No post a seguir a este, falo de alguém que deixou de sofrer da forma mais triste possível e que apenas foi notícia no momento em que isso aconteceu. Antes, os jornais não noticiaram a sua dor, entretidos que andam com um outro caso muito deprimente e mediático. Para quase todas as pessoas, a sua dor não sai nos jornais. Nem tem que sair. No entanto, se me permitem, deixem que partilhe convosco a preocupação de que não nos esqueçamos de dedicar atenção aos que, perto de nós, anónimos, também precisam de ajuda.
Mas isso é mais abaixo. Aqui, agora, a conversa é outra.
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A EDP apresentou resultados relativos ao 3º trimestre de 2013 que superaram as estimativas dos analistas, o que ajudou à subida das acções.
A EDP alcançou nos primeiros nove meses deste ano um resultado líquido de 792 milhões de euros.
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Em Portugal há cada vez mais pessoas que vivem sem rendimentos.
(Não sei como vivem.)
Ou que vivem no limiar da sobrevivência, com o subsídio de inserção ou com outros trocos. Não sei como se alimentam, como se vestem, como conseguem mandar os filhos à escola ou tratar dos velhos. Se calhar pagam quase nada de renda ou também não pagam. Não sei.
Não têm dinheiro para pagar a luz. Fazem puxadas ilegais ou não pagam. Não têm como.
Nisto há sempre excepções e não vale a pena vir alguém dizer que há quem não pague, podendo fazê-lo. São excepções e as medidas não se fazem para as excepções.
Gente que não tem como pagar a electricidade, nos bairros sociais do Porto (e noutros bairros), desvia a electricidade para as suas pobres habitações. Não sei qual o rombo que isso causa nas contas da EDP mas admito que seja uma gota de água.
Mas para os chineses que pagam o ordenado a António Mexia todas as gotas contam e, sem aviso, cortaram a electricidade a numerosas famílias nos bairros sociais do Porto. Lagarteiro, Contumil. A zona da Campanhã sob ataque cerrado. Outros se vão seguir. E não apenas no Porto.
Leio no Público:
Conceição Lencastre e o marido, Albano Lencastre, lamentava ao início da noite não terem energia para carregar a bateria da cadeira de rodas eléctrica do filho de 23 anos, deficiente motor. “Vou ter de pedir aos vizinhos para me deixarem carregar a bateria da cadeira ou que me mandem uma extensão”, dizia Conceição, beneficiária do rendimento social. “Já não recebemos uma conta de luz há cinco anos. Não sei quanto devemos. Ou pagamos a luz, ou comemos. Fomos uma vez à EDP para pagarmos em prestações, mas a primeira tinha de ser de 500 euros. Não temos.”
Já Teresa Monteiro, de 54 anos, admitia que esta madrugada seria passada “à luz das velas”. “Tenho oito pessoas em casa. Com 254 euros por mês como é que pago a luz?”, questionava sentada à porta do bloco 7, à luz dos candeeiros públicos. “Fui operada há pouco tempo. Não consigo andar e agora nem luz tenho”, lamentava-se, admitindo ter uma “dívida muito grande de luz, água e renda”.
Ao lado, Maria Arminda voltava das compras preocupada com a mãe de 85 anos que estava em casa “à luz da vela”. “Está sem luz, sem frigorífico e não pode cozinhar. Como se faz vida assim? Sei que temos dívidas, mas não temos como pagar.”
Rui Moreira queixa-se que a Câmara não foi avisada. Para quê? Os chineses que pagam o ordenado a Mexia e a Catroga não são especialmente conhecidos por respeitarem os direitos humanos - quanto mais etiquetas.
A EDP não é uma instituição de caridade e admito que não possa, de olhos fechados, permitir situações abusivas. Mas há o lado humano das empresas. Pode, em conjunto com as instituições públicas que têm por obrigação representar e defender as pessoas, estudar-se uma forma digna de resolver os problemas sem atentar contra o direito à sobrevivência e ao respeito que toda a gente deve merecer, ricos ou pobres.
O capitalismo, em si, em abstracto, não é forçosamente mau. O que é mau é o que acontece quando a selvajaria, a desregulação, a prepotência, a desumanização, andam à solta. O que é mau é ter poderes políticos que, em vez de se mobilizarem para melhorar as condições de vida de todas as pessoas, se mobilizam para defender o dinheiro e quem o tem em grandes quantidades. O que é mau é a cegueira de quem elege políticos que mais defendem quem se permite deslocar as suas sedes sociais para não pagar impostos nos países de origem, do que os pobres que mal conseguem sobreviver.
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Não consigo dizer mais nada sobre isto porque me sinto ferida com situações como estas. O meu País está a atingir níveis de pobreza que assustam. Acresce que quem governa o meu País revela insensibilidade política e social a todos os níveis e está a pôr nas mãos de estrangeiros sem rosto os recursos e os serviços estratégicos de Portugal.
Sem recursos, sem direitos, os portugueses são fáceis, dóceis. Por receio, por cansaço, por vergonha, talvez até por delicadeza, estão a deixar-se matar.
Não pode ser. Isto não pode continuar. Temos que nos levantar e lutar. Todos.
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Os Vampiros, José Afonso e amigos
(...)
São os mordomos Do universo todo
Senhores à força Mandadores sem lei
Enchem as tulhas Bebem vinho novo
Dançam a ronda No pinhal do rei
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada
(...)
