafo. Ela é uma óptima comunicadora e nunca se inibe quando tem que falar seja com quem for. Pois, para seu próprio espanto, sentiu-se tolhida e apenas pediu que Mia Couto lhe assinasse o livro e, com voz quase sumida, pediu para escrever o nome dela e dos filhos. Mal se afastou, já vinha a morder-se por não ter sido capaz de lhe dizer o quanto gostava da escrita dele. Achou que podia soar a bajulação, não foi capaz.
Comigo aconteceria o mesmo. Uma pessoa chega e, do nada, começa a gabar o autor...? Imagino que ao autor a coisa até soe a postiço, ou a vulgar, ou a despropositado. Não sei. Sei é que eu também não sou capaz.
Por todas estas razões, apesar de lá ter visto autores de que gosto e de quem não me importaria de ter um livro assinado, não fui procurá-los. Limitei-me a fotografá-los. Em vez de ter o seu nome escrito nas páginas dos livros, tenho-os aqui, em pessoa (em pessoa é como quem diz: em imagem). Talvez seja a minha forma de mostrar o meu reconhecimento pelo trabalho que têm e pelo esforço que fazem, estando ali presentes durante longas tardes de calor e exposição pública. Um escritor é para mim um ser especial. Os escritores de verdade, claro.
Teolinda Gersão, alguém que pode muito bem ter sido inventado |
José Rentes de Carvalho, feições e escrita esculpidas em pedra |
Ondjaki, um escritor especial, com uma presença amena |
Rita Ferro, uma mulher carismática, com uma presença forte e Lídia Jorge, uma mulher de feições suaves, cara de boneca de porcelana |
O sempre jovem Mário Zambujal em contra-luz e Não-Sei-Quem (mas que também tinha um belo ar, lá isso tinha) - só que eu, ora bolas!, queria era ver a Helena Sacadura Cabral ... |
Para o ano há mais e talvez eu descubra uma maneira de me organizar e de conseguir comprar livros e obter autógrafos.
Mas, independentemente disso, é um prazer estar num lugar que é muito belo e onde se podem adquirir livros e ver escritores e, não menos importante, estar num lugar que atrai tanta e tanta gente, tão heterogénea mas tão unida pelo gosto da leitura.
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O vídeo lá em cima, da autoria de Cine Povero, é Herberto Helder :: Bate-me à porta, em mim / Dito por Luís Lucas
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Relembro: sobre a vida, sobre ansiedades e dúvidas, sobre amor e sobre os dilemas de como o encontrar ou aproveitar, fala-se a duas vozes no post já a seguir.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana já a começar por esta segunda-feira.
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jogos instrutivos - https://babadum.com/
ResponderEliminarDe passagem, muito rapidamente, para dizer duas coisas:
ResponderEliminar1. Só agora reparei que, na barra lateral do seu blogue, me designou por «Ilustre alma lusitana». Agradeço embebecido, a sério (há alturas em que um elogio sabe pela vida; estou numa dessas alturas), mas é excessivo, e eu nem sei se tenho «alma lusitana»...
2. Os meus votos de uma excelente semana para si, que eu, por cá, tratarei de fazer os possíveis para que a minha também o seja.
Um abraço.
só precisa escrever o que deseja ser lembrado, a data e hora e indicar o seu email - http://reme.io/
ResponderEliminarsem registo, só isto
Bob,
ResponderEliminarAs coisas que você desencanta...! Vai navegando e vendo o que vai aparecendo ou lembra-se de temas e parte para uma procura mais sistemática? Fico curiosa com as coisas que aqui me traz. Faz lembrar o Luís Pedro Nunes que tem uma rubrica no Expresso onde fala das mais variadas coisas que encontra na net.
Obrigada!
Olá Carlos Azevedo,
ResponderEliminarNão tem que agradecer. Há no que escreve uma rectidão e um carácter que eu associo ao que, num mundo perfeito, seria a verdadeira alma lusitana.
Admiro a coragem (e, usando um termo bastante vulgarizado, a resiliência) de alguém que, sendo manifestamente bem formado e com potencial para outros voos, não se vai abaixo e vai à luta, tentando sobreviver da forma mais digna possível. Tomara que a sorte o visite e se mantenha sempre por perto de si. Tomara que descubra boas oportunidades e que toda a experiência de vida que vai adquirindo o enriqueça.
Um abraço também para si!
Tomara! (Tentarei fazer por isso.) Uma vez mais, obrigado e um abraço.
ResponderEliminarna net tem muita coisa sem interesse, mas tem muitas outras que podem melhorar ou facilitar a vida, procuro por essas, e claro, compro revistas da especialidade, depois vou testando os links, o que coloco aqui,é o que penso de interesse
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