terça-feira, agosto 27, 2013

Sobre António Borges, o economista que não tinha razão


No post abaixo falo das birras literárias entre críticos, editores e tudo o que vagamente tenha a ver com conversas e negócios à volta da literatura. O que me leva a escrever sobre isto é o espalhafato de vizinhas entre Arnaldo Saraiva e Filipe Delfim Santos, que quase os está a levar a andar ensarilhados no meio do chão a arrepelarem os cabelos um ao outro - e tudo, imagine-se, a propósito do livro de correspondência entre Jorge de Sena e João Gaspar Simões.

Mas, enfim, isso é a seguir. Aqui a conversa é outra.


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Não sei bem porquê, porque não gosto de escrever obituários, acho hoje que deverei dizer qualquer coisa sobre a morte de António Borges.


Há já algum tempo, seguramente há bem mais de um ano, um amigo estava a contar-me que tinha estado a ouvir António Borges aí numa 'cena' e que, antes e depois, tinham estado a trocar uma prosa. Comentei a sua magreza que, à vista desarmada, era de mau agoiro, ao que o meu amigo me disse, 'ele tem cancro no pâncreas, coisa séria, mesmo séria, está no caminho descendente. Mas continua com uma agenda como se estivesse para dar e durar'.

Fiquei admirada pois estávamos numa altura, com esta coisa de ele ser o ministro oculto mas, de facto, talvez o mais poderoso, em que as polémicas sistematicamente se incendiavam em volta dele. Estando assim tão mal, para que andava metido nisto, envolto em controvérsias, em vez de aproveitar o tempo que lhe restava, em tranquilidade? 

O meu amigo contou que eu nem imaginava, que tranquilidade era coisa que não existia na vida dele, que as viagens em trabalho ao estrangeiro eram regulares, que inclusivamente fazia viagens intercontinentais, coisas de dia inteiro, e reuniões e mais reuniões de trabalho e que identicamente mantinha reuniões e almoços para amigos em casa e que ninguém percebia aquela vontade de fazer parecer que nada se estava a passar.


Perguntei ao meu amigo: mas que explicação encontra para o facto de ele, sabendo que tem pouco tempo de vida, em vez de descansar, ler, estar com a família, andar nessa correria e sempre com bocas polémicas, provocatórias?

O meu amigo também se mostrava admirado mas adiantou uma possível explicação: sabe? pessoas assim acham que tudo na vida é uma questão de vontade, que, querendo, sempre se consegue, que na vontade é que está o segredo do sucesso, penso que talvez ele ache que é superior a isso, que vai ultrapassar. Tal como acredita que se vai vencer esta crise, que se vai ultrapassar a crise da dívida, o défice, isso tudo.


António Borges: a vida é breve


Depois disso, eu, ao vê-lo na televisão, impressionantemente magro, pose arrogante, desafiador, mostrando-se superior à plebe, e sempre a acreditar que os mercados é que mandam e que, mesmo num cenário desregulado como é aquele em que vivemos, os mercados haveriam de encontram um equilíbrio racional, interrogava-me: como é que um sujeito que toda a gente diz que é inteligente dá tantas provas de que o não é - e toda a gente continua a dizê-lo brilhante?

Sempre achei que quase tudo o que ele defendia estava errado. Se fosse inteligente, ele deveria ver que, tal como o seu próprio corpo lho estava a demonstrar - com as células malignas multiplicando-se descontroladamente -, tem que haver regulação e, além disso, tem que haver uma força moral a sobrepôr-se à força bruta dos mercados ou da matéria.

O Insead, que ele dirigiu, é uma das grandes escolas de gestão, é certo, mas é a escola onde se ensina(va) aos gestores que gerir bem é criar valor para o accionista e ponto final (e acreditem: sei do que falo). Sobre o que isso tem de redutor e o que isso desgraça a economia já aqui falei antes. Criar valor para o accionista é fundamental  sim, mas tem que ser um dos parâmetros - um dos, não o principal ou, mesmo, o único.


É que foi isso, associado ao facto de os Governos estarem manietados pelas Goldman Sachs desta vida (Goldman Sachs à qual ele também pertenceu), que fez com que as políticas fiscais dos países mais vulneráveis favoreçam o não reinvestimento dos lucros. Em vez disso, as políticas fiscais favorecem que se recorra a financiamento bancário (pois isso, aumentando os juros, aumenta os custos e, aumentando custos, reduzem-se os lucros e, reduzindo lucros, paga-se menos impostos e, portanto, maiores os lucros líquidos - e, lá está, maior o valor criado para o accionista).


Ora isto, que foi um excelente negócio para todo o sector financeiro, foi a desgraça para as empresas (que se endividaram até ao tutano). E não foram apenas as empresas privadas, foram também as do Estado cuja gestão emulou a gestão privada.

E assim chegámos à dívida colossal que destruiu a economia e colocou o país nas mãos dos bancos e do sector financeiro em geral.

Esta é a política liberal defendida por António Borges e seguida acefalamente pelo Governo de Passos Coelho.


  • Já agora, um pouco sobre isto, recomendo a leitura deste lúcido artigo de Viriato Soromenho Marques, um dos homens inteligentes e sérios deste país (e que tive o privilégio de conhecer antes dele ser publicamente conhecido - mas quando já era, porque sempre o foi, uma pessoa diferente, interessada, informada)



Que sabendo o que acima referi (porque, sendo inteligente como diziam que era, António Borges tinha forçosamente que o saber), ele tenha defendido que a solução para o País era vender ao estrangeiro as suas maiores empresas, baixar os salários dos trabalhadores portugueses e outras imperdoáveis falácias é coisa que nunca consegui digerir. Quem defende isto não pode amar o País. Ou então não é inteligente.


