Depois de uma tarde cheia de maçadas, telefonemas desagradáveis, gente a queixar-se, gente desmotivada e até desentendimentos entre colaboradores que acabaram em lágrimas, Leonor foi refugiar-se junto do seu amigo de sempre.
Sô Tôr...
Sô Tôr...
- Qual Doutor... Antes enfermeiro.Senhor Engenheiro, então…
- Senhora Engenheira…! Muito suspira a minha amiga…
Antes fosse engenheira.
- Está como eu. Engenheiros financeiros era o que devíamos ser.
Pois é… Mas, se não quer que o trate por doutor e também não por engenheiro, trato-o como? Por lampião?
- Lampião no bom sentido: sempre! Sou fiel aos meus amores.
Seja. Senhor Lampião… conte-me coisas boas. Estou precisada.
- Ah, está a pedir-me muito. Gosto muito de a ver feliz mas, desgraçadamente, boas notícias é coisa que não abunda por aí. Mas vejo-a com ar cansado, doutorinha. O que se passa?
Nada de especial. Estou cansada. Mas nada de mais. É o costume, muita coisa. E aí umas coisas com o Duarte.
- Com o Duarte? Então?
Nada de especial. Se calhar não é nada. Mas estou cá com um feeling. Não sei. Mas tomara que não, senão não saberia o que fazer. Mas deixe lá, não é nada.
- Já hoje me apareceu por aqui o Manel também preocupado e também me deu a entender que era qualquer coisa com o Duarte. Será é a mesma coisa?
Não, acho que não, mas não sei o que é isso que preocupa o Manel.
- Já no outro dia a minha mulher encontrou a mulher do Duarte na Bertrand e ela fez um comentário que deixou a minha mulher muito admirada. Atribuí a que tivesse ouvido mal. Tomara que não haja problema nenhum com ele. É um bom tipo, gosto dele.
Então e eu? Claro que gosto imenso dele. Temos os nossos desaguisados mas é tudo da boca para fora. Mas olhe, deixe para lá. Rica vida é mas é a sua que já está reformado e só cá vem por desporto.
- Qual desporto? Venho porque não sei fazer mais nada e, ao menos aqui, a minha mulher não me atenta o juízo. Assim, aqui, posso olhar pela janela, pensar na vida, fazer umas pesquisas, dar uns palpites a quem mos pede, organizar aí umas coisas. Sou amigo do Manel e agora, que as coisas estão bravas, não quero virar-lhe as costas. E daqui vejo o mar, não se está mal. Além disso, enquanto aqui estou a minha mulher faz a vida dela, também sem ter que me aturar. Quando nos encontramos ao fim do dia, já estamos cheios de saudades e é uma festa.
Boa. Deve ser esse o segredo para ter tão bom ar e para ter um espírito tão jovem.
- Ná. Isto foi das cachimbadas. Um verdadeiro elixir da juventude.
Está bem, mas ainda bem que deixou de fumar. Mas e agora outra coisa. Conte-me lá. Que livro anda a ler? E que músicas me recomenda? Sigo os seus gostos com devoção, já sabe. Nunca falha. Não quer enviar-me uma listinha com algumas dicas?
- Ná. Isto foi das cachimbadas. Um verdadeiro elixir da juventude.
Está bem, mas ainda bem que deixou de fumar. Mas e agora outra coisa. Conte-me lá. Que livro anda a ler? E que músicas me recomenda? Sigo os seus gostos com devoção, já sabe. Nunca falha. Não quer enviar-me uma listinha com algumas dicas?
- Mando, sim senhora. Mando já amanhã porque no fim de semana vou até à Dinamarca e fico lá até ao fim do ano.
Sortudo. Quem me dera… Mas então amanhã venho cá despedir-me, está bem?
- Fico à espera. E descanse, descontraia, divirta-se. Não gosto de a ver com esse ar arreliado. Prefiro vê-la sorridente e combativa. Acha que há alguma coisa que justifique que ande a cansar a sua beleza...? Nada!
Acho que tem razão. Vou pensar nisso. Beijinhos à sua mulher.