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Relembro que sobre a dor da gente que não sai nos jornais, é descer um pouco mais.
As imagens são, uma vez mais, a arte de rua de Banksy.
Gostaria ainda de vos convidar a visitarem-me também no meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa. Aí o meu corpo mostra-se aos pássaros brancos que voam como cavalos alados junto às palavras do Poeta Abel Neves. A música que se lhes segue é a de Mayra Andrade com Traz outro Amigo.
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E por aqui me fico hoje.
Desejo-vos, meus Caros leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda feira.
é impressão minha ou este gajo canta mesmo bemmmmmmmm - https://www.youtube.com/watch?v=VBmCJEehYtU#t=38
ResponderEliminarquando vamos voltar a ter um País com Mães e Filhos assim.Quando?????? - http://vimeo.com/66058153
ResponderEliminarComo é que este País chegou ao ponto de ter tanto filho da puta a governar.Como?????
Também vi essa reportagem na TV que me deixou uma marca triste na alma. Fez-me lembrar outra canção que remete para tempos que julgara não voltariam mais (Menino do Bairro Negro)e senti-me irmã de todos os nús.
ResponderEliminarÉ bom, é muito importante que se divulguem, como fez este Blogue, situações deste género. O que se passou é revelador daquilo que passou a ser a EDP, que é hoje responsável pela distribuição de um serviço que nunca deveria ter deixado de ser exclusivamente público. A EDP está hoje apenas preocupada com o interesse dos seus accionistas (entre os quais o Estado Chinês, a tal RP da China a quem Paulo Portas, nestes dias, numa atitude de subserviência vergonhosa, mas de acordo com a sua filosofia ideológica-política, presta vassalagem e promete ter em conta os recados daquele Estado estrangeiro detentor de uma parcela da nossa soberania, no que respeita à distribuição da energia eléctica ao nosso País. Os chineses nunca aceitariam o inverso, ou seja, que Portugal fosse accionista da "sua EDP", por exemplo!). A EDP jamais, em circunstância alguma, deveria ter sido vendida ao sector privado!Há determinados “anéis” do Estado (hoje já muitos poucos), como a EDP, a REN, as Águas de Portugal, os Correios, etc, que o Estado não deveria abdicar! Mas, até, muitos dos nossos hospitais públicos. A questão que se coloca, a favor daquilo que aqui relevo é que uma vez estes importantes sectores de utilidade pública venham a cair nas mãos do sector privado, o interesse geral – leia-se “público” – passa, automaticamente, para o dos accionistas que vierem a adquirir essas empresas, os quais se estão completamente a borrifar para esse mesmo interesse público, ou geral. E, nesse sentido, amanhã podem vir até a decidir deslocações desses serviços, encerramento de determinados polos de atendimento ao público, etc, já que o que lhes interessa são os ganhos, no final do ano, ou seja, da empresa de que passaram a ser accionistas. No caso que aqui refere e que foi noticiado na imprensa, pergunto-me: e se fosse, por exemplo, um grande clube de futebol (Benfica, FCP, Sporting, etc) a não pagar as contas atrasadas devidas à EDP? Ou um Banco? Ou uma grande empresa? Ou mesmo o Estado, um ministério? Cortavam a electicidade? Não! O Sr. Mexia, essa criatura miserável e venal, um tipo com ligações ao PSD (a quem serviu politicamente), mas que andou ao colo de Sócrates, a lamber-lhe as botas, com o consentimento e apreço do mesmo, mete-me asco. Voltando, e a terminar, à EDP, concluiria dizendo o seguinte, pegando no que no ínicio referi: se esses quasi 800 milhões de euros estivessem integralmente nas mãos do governo/Estado e independentemente como é óbvio da necessidade de manter, ou cativar, parte daqueles lucros na empresa, o Estado poderia, legitima e justificadamente, utilizar parte daquela importância para financiar qualquer bem público, hospitais, escolas, ou até, p.ex, pensionistas, etc. A EDP, amanhã os Correios e as Águas e etc, fazem-me lembrar, de algum modo, a história da galinha dos ovos de ouro. A EDP, os seus accionistas chineses bem como o criado daqueles, o Mexia – com a complacência do Governo de Passos/Portas/Albuquerque (e de Belém) estão-se nas tintas para quem é pobre e passa fome. Por fim, achei a atitude de Rui Moreira lamentavelmente titubeante. É pena. Esperava mais dele. O Capitalismo está hoje totalmente desvirtuado. Já não assenta numa economia essencialmente de mercado, mas financeiro e dos accionistas das grandes empresas que entretanto tornaram os governos (e os Estados) seus reféns. Não vejo modo de isto vir a sofrer uma mudança. Sinceramente, não vejo.
ResponderEliminarP.Rufino
O Mexia, o Catroga e Ca. têm perfil de comissários políticos, porque se tivessem um mínimo de dignidade, evitavam aplicar as medidas.
ResponderEliminarA desumanização tomou conta do país. Que importa que haja milhares de portugueses a viver abaixo do nível de pobreza? Que importa a fome, a miséria, o desespero?
ResponderEliminarE não temos vergonha? E dormimos bem quando sabemos que o negócio que floresce é o destinado a uma elite (vejam-se as lojas da Av. da Liberdade), enquanto o comércio tradicional está em vias de extinção.
Abraço.