Por isso, por sempre ter achado isto, não é agora, que ele se foi, que vou mudar de ideias.

Mas isso é uma coisa e outra muito diferente é regozijar-me com a sua morte. Era um homem com família e a família deve ter sofrido a perda do seu familiar querido. Custa-me ler o que tenho lido por aí, muita maldade irracional, muito fel inútil, uma agressividade latente e desfocada.

Eu queria que o Governo do meu país não o tivesse contratado ou que não seguisse as suas ideias, só isso.

E isso é muito diferente de querer a sua morte. Uma vez mais, a responsabilidade por o ter escolhido e por seguir as suas ideias - apesar delas se terem revelado a causa dos problemas do País (do nosso, tal como também de todos os que vêm caindo nas mesmas malhas) e apesar de se ver que as soluções que continuava a defender se mostravam inequivocamente erradas - era e é de Passos Coelho. Foi nele que as pessoas votaram e é ele o responsável pela (des) governação de Portugal. 

(E, obviamente, também não desejo a morte de Passos Coelho, nem pouco mais ou menos, apenas quero que deixe de ser primeiro ministro de Portugal. Apenas isso. E será muito)

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Permitam que relembre: sobre as cenas de faca e alguidar entre Arnaldo Saraiva e Filipe Delfim Santos é só descerem um pouco mais.

2 comentários:

  1. JOAQUIM CASTILHOagosto 27, 2013

    Olá UJM

    Mais uma vez a felicito pelo bom senso e acerto do seu post! Como economista António Borges foi um verdadeiro "taliban" entre os economistas liberais ou neoliberais, como lhe queiram chamar, defendendo teorias extremistas que na prática representam o empobrecimento generalizado da população e o aumento dos proventos de sector financeiro como aprendeu na Goldmann Sachs e no Insead. Foi elogiado, depois de falecido pela firmeza das suas convicções, tal como o foram o Salazar ou o Álvaro Cunhal!
    Claro que isso não basta!Também a Maria José Nogueira Pinto demonstrou e agora o António Saraiva demonstra uma coragem notável na doença mas isso não deve ser confundido com a validade das ideias e acções que praticaram ou pelo facto de serem bons maridos ou mulheres ou bons ou maus pais de família.
    Borges deixou alguns discípulos para além do inefável Moedinhas os jornalistas pimba de economia Camilo Lourenço e o festejado José Gomes Ferreira!

    um abraço

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  2. Subscrevo as palavras de Joaquim Castilho. E este seu Post é, na verdade, esclarecedor, sem emotividade, do que Borges foi e defendeu.
    Permito-me apenas acrescentar algumas palavras. Na morte, somos recordados pelo que fomos e fizemos e por quem apoiou ou desaprovou aquelas nossas atitudes e comportamentos. Como sucedeu com Borges.
    No velório da Basílica lá estava, politicamente falando, quem achava que tinha de estar e faltou quem achava que não devia lá estar. Não me refiro á família, naturalmente, por quem, embora desconhendo - respeito. Houve uma pessoa, que lá esteve, que embora me tenha surpreendido, não me espantou: o inefável padre Feyrtor Pinto. O padre amigo e bajulador da classe dominante.
    Por mim, o respeito e consideração que tenho pelos mortos é exactamente o mesmo que tenho por eles em vida. Nunca tive a menor consideração – política, obviamente – por Borges, em vida, sempre desprezei as suas ideias em prol da economia. E quanto ao brilho e inteligência dele, agora tão avivada, é-me completamente indiferente – por uma razão simples: a mim o que me importa no que a essas virtudes intelectuais respeita é ao serviço de quem estão. No caso de Borges, ele pôs aquelas suas qualidades ao serviço do pior que há, ou seja, o capital financeiro, de quem era agente, empregado, funcionário, criado, defensor, propagandista, etc.
    Auferiu muita das vezes elevados privilégios salariais que lhe deveriam merecer um mínimo de respeito face à origem dos mesmos, visto serem os contribuintes dos países membros do FMI quem sustentava o orçamento daquela Instituição, que lhe pagava o seu salário. Todavia, indiferente a isso (um sintoma comum a quem ali trabalha), defendeu sempre uma austeridade com custos sociais avassaladores para com os países em maiores dificuldades, sem a menor réstia de sentimento para os que seriam os mais prejudicados por essas medidas que propunha. O mesmo se passou quando aceitou ser consultor deste governo com um salário escandaloso, livre de impostos (pago pelos nós contribuintes), ao contrário do que todos nós, que temos de os pagar com língua de palmo e continuou, na sua coerência ultra-liberal (na linha de Milton Friedman, que ele apreciava), a propôr as mesmas soluções, para além de sugerir a privatização de empresas públicas saudáveis (que passaram e passarão a ter na mão o interesse público em favor do privado, para, como UJM muito bem nos recorda, satisfazer quem interessa, ou seja, os accionistas e não o público).
    Em resumo, António Borges foi, politicamente, uma inqualificável criatura. Não sou, nem nunca serei hipócrita, daí não sentir a menor vontade para encontrar ou escrever palavras de simpatia para sobre ele.
    Somos na morte aquilo que fomos em vida. Tão simples como isto.
    P.Rufino

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