- Serão entregues. Mas, como de costume, para mim nada...?
Leonor levantou-se, Sempre reivindicativo..., deu-lhe um beijo na face e saíu.
Ia mais confortada. Dali nunca saía aborrecida. Se há pessoa com bom coração, bom senso, inteligência e elegância é aquele seu colega. Junto dele procura apoio sempre que precisa.
Quando chegou ao estacionamento, mudou de sapatos, tirou o casaco grosso do porta bagagens e conduziu até à beira do rio.
Pelo caminho ligou o Afonso e, como de costume, deixou que o telemóvel tocasse duas vezes antes de desligar.
Pelo caminho ligou o Afonso e, como de costume, deixou que o telemóvel tocasse duas vezes antes de desligar.
Noite cerrada. Um frio antárctico. Fechou o casaco até acima, enfiou as mãos nos bolsos e fez-se ao caminho. A meio caminho sentiu um braço por cima dos ombros e alguém a querer enfiar-lhe uma coisa na cabeça.
*
*
- Se não fosse eu o que seria de si?
Ai! Assustou-me! Um gorro? Ai que bom… e que quentinho que é. Estou melhor assim, sim senhor.
- Sou ou não sou aquilo que lhe faz falta? Confesse.Então não? Um amiguinho que me apareça a meio da noite para me enfiar um gorro… Toda a gente precisa disso. Mas olhe lá: não tem frio? Todo esgargalado...
- Estava aqui à sua espera para não a deixar andar por aí sozinha. Mas espere um bocado para eu ir ao carro buscar roupa para a neve.Quando regressou, já agasalhado, Leonor voltou à conversa, Mas, então, dizia você que me faz muita falta porque me põe gorros na cabeça...
- E faço outras coisas.
Sim...? Diga lá a ver se há alguma de que eu precise.
O passo ia acelerado, Leonor gosta de caminhar durante uma hora ao fim do dia e se está frio tanto melhor. A proximidade do rio, o silêncio da noite, as sombras furtivas, tudo aquilo lhe tira toneladas de cima dos ombros. E a companhia de Afonso também não é má de todo. Geralmente não falam de trabalho, vão na brincadeira.
Afonso sorria, Leonor... Leonor... Está a pedir que eu lhe diga uma ou duas, não está?
Diga. Pode ser que acerte.
Afonso hesitou, Eu digo mas depois não se queixe, é você que está a pedi-las. Vou dizer. Dar-lhe um banhinho quente… pode ser?
Banhinho...? Banhinho, inho, inho… ah como está todo mariquinhas… um banhinho... E depois mais alguma coisinha, inha, inha…?
- Está a pedi-las, ah está, está.
Pois, bem que eu as peço mas você não se chega à frente…
- Essa é boa. Não me chego à frente? Está sempre a dar-me para trás e agora diz que não me chego à frente…?
E não chega mesmo. O que é que hoje já fez por mim para além de me enfiar um gorro pela cabeça abaixo?
- Leonor…Leonor… Não me desafie…
Desafio, desafio…
- Veja lá não se arrependa…
Mas eu sou lá pessoa de me arrepender? Mas está bem, já vi que consigo é só conversa.
Afonso parou. Mau.
Mau, mau Maria, disse Leonor a rir e parou também. Depois puxou-o para si e beijou-o. Ele abraçou-a com força enquanto se beijavam.
Quando pararam, ele disse, Que você é mazinha, ó Leonor…
Mazinha, eu? Mas porquê?
- Gosta de fazer sofrer, não gosta?
Eu? Nãããoo... Mas pronto, vá lá, eu agora sou boazinha. Vamos acabar o passeio e depois aceito o banhinho. E mais qualquer coisinha. Inha, inha.
Afonso, abraçou-a, Cale-se, não diga disparates, limite-se a beijar-me.
E beijaram-se de novo, um beijo que parecia não acabar.
