Depois de ter já aqui algumas vezes desfiado o meu desagrado pelos fretes que as revistas e suplementos literários fazem às editoras ou ao público mainstream (que consome tudo o que é vendido com roupagens propagandísticas bem engendradas), eis que hoje o Expresso me surpreende agradavelmente.
Por causa das doze páginas que o Viegas deu ao Valter não comprei este mês a Revista Ler tal como não compro Jornais de Letras ou o que quer que seja que estenda passadeira vermelha a artistas que se convencem que são escritores mas que, hélas, não passam nem por lá perto.
No outro dia fiquei passada com o José Mário Silva no Actual, todo ele a enroupar aquele fulano que gosta de andar nu e assim deveria ser mostrado. Quando um crítico literário louva os Valtinhos desta vida, eu, a partir daí, deixo de considerar a sua opinião e, por arrastamento, descreio dos jornais ou revistas que contratam críticos de gosto tão duvidoso. Não é por nada mas como é que, a partir daí, posso fiar-me no que dizem?
Claro que, em relação ao Expresso, não posso ser tão purista pois, não tendo eu tempo para ler jornais diários, tenho que me desforrar ao fim de semana e, além do Actual, gosto de ler todo o resto (excepto o que se refere a desporto).
Posso achar que o Ricardo Costa gosta de se armar em profeta - e de, a partir daí, se ver na necessidade de provar que tem ou vai ter razão ou de justificar porque é que não a teve - e que, pior ainda que isso, tem pouco sentido crítico, não é intuitivo, se um palerma qualquer diz uma parvoíce qualquer, ele não duvida. Posso também achar que é de gosto muito duvidoso ter lá uma criatura como o Henrique Raposo, que é vulgar e de um reaccionarismo primário, ou um Daniel Bessa que defende uma coisa e o seu contrário, tudo sempre fora de tempo e dando palpites sempre ao lado, ou um Henrique Monteiro que escreve banalidades com ar proficiente, demonstrando que é tão influenciável que até chateia - mas, enfim, tem também uma Clara Ferreira Alves, agora um Pde José Tolentino Mendonça, um Nicolau Santos, um João Garcia, um Fernando Madrinha, um Pedro Adão e Silva e outros cujas opiniões gosto de ler, mesmo que nem sempre concorde com o que escrevem.
Por isso, reportando-me agora apenas à crítica literária, não é uma andorinha como o José Mário Silva que estraga a primavera e, portanto, de forma fiel, lá continuo todos os sábados a ler o Expresso.
Mas, dizia eu, esta semana surpreenderam-me e redimiram-se. Com um trabalho como o de hoje o Expresso fez um favor aos seus leitores.
A ideia do Expresso foi dar oportunidade aos críticos literários residentes de, no que à literatura portuguesa diz respeito, separarem o trigo do joio, indicando quais, em sua opinião, são os escritores mais sobrevalorizados e quais os mais subvalorizados.
E, ao fazê-lo, revelaram a sua própria qualidade de críticos literários.
Os leitores do Actual do Expresso agradecem esta separação de águas.
Não apenas é interessante confrontarmos a nossa opinião pessoal com a deles como ficamos a perceber melhor quais os seus referenciais.
Clara Ferreira Alves coloca Alexandre O'Neill e 'Subvalorizar "novíssimos"' no grupo dos que deveriam merecer mais atenção.
E, de forma clara, aponta o dedo aos jogos de interesse que proliferam nos pequenos meios literários que sobrevalorizam uns, impedindo a valorização de outros que a mereceriam.
Refere explicitamente que a LER é um produto de lobby, o de Francisco José Viegas com o seu index de inimigos e desagrados.
Concordo com ela.
Por outro lado, coloca Miguel Torga e Valter Hugo Mãe no grupo dos que são sobrevalorizados. Sobre Miguel Torga não sou tão justiceira como ela mas, sobre o segundo, faço minhas as suas palavras: é um dos exemplos mais cómicos do cabotinismo literário lusitano.
Com José Mário Silva não me identifico, excepto talvez no que se refere a Carlos de Oliveira que acha que é subvalorizado face ao que vale. Não me revendo nas suas restantes opções, passo à frente.
Pedro Mexia deixa-me curiosa com as suas escolhas sobre os que acha que mereceriam melhor reconhecimento: Rui Knopfli e Teresa Veiga. Conheço mal o primeiro, não tenho, pois, ideias formada sobre ele, e não conheço Teresa Veiga. Tenho um único livro dela e acho que ainda não li. Tenho que ir averiguar. Prezo a opinião de Pedro Mexia (apenas uma vez achei que estava a fazer um frete mas percebi depois que, a ele, a amizade por vezes tolda-lhe a isenção e, enfim, sendo isso raro e sendo por uma boa causa, por aquela vez passou).
Quanto aos que acha que valem menos do que o valor que lhes é atribuído, acho que Pedro Mexia foi um cavalheiro: sobre Luis Sttau Monteiro cingiu-se à peça 'Felizmente há luar' e, ao referir Florbela Espanca, falou da sua vida complexa e tempestuosa que despertou uma atenção tal que ajudou a sobrevalorizar a sua obra. Concordo.
Luísa Mellid-Franco escolhe Fernando Campos e Pedro A. Vieira como os mereceriam mais atenção mas não posso opinar: não conheço a obra de um e outro.