Este episódio é a continuação do de ontem intitulado Leonor, Duarte e Afonso, o qual, por sua vez, já era continuação de outros. Caso vos ocorra ler de seguida a história até ao ponto em que vai, poderão procurar aí de lado, lá mais para baixo, a etiqueta 'Leonor e Afonso'.
A música lá mais acima é Our love is easy de Melody Gardot (que, como não consegui incluir aqui na versão cantada por ela, coloquei uma versão interpretada por Clementine Noordzij (La Clé de Soul)).
Não quero estragar o climinha mas, se me permitem, deixem que vos informe que, a seguir, poderão saber (se é que ainda têm dúvidas) o que penso do Paulo Portas, Pires de Lima, Aguiar Branco e outros que hoje me apareceram na televisão todos contentes quando, se tivessem um pingo de vergonha na cara, pintavam-na de preto, enfiavam-se debaixo de uma mesa, fugiam para Espanha, uma coisa qualquer. é só descer um pouco mais.
- Gosta de fazer sofrer, não gosta?
Eu? Nãããoo... Mas pronto, vá lá, eu agora sou boazinha. Vamos acabar o passeio e depois aceito o banhinho. E mais qualquer coisinha. Inha, inha.
Afonso tirou-lhe o gorro, fez-lhe uma festa nos cabelos e disse, Deixe-me olhar para si Leonor. Que bonita que está, tão calma.Olhe bem que não é certo que depois de amanhã me volte a ver de tão perto, respondeu Leonor.
Afonso, abraçou-a, Cale-se, não diga disparates, limite-se a beijar-me.
E beijaram-se de novo, um beijo que parecia não acabar.
***
Este episódio é a continuação do de ontem intitulado Leonor, Duarte e Afonso, o qual, por sua vez, já era continuação de outros. Caso vos ocorra ler de seguida a história até ao ponto em que vai, poderão procurar aí de lado, lá mais para baixo, a etiqueta 'Leonor e Afonso'.
A música lá mais acima é Our love is easy de Melody Gardot (que, como não consegui incluir aqui na versão cantada por ela, coloquei uma versão interpretada por Clementine Noordzij (La Clé de Soul)).
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Não quero estragar o climinha mas, se me permitem, deixem que vos informe que, a seguir, poderão saber (se é que ainda têm dúvidas) o que penso do Paulo Portas, Pires de Lima, Aguiar Branco e outros que hoje me apareceram na televisão todos contentes quando, se tivessem um pingo de vergonha na cara, pintavam-na de preto, enfiavam-se debaixo de uma mesa, fugiam para Espanha, uma coisa qualquer. é só descer um pouco mais.
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E, por hoje, é tudo. Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira.
A única coisa que nos resta é ter sentido de humor
ResponderEliminarQue maldade tão grande. Ainda por cima depois de lhe ter pedido para me manter à margem.
ResponderEliminarE agora o que é que eu faço?...
Já sei! Vai um comentário a metro...
Sim, porque não posso fazer de conta que não percebi, após ter sido promovido a “Psi”, eu, que não sou doutor, nem enfermeiro e muito menos engenheiro. Apenas um curioso armado em generalista. lampião de nascença e ex-cultor do ritual do cachimbo:
http://bonstemposhein-jrd.blogspot.pt/2009/09/do-la-pipe.html
Quanto a à trama em si: Sublinho que a minha mulher não é frequentadora da Bertrand, mas isso não impede que se cruze com a mulher do Duarte, já que vai muito à Livraria Barata que fica no mesmo passeio, a curta distância.
Relativamente ao Manel, deu-me uma “branca” porque que há muitos Maneis e eu posso equivocar-me...
Se me prometer que saio de cena, atrevo-me a satisfazer alguns dos seus pedidos, cheio de medo de a desiludir.
Aqui vão então alguns gostos musicais:
Rameau - Rondeau des Indes Galantes de Rameau
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=RKvd4tMkFHc
Agnes Obel (denmark)
http://www.youtube.com/watch?v=vjncyiuwwXQ
Jean Ferrat
http://www.youtube.com/watch?v=TdRZL_Q3ujs#t=19
Leo Ferré
http://www.youtube.com/watch?v=EgXCy_Rtdkg
Fausto
http://www.youtube.com/watch?v=uUNNkiNHxZQ
Posso dizer-lhe que estou a ler um livro muito interessante cujo título é “O livro dos insultos”, de um jornalista americano, Henri Louis de Mencken, que um dia disse que “Todo o homem decente se envergonha do governo sob o qual vive”.
Aproveito a citação para lhe confirmar que é assim que me sinto.
Vou continuar a acompanhar a sua história e a deliciar-me com o estilo e os detalhes deliciosos e, claro, com as fotos da Kate Winslet.
Um beijo amigo
Olá Golimix,
ResponderEliminarÉ mesmo. A mim, então, parece que quanto mais furiosa ando com as coisas, mais me dá para a ironia e para a risota.
(Digo isto e fico a pensar que devo ter uma certa tendência para ser uma alienada).
Um abraço!
jrd, olá!
ResponderEliminarNão se zangue... Gostei tanto de escrever sobre o Dr. Lampião.
A minha Leonor precisa tanto de ter um apoio como ele, uma pessoa tranquila, com sentido de humor, sensato.
Hoje vinha com vontade de ainda o colocar no meio da prosa mas estou de tal maneira cansada que duvido que ainda consiga fazer alguma coisa. Tanto que escrevo (e mais o tempo que gasto a escolher as fotografias e a música) que me tenho deitado tardíssimo e depois levanto-me cedo, e tenho tido dias do mais preenchido que há (e nem só de coisas boas), e chego a casa tarde. Por isso, hoje que é sexta feira estou mesmo KO.
Ainda queria falar também do Marc Blyth mas também já não consigo. Escrevi uma coisita de nada a propósito das privatizações e já mal me aguento.
Fica tudo para amanhã.
Mas, quando voltar à prosa, acho que ainda vou ter que o ter um bocadinho mais em cena, mas pouco, vai ver, e depois deixo-o ir para a Dinamarca.
De resto: adorei a lista das músicas. De todas, há ali uma de quem nunca tinha ouvido falar e que é uma maravilha, fiquei encantada, a Agnes Obel. Tomara que dê para inserir no blogue. Irá fazer parte da banda sonora deste conto.
Do livro também ainda não tinha ouvido falar pelo que vou ter que me pôr em campo.
Claro que também já fui ver o episódio da perda dos cachimbos. Chato. Mas, vá lá, teve alguns efeitos positivos.
Sabe que uma vez tentei ver como era fumar cachimbo? Não atinei... Parece que não conseguia aspirar fumo de jeito.
Também tentei fumar charuto e por mais do que uma vez mas também não atinei. Aí foi ao contrário, devia aspirar de mais porque aquilo dava-me uma tontura que só visto. Fiquei-me pelos cigarros.
Mas, felizmente, há uns 6 ou 7 anos resolvi deixar de fumar e consegui, de um dia para o outro. Fiquei a sentir-me toda contente por essa vitória.
E pronto, por aqui me fico porque ainda me deixo dormir aqui a meio do comentário.
Um abraço!
Espero que se tenha reconciliado com o Morfeu.
ResponderEliminarDeixo-lhe uma simples adenda ao comentário anterior:
http://bonstemposhein-jrd.blogspot.pt/search/label/Agnes%20Obel
O livro de Mencken que referi não está editado em Portugal.
Bom Domingo
Um abraço
jrd,
ResponderEliminarAinda não pus o sono em dia. A ver se este domingo consigo dormir até mais tarde. Estou mesmo a precisar.
Estou agora a ouvir a Agnes Oble na Philharmonics e é mesmo uma maravilha.
Um abraço, jrd, e bom domingo também para si.
ResponderEliminarMais um episódio e este já interactivo, ficção/realidade/virtualidade. Será que isto existe? E respondo: acho que sim, pelo que aqui li.
O interessante é que apareceu aqui o 'Anjo Bom', junto do qual a Leonor se sente segura.
Veremos como é que a coisa se desenvolve... :)
Beijinhos
Olinda