Nos que considera sobrevalorizados coloca António Lobo Antunes (com excepção para os três primeiros livros). Eu juntaria às excepções os livros de Crónicas. Os restantes livros são como diz Luísa Mellid-Franco: circulares, déjà vu. Junta J. Rodrigues Santos como um dos que não merece a fama que tem.
Custa-me ver António Lobo Antunes ao pé do gnomo no jardim, parece-me que, apesar de tudo não há comparação. Mas, enfim, embora guardando as devidas distâncias, concordo que o primeiro é sobrevalorizado no que toca aos romances a partir dos três primeiros e concordo que o segundo não pode ser considerado escritor.
Finalmente Ana Cristina Leonardo. Gostei das suas escolhas. Nos que considera que deveriam ser melhor divulgados, refere Teresa Veiga, tal como Pedro Mexia o fez. E junta Ferreira de Castro, o que me agradou muito. Li a obra inteira de Ferreira de Castro ainda era menina e moça e acho que foi com ele que conheci a vida dos que, vivendo em condições difíceis, conservam a dignidade, dos que têm a sabedoria da vida em tempos de neve, nas serras, entre pedras, mãos calejadas, aventuras e sobrevivência a par de uma vida dura. E a Selva, que tenho em luxuosa edição, capa de pele e ilustrações de Júlio Pomar, que me ensinou o que é natureza humana quando a sobrevivência tem lugar na solidão de uma natureza cuja vida rebenta por todo o lado, a toda a hora. Gostei muito que Ana Cristina Leonardo se tivesse lembrado de Ferreira de Castro.
Como concordo com as duas estrelas de pechispeque que a falta de exigência vigente confunde com estrelas de verdade: José Luís Peixoto e Valter Hugo Mãe. Sobre o primeiro gostei, salvo erro, do Nenhum Olhar e gosto de um ou outro poema. Mas de todos os outros penso que são puro pastiche, lugares comuns, kitch, coisa armada nem sei em quê, uma repetição saturante. Sobre o segundo, o homem do sexo lavável (vá lá, ao menos é limpinho), faço minhas todas as palavras de ACL (nomeadamente quando diz que, se toda a literatura é fake, convém que não se note logo).
Ana Cristina Leonardo é uma arretada do caraças (e agora falo também da sua vertente pessoal, que conheço através do seu Meditação na Pastelaria). Tirando as vezes em que se atira, sem dó nem piedade, à jugular do colega de profissão, Eduardo Pitta - faz-me impressão aquele destratamento impiedoso para com um colega; acho que poderia ser crítica sem ser tão cruel ou, se sente mesmo necessidade de o mutilar, então que o fizesse em privado - geralmente estou de acordo com ela e até acho piada à forma desabrida e destemida como dá o peito às balas. Acho que conserva aquele despudor e aquela irreverência próprios das adolescentes difíceis - e isso tem graça.
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Como referi no título da mensagem, está também de parabéns o ilustrador Gonçalo Viana. Belo trabalho.
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A música é Sou tua numa interpretação de Marta Dias com António Chainho. Gosto muito da voz de Marta Dias. Escolhi-a porque queria uma música portuguesa pouco conhecida e interpretada por alguém que não fosse maisntream - e foi logo dela que me lembrei
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E, por agora, por aqui me fico. Tenham, meus Caros Leitores, um belo domingo.
Obrigada pelo apanhado do artigo. Também me despertou a atenção o título mas, como não comprei o Expresso, ainda não o consegui ler on line.
ResponderEliminarA "Lã e a Neve" de Ferreira de Castro é um grande livro, que ainda outro dia voltei a ler, passados anos. A par da "Terra Fria" - regiões onde se passam aqueles dramas/romances, que conheço bem. Fica-se com uma ideia, muito clara, daqueles tempos e daqueleas gentes. E do que sofreram aquelas gentes ("A Lã e a Neve"). Li e possuo igualmente toda a sua obra.
ResponderEliminarP.Rufino
Muito obrigada pela parte que me toca. Só um esclarecimento: eu e o Eduardo Pitta não somos colegas :)
ResponderEliminarCara Ana Cristina Leonardo,
ResponderEliminarNada a agradecer. Digo o que penso (como sabe).
Gosto de ler o que escreve mesmo que, por vezes, não concorde consigo. Mas acho que há sempre uma sinceridade e uma impulsividade muito genuínas e acho imensa graça a isso.
Quanto ao Pitta, falei em colegas por escreverem ambos sobre livros. Podem não ter os mesmos patrões nem estarem próximos em gostos ou estilos mas, enfim, têm ofícios afins. É como uma pessoa, falando com um médico, referir-se a um outro - que até pode ser de outra especialidade e trabalhar noutro sítio - como seu colega. Mas isso é pormenor. Percebe o que eu quero dizer. Mas reconheço que andar à espadeirada também deve fazer parte do seu estilo.
Desejo-lhe uma boa noite, Ana Cristina.
Foi interessante ler esta análise sobre as escolhas dos mais e dos menos. :) Concordo com várias delas.
ResponderEliminarOlá UJM,
ResponderEliminarGostei desta sua análise rápida sobre a avaliação que os críticos literários do Expresso fazem aos escritores portugueses. Assim foi muito mais fácil, graças à sua boa vontade.
Concordo consigo quando diz que pessoas que têm ofícios afins podem-se considerar colegas de profissão! Boa definição, sempre com o rigor e a lucidez que lhe conheço!
Da minha parte agradeço-lhe o trabalho (de casa) adiantado.
Um beijinho